Uma casa aberta ao mundo da música
A construção duma Casa da Música deverá ser o principal "emblema" do Porto-2001. O projecto foi já várias vezes assumido pelos principais responsáveis pela Capital Europeia da Cultura: Santos Silva, Fernando Gomes e Manuel Carrilho. Nesta altura, e quando faltam apenas 23 meses para o ano 2001, a questão que paira no espírito dos portuenses é a de saber se haverá tempo para construir essa Casa da Música?Pedro Burmester, o nome indigitado para pensar e liderar o projecto, disse ao PÚBLICO que não teria aceite o desafio "se não acreditasse nisso": "É uma questão de querer".A mesma convicção é manifestada por Filipe Pires, director artístico da Orquestra Nacional do Porto (ONP), que, no entanto, não consegue disfarçar alguma apreensão: "Já se perdeu muito tempo...".Burmester diz que a Casa da Música não tem que estar a funcionar logo em Janeiro de 2001, mas tem de abrir em tempo útil, nesse ano. "Se não, perde-se um 'élan' fundamental para o futuro".E o arquitecto Correia Fernandes, membro da comissão com responsabilidade na requalificação urbana, manifesta-se no mesmo sentido: "Estamos no limite do tempo para fazer a Casa da Música".Mas o que é que vai ser essa Casa; a que programa vai obedecer a sua construção? À partida, é consensual que ela deverá acolher e ser a sede da ONP, que, em 2001, e acreditando na promessa já avançada pelo ministro da Cultura, terá uma dimensão sinfónica.Filipe Pires lembra ser esta "a aspiração legítima" da direcção da Orquestra e da cidade. E espera, por isso, que a Casa da Música tenha em conta essa realidade e possua "instalações condignas" para o efeito.Ao apresentar as principais linhas do programa que idealizou para a Casa da Música, Pedro Burmester começa também pela ONP e reafirma que "não faz sentido que em 2001 o Porto não tenha uma orquestra sinfónica". Mas defende que ela deverá ser mais do que a sede da orquestra e contemplar "outras valências". Lembrando a necessidade de cortar com "o espírito sério e conservador" que normalmente surge associado à música clássica, o pianista nota que a casa deve apresentar-se aberta ao mundo contemporâneo. "Tenho uma visão aberta da música", diz Burmester, ressalvando, no entanto, não querer "fazer salada mista". Confrontado com o desejo já expresso de que o Porto possa vir a aproveitar a Capital da Cultura para criar um espaço para grandes concertos pop-rock - o tal "rockódromo", já defendido por Pedro Abrunhosa, por exemplo -, Burmester lembra que há constrangimentos de espaço e de programas que não aconselham essa mistura. Mas admite que a Casa da Música possa ter espaços disponíveis para o trabalho de ensaio e de estúdio das bandas pop da cidade.Regressando ao programa-tipo, Pedro Burmester diz que a casa deverá também acolher uma orquestra de jovens, em estreita ligação com as escolas de música. Seria a oportunidade de "proporcionar o salto" dos jovens estudantes para a actividade profissional futura. Um terceiro "inquilino" deverá ser "um coro profissional", que funcione como "o topo da pirâmide e da qualidade" das dezenas de formações corais existentes na região.Finalmente, Burmester advoga a criação duma estrutura de produção de ópera de câmara. "No Porto não faz sentido criar uma companhia residente; custa milhões e seria muito complicado", diz o pianista, secundando opiniões já expressas no mesmo sentido, nomeadamente a da vereadora Manuela Melo. Em alternativa, avança que a Casa da Música deverá ser equipada com "uma estrutura física pequena", para produções de ópera de câmara. E apostar na ligação funcional com entidades idênticas noutras cidades europeias. Essas produções seriam apresentadas nos diversos palcos portuenses - Coliseu, S. João e Rivoli, para além da própria Casa da Música -, conforme a sua dimensão.A "ideia inspiradora" deste seu projecto de Casa da Música, Burmester foi buscá-la à "Cité de la Musique", de Paris. Sem qualquer ilusão quanto à possibilidade de o Porto reproduzir na cidade esse complexo, vê nele, principalmente, "a filosofia" de uma instituição aberta às várias expressões musicais do nosso tempo.À partida, parece que só uma construção de raiz poderá dar cabal expressão a este ambicioso projecto. Burmester admite que isso seria teoricamente mais vantajoso. "Mas tudo é possível", acrescenta, notando que a recuperação dum edifício já existente poderá ter também virtudes. O que é prioritário é que a Casa da Música seja erigida "num cenário urbano", na Baixa. "Defendo aquele projecto que seja realizável para funcionar em 2001", remata. Esta posição vem de encontro à que parece ser a ideia dominante dos principais responsáveis da comissão Porto-2001. E uma hipótese de localização que continua sobre a mesa é nos edifícios contíguos dos velhos cinemas Batalha e Águia d'Ouro, que tanto Santos Silva como Fernando Gomes chegaram a eleger como a melhor.Esta ideia, contudo, motivou já algumas críticas e reservas, nomeadamente por parte do arquitecto Alexandre Alves Costa, que num debate público defendeu que o Batalha deveria ser recuperado para continuar como cinema. Tanto pelo seu valor arquitectónico como pela história que, com o Águia d'Ouro, guarda das memórias da exibição cinematográfica na cidade. Talvez por isso, o vereador Nuno Cardoso disse já ao PÚBLICO que a Câmara está a tentar mobilizar o interesse das principais exibidoras no nosso país no sentido de instalarem um "multiplex" nos dois velhos cinemas. Far-se-ia, assim, regressar à Baixa o movimento cinéfilo ultimamente deslocado para os grandes centros comerciais das zonas suburbanas. Se este projecto for para a frente, é fácil constatar que não restam muitas alternativas de espaços para a Casa da Música na Baixa. O Parque das Camélias, junto ao Teatro S. João, a zona da Avenida da Ponte, para a qual o arquitecto Siza Vieira foi convidado a reactualizar o seu antigo projecto, o recinto do Clerigos Shopping, junto ao Carmo, ou, na zona da Boavista, a "remise" desactivada dos eléctricos, parecem ser as alternativas em estudo...Sobre o assunto, Correia Fernandes, que defende também a localização na Baixa, disse ao PÚBLICO que "nada está ainda decidido". Essa será uma das primeiras tarefas da equipa de gestão do Porto-2001 ontem empossada. Segundo este arquitecto, a opção pela construção de raiz ou adaptação dum imóvel já existente "depende de muitas variáveis", e não se pode mesmo dizer que a primeira seja mais rápida.Quem discorda abertamente da localização na Baixa é Filipe Pires, que defende a solução do Parque da Cidade, adiantando mesmo que o projecto já desenhado pelo arquitecto Agostinho Ricca seria "uma boa solução", e facilmente adaptável ao programa que for definido para a Casa da Música. Ao projecto de Ricca, Pedro Burmester reconhece-lhe o mérito de propor "um cenário não urbano". Mas, e ao mesmo tempo que classifica o desenho daquele arquitecto como "demasiado sério e formal" - "Eu vejo a Casa da Música com um papel menos contemplativo", diz -, Burmester insiste na localização na Baixa. A Casa da Música ficaria assim a fazer parte de um programa mais amplo de intervenção urbana, que não pode esquecer nem desvalorizar a componente cultural.O que é claro, é que o "dossier" da Casa da Música terá de ser dos primeiros a tratar. E as decisões não poderão ir para além do próximo mês de Fevereiro.