A angústia do voto secreto
O congresso do PSD reúne-se hoje e amanhã no Porto para ratificar a estratégia de Marcelo para este ano eleitoral. Mais uma vez, o líder dos sociais-democratas quer dois terços dos votos para a sua coligação alternativa a Guterres. Mas a decisão por voto na urna pode complicar a vida a Marcelo. Muitos militantes não acreditam que a união com Portas seja a melhor estratégia para o PSD regressar ao governo. Só que a ausência de um candidato anunciado poderá manter Marcelo à frente do partido. Depois de Barroso ter garantido que nada fará para que Marcelo caia, as coisas poder-se-ão complicar para o líder se Pedro Santana Lopes acabar por lhe fazer frente, defendendo o acordo com o PP só depois das eleições. António Capucho já anunciou que o fará, assumindo o papel de detonador das bases. Mas o factor Leonor Beleza joga a favor de Marcelo.
Se alguém quiser saber o que vai acontecer no congresso do PSD que se realiza hoje e amanhã no Coliseu do Porto, o melhor mesmo é perguntar ao ex-líder social-democrata autor da célebre frase "nunca me engano e raramente tenho dúvidas". É que até serem conhecidos os resultados da votação, amanhã, dos dois textos que Marcelo apresentará aos militantes sociais-democratas, tudo está em aberto. "Tudo" significa que Marcelo poderá não continuar à frente do PSD, cenário que se consumará se o líder dos sociais-democratas não conseguir os dois terços de votos favoráveis para a sua estratégia. "Tudo" significa ainda o decretar da morte da nova AD.Marcelo Rebelo de Sousa joga, uma vez mais, e muito provavelmente pela última vez, o tudo por tudo neste congresso. Estabeleceu já o acordo político com Paulo Portas e prepara-se para pedir aos seus militantes que a sua estratégia - definida no congresso de Tavira, em Abril do ano passado - seja de novo sufragada por dois terços dos votos do congresso.O líder do PSD viverá longos momentos de angústia nesta reunião. Sobretudo durante aqueles minutos, aquela eternidade que representará para ele a contagem dos votos dos congressistas sociais-democratas. É que desta vez, em contraste com Tavira, a votação será feita com o depósito do voto na urna. No congresso do ano passado, a votação foi electrónica. O voto na urna afastará também o cenário que alguns dos opositores de Marcelo colocaram o ano passado de ter havido "chapelada" na contagem dos votos dos congressistas, que lhe deram os dois terços pedidos.Nos dias que antecederam o congresso, Marcelo, uma vez mais, entrou em recolhimento para preparar as suas intervenções no conclave. Só que desta vez, como assinalava ontem um destacado militante social-democrata, a diferença é que todos os habituais protagonistas dos congressos do PSD fizeram o mesmo. Durão Barroso, após a entrevista à RTP-1, na semana passada, calou-se. E Santana Lopes, que exigira uma resposta rápida da direcção do partido à candidatura de Mário Soares ao Parlamento Europeu, manteve-se em silêncio após o anúncio da candidatura de Leonor Beleza, tendo até cancelado uma entrevista que esteve prevista para ontem, também na RTP.O líder do PSD deverá fazer hoje, na sessão de abertura do congresso, um discurso em que defenderá a nova AD como a forma de combater a tentativa hegemónica do governo socialista. Marcelo, ao que o PÚBLICO apurou, deverá fazer o apelo à unidade no combate contra o PS.Nesse desafio interno, a hipótese de Marcelo requerer a colaboração de todos não estava excluída pela sua própria direcção. Torres Pereira, o dirigente que substituiu António Capucho na secretaria-geral, disse ao PÚBLICO que Marcelo deveria deixar claro que "todos os militantes que têm valor têm o seu lugar nas hostes do PSD, todos os que estejam sincera e lealmente empenhados. Os que estejam empenhados de forma hipócrita, desleal e interesseira não fazem falta". Mas a questão não parece estar nem vir a ser assim tão facilmente resolvida. É que o apelo à unidade não parece e não parecia, ontem, ser suficiente para as bases que não estão ainda convencidas das virtualidades da Alternativa Democrática.Muitos dos militantes de base consideram que a ideia de a coligação com o PP ser o melhor caminho para o PSD regressar ao governo não passou. Antes pelo contrário. Recordam 1979 e a intervenção activa dos dirigentes do PSD junto das estruturas, para justificar o entendimento, então com o CDS e também o PPM. Até porque apesar de terem tentado, muitos dos militantes ainda não conseguiram engolir Paulo Portas e a mossa que o actual presidente do PP fez na social-democracia cavaquista.Por isso, o papel de António Capucho pode ser de facto muito importante. O ex-secretário-geral ultimava ontem a sua intervenção e preparava-se para defender que, com os dados conhecidos, a coligação é um "erro". Isto, além de levar a votos duas alterações ao acordo político - uma destinada a proibir que o PP tenha cabeças de listas nas eleições legislativas e outra visando garantir que as estruturas do PSD tenham a última palavra nas autárquicas.Até onde é que conseguirá ir Capucho na tentativa de travar os dois terços de Marcelo neste congresso? O ex-secretário-geral dizia ontem ao PÚBLICO que o resultado da reunião do Porto "é imprevisível". É certo que o ex-eurodeputado não está interessado em assumir-se alternativo a Marcelo. Mas não consegue disfarçar que está empenhado em que mais pessoas votem como ele: contra o acordo político.Mas uma das intervenções fundamentais deste congresso é a de Durão Barroso. Se o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros repetir no Coliseu a mensagem que expôs na RTP-1, então o congresso pode estar salvo para Marcelo. Ontem, ao PÚBLICO, interrogado sobre a possibilidade de Durão Barroso vir a defender Marcelo na sua intervenção ao congresso, José Luís Arnaut, um dos maiores apoiantes de Barroso, insistiu numa resposta, em língua anglo-saxónica, de elevado teor enigmático: "Why not?" [Porque não?]É que Barroso não está mesmo nada interessado em pegar no partido, agora. Reservava-se para o pós-marcelismo. Mas se as circunstâncias o obrigarem a ser líder, Barroso não deixará nenhum espaço para o vazio de poder e na própria noite do anúncio dos resultados mostrar-se-á disponível para suceder a Marcelo.Outras das intervenções mais aguardadas é a de Pedro Santana Lopes. Caso o presidente da câmara da Figueira da Foz insista na separação das listas defendendo um acordo apenas a seguir às eleições, então o congresso poderá sofrer nova agitação. Resta saber se o ex-presidente do Sporting não se prepara para fazer uma intervenção idêntica à de Barroso.Papel importante neste congresso é o de Leonor Beleza. A já apresentada candidata a cabeça de lista da AD às eleições europeias costuma levantar as plateias sociais-democratas. Neste congresso, Marcelo bem estará à espera que a ex-ministra da Saúde ainda esteja na posse de todas as suas qualidades...Intervenções que poderão influenciar o voto de alguns dos militantes que chegarão ao Porto ainda indecisos são também as de Luís Marques Mendes, líder da bancada parlamentar do PSD, e as de Alberto João Jardim, presidente da mesa do congresso.