Como De Klerk perdeu o controlo do "apartheid"
F. W. de Klerk perdeu o controlo dos poderosos militares do "apartheid" quando tropas sul-africanas lançaram um ataque de armas químicas contra soldados moçambicanos no início da presente década. A confissão é feita pelo último Presidente do regime de segregação racial na autobiografia "The Last Trek - A New Beginning", que foi publicada esta semana.No seu livro, De Klerk descreve como é que a "alegação chocante" do ataque químico, bem como toda uma série de outras operações militares não autorizadas, o obrigaram a reconhecer que já não era ele que comandava. Em consequência, e numa tentativa desesperada de retomar a autoridade, demitiu 23 oficiais superiores, incluindo dois generais e quatro brigadeiros, no dia 19 de Dezembro de 1992. Esta atitude ficou conhecida como a "Noite das Facas Longas". A decisão de sanear os militares, comentou, foi "uma das mais críticas" da sua Presidência.Segundo De Klerk, a África do Sul parecia, em finais de 1992, estar no caminho da paz e da democracia. O Congresso Nacional Africano (ANC) tinha sido autorizado, dois anos antes, a sair da clandestinidade e estavam em curso as negociações constitucionais.Apesar das crescentes alegações de que unidades militares sul-africanas ainda se encontravam empenhadas em operações contra o ANC e países vizinhos, De Klerk aceitou repetidas garantias dos seus principais comandantes e do ministro da Defesa de que não havia verdade em tais rumores."Então, de repente", escreve, aconteceu algo a sugerir que, de facto, muitas das alegações sobre actividades clandestinas eram verdadeiras.No dia 16 de Novembro de 1992, membros de uma comissão presidencial chefiada pelo juiz Richard Gladstone - a chamada Comissão Gladstone - entraram nos escritórios em Pretória da unidade ultra-secreta dos serviços militares de informações confidenciais conhecida por Directorate of Covert Collection.A Comissão Goldstone foi nomeada por De Klerk para estudar as alegações feitas pelo ANC e por outros círculos de que uma "Terceira Força" de militares esteve envolvida numa campanha brutal e ilegal para evitar negociações constitucionais, alimentar a violência nos guetos negros e desacreditar o ANC."Durante o 'raide', a comissão apreendeu ficheiros que apontavam para actividades inaceitáveis na área das investigações que estavam a ser feitas", diz De Klerk no livro.Em consequência do "raide", De Klerk nomeou um dos seus conselheiros militares de confiança, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, general Pierre Steyn, para efectuar uma pormenorizada análise a todas as actividades dos serviços secretos militares.De Klerk escreve ainda que, no dia 18 de Dezembro de 1992, ele e os seus ministros ouviram, perplexos, o general Steyn revelar uma complexa teia de actividades ilegais e criminosas que estavam a ser desenvolvidas por algumas unidades das Forças Armadas.O relatório constituiu um grave embaraço para De Klerk, que insistira publicamente em que tais actividades não continuariam durante a sua Presidência."Steyn alegou que algumas unidades andavam a armazenar ilegalmente armas na África do Sul e no estrangeiro; que forneciam armas e assistência a elementos do Partido Inkatha, de Mangosuthu Buthelezi; que estavam envolvidas na instigação e perpetração de violência; e que estavam envolvidas em actividades para desacreditar o ANC e sabotar o processo negociar".Das acusações fazia parte a "alegação particularmente chocante de que membros das Forças Armadas se tinham envolvido num ataque químico a soldados da Frelimo, em Moçambique".De Klerk declarou que, apesar de as provas indicarem que perdera controlo de parte das Forças Armadas, demissões em larga escala poderiam minar a moral dos militares numa altura em que o processo negocial estava longe de chegar ao fim.Depois de considerar a informação, De Klerk anunciou no dia 19 de Dezembro de 1992 que 16 oficiais superiores tinham sido compulsivamente passados à reforma e outros sete colocados na reserva."No entanto, a verdade das alegações nunca ficou completamente estabelecida. Embora o general Steyn tenha conseguido sublinhar a dureza das Forças Armadas e exposto alguns dos seus segredos, o secretismo voltou a ser activado. Todos os esforços que fiz para estabelecer a verdade foram efectivamente neutralizados".Entre as partes mais controversas do livro de De Klerk estão as descrições dos seus frequentes e furiosos conflitos com o actual Presidente Nelson Mandela, que tal como ele recebeu o Prémio Nobel da Paz.Segundo ele, Mandela acusou-o falsamente de não ter apoiado o programa de reconstrução e desenvolvimento do Governo de Unidade Nacional e de se opor a uma acção afirmativa."A crítica mais bizarra foi a de que durante uma visita à Alemanha, no ano anterior, eu persuadira o Governo alemão a canalizar o seu auxílio de beneficiários oficialmente aprovados na África do Sul para organizações do Partido Nacional", conta o antigo Presidente.Tal "tirada de Mandela" foi a gota que fez transbordar o copo e o Partido Nacional decidiu então retirar-se do Governo, que compartilhava com o ANC e com o Inkatha.Frederick de Klerk afastou-se o ano passado da liderança do Partido Nacional e abandonou a política.