À espera do novo maestro
O perfil do próximo maestro titular da Orquestra Sinfónica Portuguesa já está definido. É jovem, europeu e experiente e não deverá receber mais do que o maestro anterior - 700 contos brutos por mês. Álvaro Cassuto, que não viu o seu contrato ser renovado, interpôs ontem uma providência cautelar contra aquilo que considera ser um despedimento ilegal.
O substituto de Álvaro Cassuto no cargo de maestro titular da Orquestra Sinfónica Portuguesa (OSP) deverá ser um estrangeiro, "jovem mas experiente", segundo o director do Teatro São Carlos, Paulo Ferreira de Castro. Cassuto não aceita contudo a decisão do São Carlos, e ontem o seu advogado interpôs em tribunal uma providência cautelar para suspender os efeitos do seu afastamento.Paulo Ferreira de Castro revelou ao PÚBLICO que o São Carlos está em negociações com vários candidatos para ocupar o lugar deixado vago por Cassuto, sendo "provável" que a escolha recaia sobre um estrangeiro, "porque a oferta de maestros portugueses é restrita". O perfil para dirigir os mais de 100 músicos do único agrupamento sinfónico em Portugal é definido pelo director do Teatro São Carlos: "um maestro jovem mas experiente, dinâmico, com espírito inovador, provavelmente europeu", mas também que não aufira mais do que os cerca de 700 contos brutos que Álvaro Cassuto recebia. Ferreira de Castro preferiu não avançar para já com nomes, mas assegurou que a decisão será tomada em breve. O cargo de Álvaro Cassuto ficou vago no último dia de 1998, quando a direcção do São Carlos lhe enviou uma carta em que comunicava não ir renovar o contrato, reforçando uma outra missiva que já fora entregue no final de 1997. Alfredo Barroso, membro executivo do conselho de administração da já extinta Fundação do Teatro de São Carlos, disse ao PÚBLICO que "todo o processo tem mais de um ano". Tudo começou em Dezembro de 1997, durante uma reunião daquele conselho, de que faziam parte também Machado Macedo e Paulo Ferreira de Castro. Este último, que desempenhava também as funções de director artístico com tutela directa sobre a OSP, "propôs verbalmente" que o contrato que ligava o maestro à orquestra até 31 de Dezembro de 1998 não fosse renovado. "Nessa altura já sabíamos que a fundação ia ser extinta [o que aconteceu a 15 de Maio de 1998] e substituída pelo agora designado instituto do Teatro Nacional São Carlos. Por isso, pareceu-nos óbvio e razoável deixar aos futuros administradores a escolha. Se não tomássemos nessa altura a decisão de não renovar o contrato com Álvaro Cassuto, a futura administração ficaria vinculada a mantê-lo quer o quisesse ou não". Segundo Alfredo Barroso a decisão de não renovar o contrato com o maestro foi "uma questão bastante reflectida". E, na sequência dessa decisão "unânime", diz Alfredo Barroso que Álvaro Cassuto foi logo informado, tendo-lhe sido enviada "uma carta ainda antes do Natal de 1997". Aliás, refere este ex-administrador do Teatro São Carlos, "cumprindo escrupulosamente o contrato do maestro, que estipulava que o aviso de não renovação fosse feito com um ano de antecedência". No entanto, o maestro nega que o seu contrato tivesse um termo fixo, dizendo-se vítima de um "despedimento ilegal", recusando que a sua relação contratual com o Teatro São Carlos seja de prestação de serviços. Segundo Cassuto, "o contrato define-se pela natureza das relações de trabalho, e eu aufiro o mesmo rendimento todos os meses, recebo o 13º e o 14º mês, o subsídio de traje, despesas de representação, o que não existe num contrato de prestação de serviços". O maestro iniciou um processo judicial contra o Teatro São Carlos ainda em 1998, e o seu advogado entregou ontem em tribunal um pedido de providência cautelar com efeitos suspensivos relativamente à sua saída.Paulo Ferreira de Castro diz não ter ainda recebido qualquer notificação nesse sentido. O director do São Carlos afirma ainda que a duração do contrato de Cassuto, de três anos, está estipulada no documento, e que o vínculo do maestro era "essencialmente o de prestação de serviços". De acordo com Ferreira de Castro, "a direcção do São Carlos comunicou com antecedência que não tencionava [renovar o contrato], por entender que ele não é a pessoa certa para continuar à frente da OSP".O musicólogo Rui Vieira Nery, secretário de Estado da Cultura na altura em que se iniciou a controvérsia, considera a polémica "estéril", confirmando que o maestro "tinha um contrato por três anos, renovável, que podia ser terminado com pré-aviso de um ano". Ainda segundo Nery, "o maestro não faz parte da orquestra", e o cargo de maestro titular é "por definição temporário", sendo normal a sua substituição. Independentemente da legalidade do processo, é certo que o sentimento que prevalecia em 1997 na fundação era o de mudança. Sidónio Pais, à altura membro não-executivo da administração do Teatro São Carlos, recorda que aquela decisão foi motivada pelo "interesse de melhorar a qualidade da orquestra e de lhe proporcionar um maestro de maior craveira". "Sem negar méritos a Álvaro Cassuto", Sidónio Pais afirma também que compreende "a vontade de querer melhorar a execução artística da orquestra". Esse mesmo entendimento é partilhado por Alfredo Barroso: "as orquestras também precisam de abanões para darem um salto qualitativo. Não há designações vitalícias de maestros em orquestras nenhumas no mundo. E é preciso não esquecer que a OSP é uma orquestra vocacionada para a ópera e o maestro Álvaro Cassuto não é um maestro que prepare ou dirija ópera".Alfredo Barroso lembrou "que todo o processo nasceu coxo". "Álvaro Cassuto nem sequer foi a primeira escolha para a orquestra. O seu nome só surgiu depois de se ter chegado à conclusão que o maestro da Orquestra de Jerusalém, o inglês Martin André, era muito caro". A este respeito, Alfredo Barroso recorda que foi Martin André um dos grandes responsáveis pela constituição da OSP: "foi ele quem começou a fazer as contratações dos músicos e quando Álvaro Cassuto chegou a orquestra já estava praticamente formada". Com Martin André chegou mesmo a haver um compromisso tácito e, nesses tempos de criação da OSP em 1993, tudo indicava que seria este inglês a assumir as funções de maestro. Um homem dinâmico, jovem, experiente e europeu, ou seja, espelhando perfeitamente o perfil que o Teatro São Carlos procurava antes e que pretende também agora para substituir Álvaro Cassuto.Álvaro Cassuto diz que a actividade da OSP é "muito baixa", responsabilizando a direcção do São Carlos pela escassez de concertos sinfónicos. Cassuto afirma que a orquestra tem possibilidades de fazer 100 concertos por ano, realizando apenas "cerca de um terço". Ferreira de Castro rejeita as acusações, dizendo que o maior problema da OSP é "não haver um local permanente para actuar, estando condicionada às disponibilidades das salas que existem". Rui Vieira Nery diz que a OSP "pode e deve dar mais concertos", estando limitada pelo orçamento "insuficiente" recebido pelo São Carlos. Depois do bailado "A Bela Adormecida" e da ópera "D. Giovanni", a OSP deverá actuar no próximo dia 12, no Centro Cultural de Belém (CCB), dirigida pelo maestro convidado Wolfgang Reneert. No dia 19, a orquestra deveria actuar também no CCB, com Álvaro Cassuto a dirigir, para fazer o terceiro concerto da integral de Joly Braga Santos. A esse concerto deviam suceder-se sessões de gravação de um CD, que segundo Cassuto, estão em perigo: o maestro afirma que a editora Marco Polo, responsável pelos dois CD anteriores, só está interessada no projecto se for Cassuto a dirigir a OSP. Paulo Ferreira de Castro afirma não ter qualquer informação a este respeito, reiterando a intenção do São Carlos de deixar Cassuto cumprir compromissos já estabelecidos pela OSP, na condição de maestro convidado.