Pollock, criador de um novo mundo
Alcoólico e deprimido, durante anos Pollock só tinha a certeza que queria "ser artista". Mas em 1956, antes de morrer num acidente, já era considerado um dos pintores mais importantes do século. Quarenta anos após o seu desaparecimento, uma restrospectiva no Museu de Arte Moderna, de Nova Iorque, dá a conhecer a evolução do pintor que introduziu uma das inovações mais radicais no desenvolvimento da arte. E o novo mundo que criou.
Quando começou a pintar, em 1930, um crítico olhou para o trabalho de Jackson Pollock, que acabara de chegar a Nova Iorque, e aconselhou-o a mudar de profissão. "Jogador de ténis ou canalizador", sugeriu.Pollock continuou a trabalhar, ele próprio pouco convencido, sem sucesso e num estilo claramente inspirado em Picasso e Miró. Mas, em 1947, já era considerado o melhor pintor americano vivo. Hoje, 40 anos depois da sua morte, é um dos nomes mais importantes da história da pintura.A sua evolução como artista - que a retrospectiva do Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova Iorque tem em exibição até 2 de Fevereiro - foi sem dúvida complexa, imprevisível e perturbada por depressões e alcoolismo.Entre o primeiro quadro que se conhece ("Untitled", um auto-retrato de 1931, hoje no Sintra Museu de Arte Moderna) e o poderoso "Mural" de 1943/44, o trabalho de Pollock passou quase sem deixar marca em Nova Iorque. Desde os 15 anos que "queria ser artista", como escreveu numa carta ao irmão Charles nos anos 20. Mas levou ainda algum tempo a encontrar o seu caminho.Hoje, diz Kirk Varnedoe, comissário da retrospectiva do MoMA, todos os estudantes de arte "aprendem rotineiramente que Pollock foi autor de uma das inovações mais radicais no desenvolvimento da arte do século XX".A mudança aconteceu após 1945, quando Lee Krasner, a sua mulher, também artista, pensou que os problemas de Pollock seriam resolvidos se os dois abandonassem Manhattan, os bares e a noite, e se isolassem no campo.Com um empréstimo de Peggy Guggenheim compraram uma casa de madeira em Springs, East Hampton, Long Island, sem água quente e sem luz e para a qual iam a pé ou de bicicleta (só compraram um carro dois anos depois).A vida espartana e a proximidade do mar agradaram a Pollock, que considerava o Atlântico o equivalente, na Costa Leste, aos grandes espaços do Arizona e Califórnia onde crescera. O estúdio onde trabalhava era tão pequeno que o MoMA decidiu reproduzi-lo numa sala, à saída da exposição.Esta mudança provocou - sem que se saibam exactamente as circunstâncias ou o estado de espírito de Pollock - uma alteração radical no seu trabalho. Quase imediatamente, Pollock deixou de usar pincéis e começou a pintar lançando a tinta directamente da lata para a tela, sem lhe tocar. Esticava a tela no chão e com uma lata ou um balde numa mão e um pau na outra, circulava, quase dançava, à volta da tela atirando tinta de uma forma só inicialmente inconsciente. Pollock sentia-se dentro do quadro (ver caixa).Nos anos seguintes pintou centenas de quadros e a um ritmo intenso (mas só enquanto havia sol e nunca de manhã) até 1954, quando a depressão e o alcoolismo se aprofundaram. É nestes dez anos que pinta a série dos números. No fim, regressa a títulos. O último quadro da retrospectiva, de 1954, chama-se "Search" ("Procura").Dois anos depois, às 10h15 da noite de 11 de Agosto de 1956, ao regressar a casa, em Long Island, alcoolizado, Pollock não fez a curva na Fireplace Road, a metros de casa, esmagou o carro contra uma árvore e foi projectado. Tinha 44 anos e morreu instantaneamente.Nos EUA, a sua morte marcou o fim do Expressionismo Abstracto e, segundo alguns, o nascimento de uma nova era da pintura.Paul Jackson Pollock nasceu em Cody, Wyoming, e a publicidade para a sua primeira exposição em Nova Iorque tinha por título "Jovem do Wyoming", mas era um truque, porque Pollock só viveu aí um ano e durante toda a infância andou num ziguezague.Chegou a Nova Iorque, em Setembro de 1930, com o que pareceu ser uma total ausência de talento. Segundo alguns amigos, quase não trabalhava, já lutava contra o alcoolismo e fazia de "baby sitter" em troca de refeições. Através de contactos com grupos comunistas de L.A., Pollock tinha uma grande admiração pelo movimento mural mexicano (Diego Rivera, José Clemente Orozco e David Alfaro Siqueiros), mas faltava alguma coisa.No Verão de 1940, Pollock escreveu ao irmão Charles: "Não tenho muito a dizer sobre o meu trabalho, a não ser que tenho passado por violentas mudanças nos últimos anos. Só Deus sabe o que vai surgir de tudo isto - para já são coisas muito negativas." Mas Sande, o outro irmão artista que tinha visto o trabalho, estava impressionado.Foi então que a influência da arte indígena e do imaginário pré-colombiano, presente no inconsciente dos anos do Oeste, começou a reafirmar-se. Em 1941, Pollock foi várias vezes à retrospectiva "Arte Índia nos Estados Unidos", no MoMA, e fez questão de assistir à sessão na qual um grupo de índios pintou um desenho no chão com areia que atirava dos punhos fechados.Foi nesse ano que, numa exposição colectiva na galeria de John Graham, que entretanto se tornara seu mentor, conheceu Lee Krasner, com quem se casou mais tarde e que introduziu alguma ordem na sua vida. Através de Krasner, Pollock foi apresentado a Peggy Guggenheim e, mais tarde, convidado a participar numa exposição-concurso na nova galeria Art of this Century, que mudou a sua vida. Dessa exposição, de 1942, conta-se a história de Piet Mondrian, membro do júri, que Guggenheim encontrou a olhar para o quadro de Pollock, o "Stenographic Figure", e disse ao pintor: "O que estás a fazer aí? Não percas tempo." Foi-se embora e mais tarde voltou. Mondrian continuava a olhar para o mesmo Pollock. "Ainda estás aqui?" "Estás enganada", respondeu Mondrian. "Isto é a melhor coisa que vi desde que estou na América."Com a II Guerra chegaram a Nova Iorque os artistas "emigrantes", Breton, Duchamp e Masson entre outros, o surrealismo e as ideias do inconsciente e do automatismo na arte. Por essa altura, Peggy Guggenheim encomendou-lhe um mural para a entrada do seu novo apartamento na Rua 61. Pollock ficou entusiasmado, comprou a tela e, por não ter um espaço suficientemente grande para a estender, derrubou uma parede da casa e durante semanas ele e Krasner levaram o entulho para o lixo em pequenos sacos de modo a que o senhorio não descobrisse.Durante meses, porém, não lhe tocou. Mas uns dias antes do fim do ano e sob enorme pressão para acabar o mural antes da inauguração da casa, Pollock, que não tinha feito sequer um desenho, pintou "Mural" (1943/44) em 15 horas. Hoje é considerado uma das obras-primas da pintura americana.