De estilo em estilo, uma curiosidade insaciável
Lino António é um exemplo praticamente perfeito de um pintor que conheceu o seu tempo. Integrado na segunda geração do modernismo português, a sua actividade, contudo, revelou sempre uma curiosidade insaciável pelas possibilidades oferecidas por este movimento. Decorre agora em Leiria uma retrospectiva da sua obra.
Em Leiria, nas antigas instalações do Banco de Portugal, decorre até 4 de Março uma retrospectiva da obra do pintor Lino António, nascido nesta cidade em 1898 e falecido em 1974. A iniciativa, que é organizada pelo município leiriense, tem como comissária Sandra Leandro, e demonstra desde logo que é possível organizar e apresentar uma exposição de qualidade numa cidade periférica.Lino António surge genericamente enquadrado pela historiografia da arte na segunda geração modernista - a geração que se seguiu à introdução deste movimento em Portugal. Contudo, e nesta exposição este facto é bem evidente, o pintor não se concentrou no desenvolvimento de um estilo pessoal e único. Pelo contrário: preferiu, de um modo ecléctico, interessar-se e experimentar todas as possibilidades que o modernismo lhe oferecia, numa atitude de constante curiosidade que não é característica exclusiva da sua obra. O público, salvaguardadas as devidas distâncias, pensará em Almada e na multiplicidade de interesses que este sempre manteve.Mas quem foi Lino António? Sabemos que frequentou o curso de Desenho Ornamental das Escolas Industriais, que teve uma passagem rápida e efémera pela Escola de Belas Artes de Lisboa, seguindo depois para a sua congénere portuense, onde foi aluno de Marques de Oliveira. Mais tarde, exerceu os cargos de professor e depois director da Escola de Artes Decorativas António Arroio (onde, aliás, existe hoje uma galeria com o seu nome), facto que não se pode dissociar do vasto conjunto de encomendas públicas que realizou. Conta-se que, ao ouvir dizer que o estado pretendia agraciá-lo com uma comenda, teria respondido: "Comenda? O que eu queria era uma encomenda!"A exposição, que foi concretizada em apenas três meses, inclui cinco núcleos, além de um conjunto de fotografias recentes dos locais da cidade que fizeram parte do quotidiano de Lino António. Logo no primeiro, intitulado "Rostos na Cidade", mostra-se um dos quadros mais interessantes do pintor: "Nós", de 1923, onde o artista se representa conjuntamente com três amigos, todos eles naturais ou habitantes de Leiria: o futuro arquitecto António Varela, o seu professor Narciso Costa, e o artista Luís Fernandes, representados sobre um fundo paisagístico onde se identifica Leiria; falta Cortez Pinto, que fazia parte da mesma tertúlia, e que está presente noutro quadro. A pintura, que integrou a primeira exposição individual do pintor, é a calma constatação de uma pertença a um grupo, bem diferente da atitude provocatória e exaltada de um manifesto de Almada, por exemplo. O segundo núcleo da exposição, de nome "O litoral, a paisagem e os costumes" incide sobre os três temas de predilecção da obra do pintor. Leiria, a Nazaré, os mercados e os tipos regionais desenvolvem-se aqui com um fascínio certo, e por vezes um entendimento da cor e da forma que lembra Eduardo Viana. "Eclectismo e revisitação do modernismo", logo a seguir, inclui um núcleo de trabalhos realizados durante os anos de docência, e em que obviamente o pintor se dedicou prioritariamente às encomendas públicas. É aqui que se revela o carácter experimental da sua pintura, como se esta ocupasse um lugar à parte na sua vida, lugar de novas linguagens que nunca desenvolvia na arte pública. "Encomendas públicas" mostra alguns dos desenhos preparatórios para este tipo de obras, onde se destacam os painéis de cerâmica (feitos com a colaboração de Querubim Lapa e Cargaleiro) para a via-sacra do santuário de Fátima, o painel para a igreja de Fátima ou os outros para a catedral de Singapura. Por motivos vários, não foi possível à organização estudar outras obras de interesse, como as realizadas para a Exposição Colonial de 1931, os painéis do navio Príncipe Perfeito, os vitrais dos Jerónimos ou um vasto conjunto de tapeçarias realizadas para instituições diversas.Finalmente, a exposição encerra com um núcleo dedicado a pequenos trabalhos sobre papel. E nota-se aqui uma liberdade maior na expressão, como se o artista deixasse de se sentir coibido pelo peso histórico da pintura ou da encomenda pública. Quer se trate de pequenas obras abstractas, indiscutivelmente simbólicas, quer das ilustrações feitas para diversas obras, quer de desenhos que fazia nos seus álbuns, ao sabor da vontade ou da inspiração, Lino António mostra-se, sociologicamente, como um artista do seu tempo. Ou como um artista que conheceu bem o seu tempo.A exposição está aberta ao público de 2ª a 6ª, das 9h00 às 12h30 e das 14h00 às 17h30; e, aos sábados, das 14h00 às 18h00.