Pasolini em cantata
Foi a partir de um encontro com Pasolini que tudo começou. Giovanna Marini, compositora e etnomusicóloga, devotou toda a sua vida à música tradicional, depois do realizador e poeta lhe ter chamado a atenção para este mundo. É isso que canta "Partenze [Partidas], 20 anos depois da morte de Pier Paolo Pasolini". Pretende mostrar que existe ainda uma cultura que resistiu à sociedade de consumo.
Giovanna Marini tinha 21 anos quando conheceu o poeta e realizador Pier Paolo Pasolini numa festa que reunia a "inteligentzia" romana. Oriunda de uma família de músicos, Giovanna tinha-se diplomado em guitarra clássica e tocava Bach quando um jovem sorridente se aproximou e lhe pediu: "Deixe Bach e cante-nos uma canção." Este encontro, que teve lugar em 1958, marcaria para sempre a sua vida. Pasolini chamou-lhe a atenção para as riquezas da música tradicional e pô-la em contacto com os membros do Nuovo Canzionero Italiano, que recolhiam por toda a Itália testemunhos sonoros da cultura popular. Rebelde por natureza (aos doze anos fugiu do colégio de freiras que frequentava), Giovanna abandonou a sua carreira na área da música clássica para se devotar à música genuína dos camponeses italianos. Esta serviu-lhe de inspiração para as suas próprias composições, que procuram recriar a tradição oral, "converter-se em música viva".É esta curiosa mistura entre música étnica e contemporânea que podemos encontrar em "Partenze", a cantata de homenagem a Pasolini que será apresentada hoje, às 21h30, no Pequeno Auditório do CCB, na interpretação do Quarteto Vocal dirigido pela compositora. PÚBLICO - Quais as motivações que a levaram a conceber este projecto?GIOVANNA MARINI - Depois de Pasolini ter sido assassinado, em 1975, quando acontecia qualquer coisa, perguntava sempre a mim própria: que teria ele pensado acerca disto? Participámos juntos em muitas manifestações e sempre fui uma leitora assídua dos seus artigos no "Corriere della Sera". Pasolini era muito avesso ao conformismo. Nunca mais me esqueci do que disse três meses antes de morrer: 'A homogeneização cultural que o fascismo não conseguiu em 20 anos, conseguiu-a a civilização do bem-estar em cinco.' O que Pasolini dizia tornou-se absolutamente verdade. Depois da sua morte a civilização do bem-estar que o tinha revoltado tanto instalou-se definitivamente. A cultura ocidental sofreu uma grande degradação. Foi essa constatação que me levou a escrever esta cantata.