Morreu um mito americano

Como Marilyn Monroe, a paixão da sua vida, Joe DiMaggio pediu para ter um funeral privado. Foi considerado o melhor jogador de basebol de sempre, mas o seu mito ultrapassa os recordes desportivos. "Joe D." morreu ontem, aos 84 anos.

Alguma coisa imperceptível, talvez a sua timidez ou o breve casamento com Marilyn Monroe, tornou Joe DiMaggio, considerado o melhor jogador de basebol de sempre, num mito americano do século XX. Cinco meses depois de uma operação aos pulmões, DiMaggio morreu ontem na sua casa em Hollywood, Florida, aos 84 anos, rodeado pela família.Os seus recordes são impressionantes, mas hoje, quando os comentadores desportivos falam de DiMaggio, falam de elegância, graciosidade e dignidade, e do facto de ser um "gentleman" dentro e fora do campo. Além disso, numa clássica história americana de sucesso, DiMaggio é o símbolo do sonho americano, o filho de um pescador pobre da Sicília que casou com o "sex symbol" da América, foi homenageado por presidentes e "nunca perdeu a classe".Ontem, o presidente Bill Clinton disse que "a América perdeu um dos heróis mais amados do século". Quando Gorbatchov visitou Washington pela primeira vez, foi ele o único desportista convidado por Reagan para a cerimónia na Casa Branca - e mais tarde Bush homenageou-o nos Rose Gardens.DiMaggio chegou a Nova Iorque em 1936, com 21 anos, comprado pelos Yankees a uma equipa de São Francisco num dos negócios mais fabulosos da história - 25 mil dólares. Jogou até 1951, à excepção dos três anos durante os quais ensinou basebol às tropas durante a II Guerra.O Verão de 1941 é lembrado como uma temporada mágica, quando o país estava a recuperar da Depressão e se reuniu em torno do jogador, que entre Maio e Julho marcou um lance em 56 jogos consecutivos. Tornou-se um herói instantâneo e nunca, até hoje, este recorde foi ultrapassado. DiMaggio conduziu os Yankees a dez Campeonatos do Mundo (tem este nome apesar de ser, de facto, um campeonato americano) e ganhou nove.Para os imigrantes, e sobretudo numa época de estereótipos pouco subtis, foi a materialização da imagem de um país de oportunidades. Em 1939, num artigo que pretendia ser simpático, a "Life" explicava como DiMaggio estava a "melhorar": "Apesar de ter aprendido italiano como primeira língua, Joe, agora com 24 anos, fala inglês sem pronúncia e está bem adaptado à maioria dos costumes americanos. Em vez de azeite ou gordura de urso mal cheirosa, mantém o cabelo para trás com água. Nunca tem hálito de alho e prefere 'chow mein' de galinha a 'spaghetti'."Solitário e discreto, DiMaggio nunca revelou grandes emoções. Como jogador só o fez em 1947 (quando deu pontapés no chão depois de perder um lançamento) e nunca falou publicamente de Marylin Monroe ou do casamento. A única coisa que se sabe é que durante mais de 20 anos depois da morte da actriz, em 1962, enviou rosas para a sua campa em Los Angeles três vezes por semana.Os dois casaram em Janeiro de 1954, em São Francisco, mas divorciaram-se nove meses depois. DiMaggio não terá aguentado nem o circo mediático nem a imagem provocante de Monroe e conta-se que protestou ferozmente contra a cena de "O Pecado Mora ao Lado", de Billy Wilder, na qual a saia de Monroe esvoaça com a ventilação do metro de Nova Iorque. O divórcio deixou-o destroçado e DiMaggio nunca voltou a casar, mas em 1961, quando a actriz parecia estar à beira de um colapso, o jogador levou-a para o centro de treino dos Yankees na Florida para descansar. Quando, no ano seguinte, Marilyn Monroe morreu, foi ele quem tratou do funeral e quem impediu a presença dos Kennedy na cerimónia. A seguir, viveu durante anos em São Francisco com a sua irmã viúva, na casa que comprara para os pais e na qual vivera com Monroe.Tratado como um ícone da cultura popular americana, DiMaggio aparece em "Mrs. Robinson", música em que Paul Simon o trata como o último dos heróis, lamentando o seu desaparecimento da vida pública ("Where have you gone Joe DiMaggio? A nation turns its lonely eyes to you") e em "O Velho e o Mar", de Hemingway. "Gostava de conseguir uma pesca à grande como DiMaggio. Dizem que o pai dele era pescador. Talvez ele tenha sido tão pobre como nós e compreendesse", diz o velho pescador cubano.O corpo de DiMaggio, que morreu com um cancro no pulmão, vai ser transportado para Martinez, a pequena vila piscatória onde nasceu, ao pé de São Francisco. A pedido do jogador, o funeral vai ser privado. Como o de Marilyn.

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