Criadores no W.C.
Chama-se projecto "W.C. Container". O comissário, Paulo Mendes, diz que o objectivo é que os artistas convidados para cada uma das mostras criem trabalhos originais a partir de elementos e temas relacionados com esta zona da arquitectura habitacional. Alexandre Camarão, António Caramelo, Cristina Mateus e Susana Mendes Silva são os primeiros criadores que se dedicaram à casa de bandos.
Situado na Rua Miguel Bombarda - artéria no Porto onde se concentra um significativo e crescente número de galerias de arte -, o edifício Artes em Partes alberga um conjunto de lojas que se dedicam à difusão das novas tendências da cultura urbana. Da música alternativa aos objectos de design, da "roupa feita ao corpo ou 'à la carte'" aos brinquedos com "cobertura kitsch", nos vários andares da velha casa é possível descobrir um conjunto de propostas alternativas ao mercado tradicional. E não falta mesmo um café-bar onde se servem sumos naturais, batidos, tartes, bolos e saladas.Em três divisões do imóvel funcionam espaços dedicados à arte contemporânea. Na antiga sala de estar situa-se a Sala Bombarda, que é dirigida por Cristina Pimentel e Joana Pimentel e onde está actualmente patente uma exposição com pinturas de Paula Mota e esculturas de Teixeira Barbosa. Num quarto do primeiro andar foi instalada a Poste-Ite, uma sucursal de pequeno formato da Galeria Pedro Oliveira, que actualmente apresenta desenhos de Pedro Proença. Finalmente, numa casa de banho é visível a primeira mostra do projecto "W.C. Container", comissariado por Paulo Mendes."Quarto Interior" é a exposição inaugural desta iniciativa que decorrerá ao longo deste ano. Segundo o coordenador, o objectivo é que os artistas convidados para cada uma das mostras criem trabalhos originais a partir de elementos e temas relacionados com "esta zona constituinte da arquitectura habitacional". Os criadores incluídos na primeira intervenção - Alexandre Camarão, António Caramelo, Cristina Mateus e Susana Mendes Silva - realizaram obras que constituem o espelho de uma realidade imersa em imagens, sons e sensações estéreis.A repetição neurótica é assim o mecanismo que reprime o desejo de diferença, cada vez mais ausente da organização social global. O "loop" é o artifício que melhor exprime a realidade contemporânea: as imagens repetem-se até ao infinito, adquirindo, dessa forma, atributos anestésicos e hipnóticos que actuam cirurgicamente sobre o inconsciente colectivo. A recorrência condiciona os afectos aos limites do sistema mercantil. Na instalação "All Over the World (It) Takes a Good Care of You", António Caramelo reproduz, em dois pequenos monitores vídeo colocados numa banheira, a mesma cena de sexo oral em câmara lenta. Sobre as imagens paira um avião eléctrico. O trabalho completa-se com uma cortina de banho que tem impressa um mapa-mundo onde estão assinalados 60 pontos com relevância geo-política. Crítica à sociedade do espectáculo, esta obra pode ser também vista como um comentário acerca da impossibilidade de a pessoa ocupar um lugar exterior neste mundo sem sombras. O corpo é o tema da instalação vídeo que Cristina Mateus projecta no tecto da casa de banho. Neste caso, a artista filmou um detalhe da pele humana, que se revela no lento movimento do respirar. É uma obra que representa rugosidades, pêlos e sombras, características genéricas de um ser qualquer, sem identidade nem qualidades. Como escreve a criadora: "Não é mais possível ignorar a dimensão artificial que o corpo tomou, num anulamento dos desejos e sensações. O corpo como objecto privilegiado do consumo, como entidade submetida às determinações dos valores uniformizantes que não condescendem com a especificidade do corpo individual".O desvio é o estratagema utilizado por Susana Mendes Silva numa série de desenhos fotocopiados intitulados genericamente "Tu Vois Je Suis Dieu", frase retirada do texto "Madame Edwarda", de Georges Bataille. Neste caso, a publicação desviada é "Não Mates o Zézinho", editada por ocasião do referendo sobre o aborto. Questionar os direitos que cada um tem sobre o seu corpo é a intenção da artista, que utiliza também como suporte a linguagem dos "manga" japoneses. Heterodoxos e revoltados, estes trabalhos estão instalados, à altura dos olhos, num friso da casa de banho, directamente sobre os azulejos brancos. A exposição completa-se com a instalação sonora "Paradelic", de Alexandre Camarão.