Margarida Gil recebe prémio de reconhecimento
A realizadora portuguesa Margarida Gil vai receber hoje à noite em Roma um "prémio de reconhecimento" por ocasião da exibição, na III edição do festival da cidade, do seu último filme, "Anjo da Guarda". "É como os meus outros filmes: uma história de relações entre homens e mulheres. Mas aqui dei-me conta que matei os homens todos", disse a realizadora ao PÚBLICO. O festival, que termina hoje, contou com outros portugueses: Paulo Rocha, João Pedro Rodrigues, Saguenail e Cláudia Tomaz.
A realizadora portuguesa Margarida Gil prepara-se para receber esta noite um prémio no Festival de cinema de Roma pelo filme "O Anjo da Guarda". O comité de selecção, presidido por Edoardo Bruno - director da revista de cinema italiana Film Critica - considerou "O Anjo da Guarda" uma "obra-prima" e decidiu entregar um "prémio de reconhecimento" à realizadora portuguesa, e ainda à actriz italiana Asia Argento (pelo vídeo que realizou, "Abel Love Asia") e ao realizador servo-croata Goran Paskaljevic ("Pure Baruta")."O Anjo da Guarda", que no percurso de Margarida Gil sucede a "Rosa Negra" (nunca distribuído comercialmente em Portugal), deverá estrear nas salas portuguesas no próximo mês de Abril, depois da exibição no Fantasporto, em Fevereiro. "Anjo da Guarda", que conta com as interpretações de Natália Luísa, Maria do Céu Guerra, Pedro Hestnes, Isabel de Castro, Laura Soveral e, numa pequena participação, Catarina Furtado, "não é uma história de mulheres", como explicou ao PÚBLICO a realizadora. "É como os meus outros filmes: uma história de relações entre homens e mulheres". E é também a história de uma mulher que, após o suicídio do pai, procura refugiar-se na casa da avó paterna onde se confronta com as memórias de infância, os lugares, as pessoas, as comidas e o amigo que acabará por tornar-se amante."Neste filme há ainda uma grande desigualdade de peso e de massa entre as personagens masculinas e femininas", continua a realizadora. "Aqui dei-me conta que matei os homens todos". Sob este aspecto o início do filme é profético: um carro branco, despenha-se por uma ravina e a queda consuma também o suicídio do homem - o pai, ausente, mas figura tutelar de toda a história. "Se há uma personagem forte no filme é o pai, à volta da qual tudo gira, e que vai modular o destino de todos". Os espectadores nunca vão conheceu o pai. Conhecem-lhe a voz mas não a figura. "É uma personagem muito forte que tem a ver com muitas coisas, entre as quais a relação não resolvida com Timor". A questão tem sido recorrente na filmografia de Margarida Gil mas em "O Anjo da Guarda" está marcada pelo simbólico e pela denúncia. A religiosidade e o paganismo maravilhoso da personagem Rosa Amélia, interpretada por Isabel de Castro, a fragilidade de Pedro Hestnes ou a culpa de Laura Soveral - "Marta, uma personagem muito marcada que matou o marido, que matou aquele que ama" - constituem os elementos chave no desenrolar do filme.O público romano ficou impressionado com "O Anjo da Guarda" e a reacção de Margarida Gil reflecte esse entusiasmo. Embora "Rosa Negra" não tenha estreado comercialmente em Portugal as expectativas da realizadora perante o seu último filme são "tranquilas"."Em relação a este filme sinto uma grande segurança, como nunca senti. Confio imenso neste filme. É uma tranquilidade estranha. É como se tivesse nascido com o filme", diz.A julgar pela imprensa italiana, o sentimento de Margarida é justificado. O diário La Stampa, por exemplo, fala de homenagem "à la Gil" e refere-a como um dos autores descobertos pelo festival. Mas lamenta, ao mesmo tempo, que o cinema de Margarida Gil e dos outros cineastas portugueses não seja mais divulgado. "Um pecado", segundo o La Stampa. "Porque o cinema português produz poucos títulos por ano mas todos de qualidade, todos aristocráticos, filosóficos e doentes de nostalgia, como a literatura que lá se faz".A realizadora de "Relação Fiel e Verdadeira", título da sua primeira-obra, não foi a única portuguesa na capital italiana. Ao longo da semana deste festival que hoje termina, Roma também viu o vídeo "Esta é a Minha Casa", de João Pedro Rodrigues (o autor de "Parabéns"), "O Rio do Ouro", a última longa-metragem de Paulo Rocha que acaba de se estrear em França com críticas entusiásticas, "Camões, tanta guerra, tanto engano", também de Paulo Rocha, e ao "making of" de "O Rio do Ouro" intitulado "Marginalia I, II, III, IV", de Saguenail. Esta noite será projectado o filme de estreia na realização de Cláudia Tomaz, "Desvio".A par do cinema português o Festival de Roma - que dedica esta terceira edição ao tema do corpo e à cinematografia escandinava - mostrou ainda filmes de origem síria, iraniana, israelita, libanesa ou turca. A organização pretende com a institucionalização do evento recuperar algum do prestígio perdido da cinematografia italiana e afirmar Roma no circuito dos festivais de cinema. "O Festival de Cinema de Roma quer ser um festival de tendências, um território de conhecimento e de pensamento", afirma Edoardo Bruno. Por isso, como diz o La Stampa, o certame - em cujo comité de honra se encontram os nomes de Abbas Kiarostami, Bernardo Bertolucci, Michelangelo Antonioni ou Ettore Scola - parece ter apostado nos autores. Ao longo de toda a semana houve homenagens e projecções das obras dos consagrados Alexander Sokurov, russo, Takeshi Kitano, japonês, Robert Kramer, norte-americano, ou ainda do israelita Amos Gitai, para além de Paulo Rocha. O ciclo de homenagens terminará esta noite com a entrega do prémio a Margarida Gil que está já envolvida num novo projecto intitulado "25 de Abril Sempre".