Themudo Barata, 80 anos, o culto do patriotismo
Guardou o segredo anos a fio e é com discrição que ainda hoje aborda o assunto. Lisboa esteve protegida por um sistema de defesa antiaérea em tudo idêntico ao que protegia Londres das bombas alemãs. Jovem alferes de Artilharia, foi seleccionado pelo seu antigo professor, Pereira Coutinho, para montar o dispositivo. Estávamos em 1942 e Salazar ia ceder as bases das Açores aos aliados. Temia um raide aéreo sobre a capital. Na primeira semana de Outubro de 1943, no mais absoluto segredo, o sistema foi testado. Funcionava.Manuel Themudo Barata, 80 anos, general de Artilharia, vê a guerra à maneira do naturalista a examinar um formigueiro - com o distanciamento do profissional: "Há quem diga que a guerra é o estado normal da humanidade." Ao dizê-lo admite implicitamente a tese. Mas a inevitabilidade da guerra não significa que ela seja um fim, como por exemplo a felicidade ou a realização pessoal. É um dado, tal como o nariz que nos permite respirar e os pulmões oxigenar o sangue. PÚBLICO - Acabou a Escola do Exército ainda durante a II Guerra Mundial. Onde foi colocado?MANUEL THEMUDO BARATA - Saí alferes de Artilharia em 1942 e fui escolhido para a defesa antiaérea de Lisboa. Com a cedência das bases dos Açores aos aliados, Salazar temia um bombardeamento maciço sobre Lisboa e reclamou uma defesa antiaérea pelo menos tão eficaz como a londrina. Tudo se fez dentro do maior secretismo e eu, que estava colocado em Monsanto, só soube que pertencia ao grupo quando o meu antigo professor da Escola Militar, Pereira Coutinho, me chamou e disse que a partir daquele momento eu estava prioritariamente adstrito àquela missão. Foi muito impositivo. A tal ponto que um dia mandou chamar-me quando estava de oficial de dia e, para espanto do sargento da guarda, abandonei o meu posto e lá fui de braçadeira de oficial de dia para as manobras da antiaérea. Na comunidade internacional não há o culto da harmonia. É por isso que defendo o culto do patriotismo, que é o amor do que é seu. Costumo dizer que o são patriotismo é por inerência uma atitude pacífica, porque eu não quero para mim o bem que não quero para o outro.Divido a política de Salazar em dois períodos. Ele fez uma política inteligente, de 1928 até ao rescaldo da II Guerra, em que soube jogar com força e sabia deixar as pessoas satisfeitas, porque tinham um bom representante, um advogado hábil que as defendia. Foram todos ao futebol e dali seguiram para apresentar ao Presidente da República o ultimato. Este disse-lhes que ia pensar no assunto e no dia seguinte estavam todos demitidos. No jogo ganhámos por 5-0 ou coisa assim, e houve alguma ironia sobre isso. Disse-se que foi a euforia da vitória que lhes subiu à cabeça. Nessa altura eu era major no regimento de Queluz e soube disto tudo através do meu comandante. Quer dizer que toda a gente soube e, como as reuniões eram em grupos, cada um ficou a conhecer qual era a posição dos outros e também a divulgou. Decidiram, depois, fazer uma grande manifestação de apoio ao Presidente da República [Américo Tomaz] que por acaso decorreu na minha unidade, em Queluz. Juntou-se toda a guarnição de Lisboa. Creio que foi a 19 de Março, por ocasião do juramento de bandeira. Estavam lá o ministro da Defesa, o do Exército, o comandante militar, que foi quem discursou, e assim fizeram o preito de vassalagem da tropa ao Presidente da República. Na Constituição de 1933 ainda vem "Angola e Cabinda", com esta sempre identificada. Não foi um acidente de redacção em 1958, porque nos preâmbulos dessa revisão verifica-se que houve uma longa discussão para saber se a citação devia ficar em separado: Angola, Cabinda, São Tomé e Príncipe e por aí fora. O problema surgiu depois, quando a ONU nos solicitou o relatório sobre os territórios ultramarinos. Quando o enviámos, não íamos nessa altura separar o que não separáramos antes. Era hipócrita dizer: "Enganámo-nos." Veja-se o caso de Goa. A guerra subversiva em Goa foi feita por Nehru, para convencer a população de Goa a fundir-se na União Indiana. Mas o que lhe interessava a ele não interessava aos goeses. Goa não estava, nem hoje ainda está, interessada em pertencer à União Indiana. Como a população não aderiu, pois viu naquilo um problema entre Nehru e Portugal que não interessava a quem tinha uma civilização própria - como creio que ninguém contesta que era o caso de Goa -, desapareceu a guerra subversiva e é isso que explica o ataque violento a Goa, ordenado por Nehru.