O segredo de "Maria"
Estão grisalhos e estão de volta, 20 anos depois. "Maria" é um sucesso mundial e em Portugal o novo CD vendeu oito mil cópias em duas semanas. Mas em Nova Iorque, no primeiro concerto dos Blondie nos EUA, a multidão vibrou sobretudo com "Call Me", de 1980, e sempre que Debbie Harry, a "Loira", ofereceu o melhor "sex appeal" dos seus 53 anos.
Há quatro meses, quando estavam a gravar "No Exit" nos Chung King Studios em Nova Iorque, Chris Stein, o guitarrista que fundou os Blondie em 1974, confessou ter chorado ao ver "Jerry Maguire". Comoveu-se porque, tal como a sua banda, o filme "é sobre segundas oportunidades". "É por isso que estamos aqui. Estamos a ter a nossa segunda oportunidade."Os Blondie estão mais velhos, mais gordos e até choram a ver Tom Cruise no cinema, mas estão de volta, 17 anos depois do último álbum, e - impensável em Outubro - estão a ter um sucesso explosivo. Mais doce, talvez.Com a "Blondomania" já instalada há um mês na Grã-Bretanha e a começar agora nos EUA, na terça-feira os Blondie lançaram o novo CD "No Exit" (Beyond Records) no mercado americano com um concerto no Town Hall, um velho teatro da Broadway em Nova Iorque. Foi um concerto de promoção (os 1300 lugares foram oferecidos por estações de rádio), e na assistência havia tantos adolescentes como adultos com 40 e 50 anos que ainda se lembram das letras antigas.O novo CD é a confirmação de que é quase impossível classificar os Blondie. Na sua primeira vida, foram adoptados pelos seguidores do pop, do punk, do new wave e do rock/disco ao mesmo tempo. Agora, em "No Exit", que dá o título ao CD, há rap, que em estúdio Harry canta em duo com o rapper Collio; em "Boom Boom in the Zoom Zoom Room" há jazz; "The Dream Is Lost On Me" parece uma balada folk, e há muito"hip hop".Mas num concerto de regresso, os Blondie não podem escapar aos temas que hoje já são clássicos. Tocaram "Atomic", "Sunday Girl", "Call Me","Hanging on the Telephone", "In the Flesh" (a primeira música que a banda escreveu), "Rapture", considerada a primeira canção rock que juntou o som rap então a emergir, e "Heart of Glass".Clem Burke, Jimmy Destri e Chris Stein, todos membros fundadores, continuam a vestir-se de preto e com calças de cabebal, e Deborah Harry apareceu no que é a sua imagem versão 1999 - uma saia e camisa preta justas em cima de um vestido de tule vermelho mais comprido do que a saia.À saída, alguns nova-iorquinos queixaram-se do novo visual. "Ela está reservada. Devia ter escolhido outra coisa, mais sexy", disse ao PÚBLICO um adolescente que nasceu quase no ano do último disco dos Blondie.Mas a imagem foi precisamente uma das coisas que, hoje, a banda diz ter sido um problema nos seus oito anos de existência. Queriam ser "os Blondie", o grupo, e não "a Blondie", a cantora.O extraordinário sex appeal de Debbie Harry (considerada a inspiração de Madonna e Courtney Love) foi fundamental para a emergência da banda, mas, queixam-se agora, também impediu que os críticos e a audiência prestassem atenção aos músicos. A própria Debbie Harry, dizem os críticos, nunca foi levada muito a sério como cantora ou autora (e muitas das letras de "No Exit" são suas). Antes de fundar Blondie, Harry tinha sido uma "bunny" da "Playboy" e os músicos eram vistos como uma espécie de bandeja para exibir a sua loira.Uma das vantagens de se regressar 20 anos depois é que a tal "segunda oportunidade" de que Chris Stein fala permite redireccionar as coisas. Em Nova Iorque, Harry saiu do palco várias vezes para deixar os músicos tocarem sozinhos ou encostou-se à caixa de vidro do baterista, de braços cruzados, à espera.Mas os Blondie também são "sex appeal" e sabem isso. E a multidão do Town Hall, de facto, vibrou sobretudo nos momentos em que a cantora mais revelou a sensualidade dos seus 53 anos, como quando se agarrou à parede de vidro a gemer, de costas para a assistência. Debbie Harry, porém, está particularmente irónica em relação à sua imagem e faz sobretudo poses fatais forçadas a ridicularizar o seu estatuto de "Loira".A banda fechou a noite com "Heart of Glass", escolhida para o fim, talvez, porque esse foi precisamente o primeiro "hit" da banda, que subiu para os tops britânicos a 3 de Fevereiro de 1979. A seguir vieram "Sunday Girl", "Atomic", "Call Me" e "The Tide Is High", e no início dos anos 80 os Blondie já tinham vendido mais de 40 milhões de discos.Hoje, 20 anos depois, "Maria", a canção do novo álbum lançada em single, está no top britânico e os críticos têm-se entretido a fazer cálculos. Entre "The Tide Is High", o último "hit", e "Maria" passaram 18 anos e três meses.E assim, como a máquina de marketing da editora BMG tem repetido, os Blondie são a primeira banda na história a ter um single no top das tabelas nos anos 70, 80 e 90, e é consensual que este é um dos regressos mais impressionantes da década.Na Grã-Bretanha, "Maria" vendeu 3l mil cópias no primeiro dia e 128 mil cópias na primeira semana. A nível mundial, o CD, lançado há duas semanas, já vendeu 230 mil cópias. Em Portugal vendeu 8 mil e "Maria" estava ontem em 4º lugar nas tabelas.Há três anos, quando Stein perguntou a Harry o que é que ela pensava da ideia de se juntarem para lançar um CD com os "hits" antigos e uma ou duas canções originais, Harry hesitou. Tinha 50 anos, mais peso e mais rugas e não lhe apetecia enfrentar os fãs 20 anos depois ou os jovens que não sabiam quem ela era. Mas por essa altura, os Sex Pistols regressaram aos palcos em digressão mundial e Jimmy Destri, (teclas), viu-os e ficou "muito deprimido", contou ao "New York Times". "Não queria ficar como eles, simplesmente a reciclar material antigo." Decidiram então fazer um novo álbum. "No Exit" tem 13 canções, todas orginais.Chris Stein diz que o fim da banda foi como James Dean. Ninguém morreu, mas por volta de 1980 Stein ficou doente com o que se veio a descobrir ser uma doença genética de pele normalmente fatal. Deborah Harry, que na altura era a sua namorada, deixou de cantar e durante três anos dedicou-se exclusivamente a acompanhar e ajudar Stein a recuperar. Em 1982 a banda separou-se oficialmente. A história está no disco. Em "Screaming Skin", a primeira canção do novo álbum, Harry canta que "a minha pele frita, o meu sangue suspira, o meu espírito voa".