Uma ilha envolta em cinza
A verdejante ilha de Monserrat empalideceu, em 1997, ao ficar coberta pelas cinzas de um vulcão violento. Muitos dos habitantes fugiram e os que ficaram assistiram a um espectáculo tão belo quanto horrível: cinzas, vapores e rochas deslizaram da montanha a 110 quilómetros por hora e sepultaram a capital. O vulcão, que ainda permanece activo, afastou da ilha conhecida pelo nome de Esmeralda os turistas.
No dia 18 de Julho de 1995, o vulcão de Monserrat, uma minúscula ilha no mar das Caraíbas, desperta fumegante de um sono de mais de 350 anos. Das encostas verdejantes do vulcão, nos Montes Soufrière, começam a sair novelos de fumo e vapores vulcânicos. O pior chegará dois anos depois, na tarde de 25 de Junho de 1997, quando uma corrente de cinzas, de vapores e blocos de lava cinzenta rola a grande velocidade pelas encostas e engole parte da ilha, matando 19 pessoas. A SIC passa hoje à 01h30 - na prática, amanhã - na rubrica Toda a Verdade, a história de um povo que aceitou viver com um vulcão.Ao longo de dois anos e meio, desde o momento em que o vulcão dá os primeiros sinais de vida, a National Geographic Society acompanhou o destino de uma ilha com 101 quilómetros quadrados e 11 mil habitantes (a maioria descendentes de africanos), para realizar o documentário "Vulcão Violento". No primeiro ano, Monserrat, conhecida como a Ilha Esmeralda das Caraíbas, e que Cristóvão Colombo descobriu em 1493, conseguiu manter a vegetação luxuriante. Só algumas encostas chamuscadas pelo vulcão faziam adivinhar uma catástrofe. "Quando os cientistas sobrevoam a cúpula da montanha vêem um monstro cinzento a crescer", conta em voz "off" o narrador.O vulcão de Monserrat, cuja última erupção histórica data de 1632, não encaixa na imagem que as pessoas têm destes fenómenos geológicos. Ou seja, não é um vulcão que entre em erupção violentamente e cujos rios de lava vermelha escorram a uma velocidade relativamente lenta.Este vulcão é alimentado por um magma espesso, que se desloca muito devagar do interior da Terra para a superfície. Por isso, nunca entra em erupção com grande aparato. O que se vê é, antes, um monte que fumega. O magma, no entanto, vai-se acumulando por baixo até que partes do monte se desmoronam. Nuvens de pó cinzento e preto, que escondem cinzas incandescentes e rochas pulverizadas, precipitam-se montanha abaixo - um fenómeno muito violento, característico de um em cada 20 vulcões, que se chama corrente piroclástica. De facto, estas correntes, ao contrário do que acontece nos vulcões de lava vermelha, atingem grandes velocidades e, até ao vulcão do Monte de Santa Helena, em 1980, pouco se sabia sobre elas. Ora a capital de Monserrat, Plymouth, onde vivia metade da população da ilha em 1995, ficava a escassos cinco quilómetros de um vulcão de correntes piroclásticas. Um ano depois, o vulcão tinha-se limitado a lançar fumos na atmosfera, ainda que as colunas de cinzas atingissem alguns quilómetros de altura. Perante o perigo, o Governo de Monserrat, um território dependente da Grã-Bretanha, ordena em Abril de 1996 a evacuação da zona Sul, incluindo a capital. A população concentra-se agora na zona Norte. Plymouth torna-se uma cidade-fantasma, exceptuando os cães que vagueiam pelas ruas.No segundo ano de actividade, o vulcão muda de humores. Na noite de 17 de Setembro de 1996, pouco antes da meia-noite, uma corrente piroclástica inunda os vales evacuados. E as cinzas vulcânicas queimam o nariz, a garganta e enfiam-se nos pulmões. Monserrat é uma ilha em fuga. Mais habitantes são forçados a ir para Norte e ficar apinhados em igrejas, escolas e tendas de campanha. E quase metade da população, cinco mil pessoas, já a abandonou. Partiram para as ilhas vizinhas, a primeira etapa de uma viagem para a Grã-Bretanha.No terceiro ano, é o inferno e os vulcanólogos temem o pior. Em Junho, os aparelhos científicos do Observatório do Vulcão de Monserrat registam inúmeros pequenos sismos - um sinal de que o magma e os gases andam em deslocação no interior do vulcão. Mas há quem se mantenha indiferente e continue a tratar dos campos. No dia 25 de Junho de 1997, pouco antes da uma hora da tarde, acontece então o que muitos temiam. Desprende-se um pedaço da cúpula. A velocidade atingida pela corrente de cinzas, vapores e rocha é impressionante: 110 quilómetros por hora. A temperatura também: 815 graus centígrados. Morrem 19 pessoas, sobrevivem outras 27 e sete povoações são arrasadas. "O calor era intenso. Não havia oxigénio, mal se respirava. Não pensei em mais nada senão em sair dali. Só se sentia a cinza quente, muito quente, a cair", relata um sobrevivente. As correntes piroclásticas deixam características específicas no corpo humano. "Os primeiros efeitos nas pessoas são os cabelos e a roupa incendiarem-se. Com o calor intenso, começam a arder rapidamente. Mas depois de algumas exalações, perdem a consciência e morrem", explica um especialista. "Há uma postura típica do corpo nas correntes piroclásticas. Esses corpos mostram todos as mesmas características dos braços e pernas erguidos devido ao calor intenso, que solidifica os músculos."No mês de Agosto de 1997, desabam mais correntes piroclásticas. Nuvens de cinzas abatem-se sobre a ilha. Plymouth fica sepultada debaixo de dez milhões de toneladas de cinzas. O vulcão vomitou-as até 12.000 metros de altitude. O verde luxuriante de Monserrat deu lugar a uma ilha pálida. Rose, uma voz que, apesar de tudo, Monserrat nunca deixou de ouvir na rádio local, sobrevoa a zona: "Nunca pude imaginar que iria ver Monserrat sem uma erva, sem uma folha verde." Um padre resume, no entanto, o sentimento de quem convive com um vulcão e, mesmo assim, não consegue partir. "Muitas pessoas fartaram-se e decidiram partir. Mas muitas pessoas são tão obstinadas que dizem: 'Vamos esperar mais um pouco. Talvez isto esteja para acabar'." O que este documentário de 1998 não conta é que a evacuação para as ilhas vizinhas não foi um assunto pacífico. Nem que a Grã-Bretanha demorou a anunciar um plano de ajuda financeira para quem quisesse deixar voluntariamente a ilha, que, de resto, mereceu vivos protestos por parte dos habitantes (ver "O paraíso debaixo das cinzas", PÚBLICO de 23.08.97). Não conta também o que aconteceu à população que ficou. O vulcão afastou da ilha os turistas, a principal fonte de rendimento, e três anos e meio depois continua activo.