Sexo à Distância
Nos últimos anos, a "good old " BBC alargou o espectro da sua produção, numa tentativa de actualizar a linguagem e a temática e, assim, crescer em audiências face à concorrência dos canais comerciais difundidos por via terrestre, satélite e cabo. Desta nova vaga BBCiana, chegou-nos um exemplo paradimático: uma série dedicada exclusivamente ao sexo entre animais. O ponto de partida é que é sempre interessante ver um escaravelho em cima duma escaravelha, ou um tartarugo em cima duma tartaruga. O ser humano gosta de permanentemente se comparar, pois pela comparação aprende e tenta atingir a perfeição - eis a magnífica pedagogia subjacente à série da BBC. Com esse fim em vista, o texto da série é do princípio ao fim antropopático: os sentimentos humanos são despudoradamente transferidos para os animais. Juntando-se aos humanos sentimentos as imagens em detalhe de todos aqueles pénis esquisitos dos nossos amigos bichinhos, a série acaba feita numa espécie de Playboy animal, ou melhor, um autêntico Playzoo.Aquilo até parece que a BBC foi pegar no seu enorme arquivo de reportagens e documentários sobre animais e retirar todos os bocadinhos onde houvesse o mínimo de actividade sexual. O realizador teve pouco que fazer - foi mais intenso o trabalho dos montadores. Claro que a SIC não podia deixar escapar esta oportunidade dourada de colocar uma série pedagógica - cultural, até - em prime time, e foi o que fez. E ainda há quem diga mal!Os autores do programa decerto que acentuaram as cenas de sexo entre mamíferos, principalmente entre grandes mamíferos. O tamanho aqui também conta. Veja-se o caso dos elefantes, que além dum pénis com comando à distância até têm tromba: foi um final em grande para um dos episódios. Todavia, «ninguém» do mundo animal ficou de fora. Afinal, a formiga e o formigão também são criaturinhas de Deus. E o sexo em palpos de aranha? Agradeçamos a Noé que tivesse a ideia de uma arca tão espaçosa. Mas foi com aqueles peixes todos que a série atingiu realmente o poder da metáfora. Olhai a peixa largando os ovinhos para a imensidão da água do oceano, na expectativa, oh!, na expectativa de que o peixe os venha fecundar um a um. Eis aqui, ensina-nos a BBC, uma espécie de sexo à distância. Pois não é isso que a televisão tenta fazer connosco?Aproveitando a boleia dum artigo que escrevi sobre a Antena 2, a nova Rádio Luna, que emite na região da capital a partir do Montijo, tornou pública a sua existência de vários meses. Transmite apenas música, quase toda clássica. É privada, mas não tem publicidade. Não tem programas. Tal como acontece na Nostalgia, os temas são postos no ar digitalmente, sem interferência humana, não sendo por isso identificados.O seu emissor só permite um som baço e de difícil aceitação por melómanos. Os temas, além de incógnitos, não são tocados na íntegra, limitando-se a escolha a um dos andamentos, o que faz da música clássica e romântica uma espécie de top of the pops. Não é muito diferente daqueles discos tipo Hooked on Classics ou Mozarts' Elvira Madigan ou Rock & Bach. Além disso, a Luna tem uma escolha demasiado cingida à música mais vulgarizada (algum barroco, muita clássica, quase toda romântica). A escolha das interpretações escolhidas não é muito cuidada. Parece que os donos da rádio compraram o seu stock na secção dos discos de música clássica a 600 escudos num hipermercado.É legítima esta opção para uma rádio privada em arranque, tanto mais que qualquer iniciativa na área cultural tem riscos e é quase sempre fonte de dissabores. Mas o projecto faz temer pelo conceito de transformação da melhor música do mundo em música de elevador ou de aeroporto (lounge das partidas internacionais). Neste sentido, na região onde pode ser recebida a Luna não ocupa o mesmo espaço da Antena 2, com uma escolha mais ampla, com programas especializados e com audição de obras na íntegra. Mas às vezes já constitui alternativa, quando, por exemplo, Paula Aresta e Luís Caetano, do Allegro Vivace, se entregam à sua verborrreia mole supostamente humorística e põem a tocar no quiosque mais um episódio das obras completas de Astor Piazzolla.