Por que morreram os cinco de Balibó?
Um documentário australiano exibido hoje na RTP 2 acusa o actual ministro da Informação da Indonésia de ter ordenado o assassínio de cinco jornalistas em Balibó. Depois de se saber quem os matou, continua sem se perceber porquê.
Olandino Guterres, um timorense de 39 anos, não tem dúvidas. Quem ordenou o assassinato de cinco jornalistas durante a invasão de Timor-Leste foi Yunus Yosfiah, actual ministro da Informação do Governo indonésio. O dedo acusador de Olandino, exilado em Portugal desde Setembro, é apontado durante um documentário australiano apresentado hoje, às 22h45, na RTP 2, na rubrica Sinais do Tempo. Este especial do programa "Foreign Correspondent", uma emissão regular do canal estatal australiano TV ABC, recua no tempo para reconstituir os acontecimentos da noite de 16 para 17 de Outubro de 1975 na aldeia fronteiriça de Balibó. Para as autoridades indonésias, a morte de cinco repórteres de dois canais de televisão australianos não passou de um mero acidente, um percalço originado num fogo cruzado entre elementos da Fretilin e da UDT. Sem qualquer pudor, Ali Alatas, ministro dos Negócios Estrangeiros da Indonésia, admite, numa entrevista, que o caso deve ser incluído nas baixas de guerra: "Em todo o mundo, morrem jornalistas nos conflitos que cobrem". Embora seja uma verdade indesmentível, a declaração de Ali Alatas não se aplica nem descreve as circunstâncias da morte a sangue frio dos cinco de Balibó. As desculpas indonésias, aceites durante 21 anos pela Austrália, não convenceram os familiares de Greg Shackleton (29 anos), Tony Stewart (21), Gary Cunningham (27), Brian Peters (29) e Malcolm Rennie (28). A posição oficial australiana foi revista, em 1996, devido às fortes pressões políticas. O relatório Sherman, assim conhecido por ter sido elaborado por uma comissão de inquérito presidido por Tom Sherman, antigo director da Autoridade Criminal Nacional, a pedido do Governo trabalhista australiano, concluiu que os cinco jornalistas (dois britânicos, dois australianos e um neo-zelandês) tinham sido assassinados por militares indonésios. O repórter do "Foreign Correspondent", Jonathan Holmes, viajou até Banguecoque em Setembro de 1998 para entrevistar Olandino Guterres, que nessa ocasião saiu pela primeira vez de Timor-Leste. A primeira pergunta do jornalista australiano parece mais óbvia do que é de facto. Porque demorou 23 anos a contar esta história? O timorense não explica, mas percebe-se que foi esse o tempo que levou a solucionar um conflito interno. Consciente do dever de denunciar os assassinos, Olandino Guterres conhecia as implicações pessoais de tal decisão. Da Tailândia, o documentário segue o timorense até Lisboa, numa nova condição, a de exilado político.Testemunha ocular dos acontecimentos de Balibó, Olandino Guterres, na altura com 16 anos, não só confirma o assassinato como descreve a forma brutal usada para eliminar as duas equipas de televisão australianas. Conta como o actual ministro responsável pelos jornalistas - conhecido então entre os militares por Major Andreas - ordenou "Disparem! Disparem!" aos soldados que comandava. A versão de Olandino Guterres é confirmada por outra testemunha apresentada pela jornalista australiana Jill Jolliffe, que surge neste documentário no duplo papel de entrevistadora e entrevistada. Testemunha dos acontecimentos ocorridos durante a invasão indonésia de Timor-Leste (encontrava-se no território), Jolliffe colabora nas conversas com Olandino Guterres e com uma fonte identificada como W1, informador privilegiado do relatório Sherman.O jornalista Adelino Gomes, a última testemunha independente que esteve com os cinco jornalistas, recorda uma conversa com Greg Shackleton na qual os dois repórteres discutem a importância de Balibó na invasão de Timor-Leste. As imagens da RTP, as últimas conhecidas, mostram quatro jovens sentados na principal praça de Balibó a beberem cerveja enquanto esperam pelo combate.Transmitido pela televisão australiana a 20 de Outubro de 1998, este documentário parece ter resolvido uma das principais interrogações do caso. Depois de se saber quem matou, é preciso agora perceber porquê.