Inevitável novo conflito no Karabach
Quatro anos após o cessar-fogo declarado entre a Arménia e o Azerbaijão no disputado enclave do Karabagh, as pessoas estão preparadas para a paz. Mas também estão à espera da guerra.
Contra as montanhas verde-escuras caucasianas, o sol da manhã dá a Stephanakert o brilho de uma cidade acabada de lavar. Mulheres com os uniformes do município e "collants" de lã apanham o lixo na praça principal. Por todo o lado há obras nas ruas e os blocos de apartamentos estão a ser restaurados. Na Azatamartikneri, a rua principal da cidade, as lojas exibem fruta fresca e queijos próximo de um velho restaurante e de uma nova discoteca.Mas a prosperidade é aparente. Stephanakert é a capital de Karabagh, uma pequena área no Cáucaso de 4388 quilómetros quadrados, onde habitam cerca de 120 mil arménios. É também um dos locais mais disputados do mundo. Uma antiga "região autónoma" da ex-República Soviética do Azerbaijão, Karabagh proclamou a sua independência quando o Azerbaijão se separou da URSS em Outubro de 1991. O Azerbaijão respondeu com a anulação do estatuto de autonomia.Nos três anos seguintes, uma guerra violentíssima eclodiu entre o enclave de Karabagh - apoiado pela Arménia a ocidente - e o Azerbaijão - apoiado pela Turquia, que bloqueou a Arménia e o Karabagh a leste. Na altura em que foi declarado um cessar-fogo, em Maio de 1994, tinham morrido quase 20 mil pessoas (incluindo quatro mil civis) e 750 mil tinham sido desalojadas. Os arménios do Azerbaijão e os azeris da Arménia fugiram dos territórios uns dos outros após as atrocidades de que ambas as partes foram alvo.Contudo, Karabagh conservou a sua independência. E ainda pior para Baku foi o facto de Karabagh e as forças arménias ocuparem, no final da guerra, mais 12 mil quilómetros quadrados de território no sudoeste do Azerbaijão.Este é um "statu quo" que todos os arménios - quer vivam na Arménia ou em Karabagh - sabem que o Azerbaijão não aceitará por tempo indeterminado. "Karabagh ganhou a batalha entre 1991 e 1994", diz o analista arménio Max Sivaslian. "Mas não ganhou a guerra". A questão agora é se o "statu quo" será alterado através de um reatamento das hostilidades ou através de negociações onde as reivindicações dos dois lados sejam ouvidas.Para os arménios, o caso de Karabagh é um caso de direito de um povo à determinação do seu estatuto político. Parte da Arménia tanto a nível histórico como demográfico durante mais de dois mil anos, Karabagh foi cedido ao Azerbaijão pelo Partido Comunista Russo, em 1921, por um lado para controlar as ambições nacionalistas da Arménia, e por outro para recompensar Baku pelo apoio que deu à revolução bolchevique durante a guerra civil que deu origem à União Soviética. A força por detrás desta decisão foi o bolchevique, então comissário das nacionalidades, José Estaline.Para o Azerbaijão - qualquer que seja a causa da disputa - Karabagh fazia parte do seu território há mais de 70 anos. Se os arménios podem reivindicar o direito à autodeterminação, o Azerbaijão pode reivindicar o direito à integridade territorial das suas fronteiras internacionalmente reconhecidas. Existirá algum potencial acordo que possa conciliar estes dois direitos? Os políticos arménios esperam que haja. Numa reunião do Conselho da Comissão Europeia, em Paris, no dia 16 de Dezembro, uma delegação parlamentar arménia apresentou a fórmula de um "Estado comum" como solução para este impasse.O ministro dos Negócios Estrangeiros da autoproclamada República de Karabagh, Naira Mekoumian, explica a ideia: "Queremos criar no ex-território do Azerbaijão soviético um Estado comum onde as relações Karabagh não seja um subalterno de Baku mas que as relações estejam ao mesmo nível. O mundo não precisa de reconhecer Karabagh como um Estado. Mas o Azerbaijão tem de reconhecer o nosso direito a determinar as nossas leis, a nossa demografia e, sobretudo, a nossa defesa".Quanto aos territórios azeris que Karabagh ocupa actualmente, eles podem ser devolvidos, à excepção dos que ligam o enclave à Arménia - como é o caso do corredor Lachin, de 15 quilómetros. "Lachin é a nossa vida", diz Melkoumian. "Desistir de Lachin é desistir de Karabagh". Os políticos da Arménia ainda estão mais acomodados. À excepção da questão da segurança do povo de Karabagh "tudo é negociável" - garante Anahit Mirzoyan, conselheiro do Presidente da Arménia, Robert Kocharian.Desde o cessar-fogo, o Azerbaijão não tem demonstrado grande interesse em negociações sobre qualquer faixa de território. Já rejeitou a ideia de um "Estado comum" e recusa participar em fóruns como o do Conselho da Europa alegando que Karabagh "não é uma parte no conflito". Com potenciais reservas de energia no Mar Cáspio integradas no seu território, os azerbaijanos preferem esperar até o petróleo começar a jorrar. Quando isso acontecer - receiam os arménios - o preço político exigido por Baku para a devolução de Karabagh ao Azerbaijão com base nas fronteiras de 1991 será o apoio diplomático. É uma troca que poucos arménios estão preparados para aceitar. "Nós não seremos novamente governados por Baku. Essa época acabou - esqueçam", diz um residente de Stephanakert. E é esta percepção de que está iminente - e é inevitável - um novo conflito que explica o pessimismo com que a maioria dos habitantes de Karabagh vêem a miríade de novos edifícios e "reconstruções" que brotam à sua volta.A estrada que sai de Stephanakert foi recentemente alcatroada. Serpenteia entre as gargantas das montanhas de Karabagh, passa ao lado da cidade de Lachin e depois desce para a Arménia. Toda a estrada se encontra tecnicamente no Azerbaijão, embora nenhuma comunidade azeri viva nesta área desde a guerra e tenha sido construída uma nova igreja arménia em Lachin. A estrada custou 20 mil dólares por quilómetro."É muito dinheiro na Arménia", afirma Max Sivaslian. Numa zona de guerra como Karabagh quem é que arriscaria um tal investimento? Depende, diz, "se a estrada servir para manter Karabagh na Arménia ou para tirar os arménios de Karabagh".Serviço especial para o PÚBLICO