“Quanto tempo vai demorar esta febre do lítio? 20 anos? E depois?”
Perante a possibilidade de ali se abrir uma mina a céu aberto, a população queixa-se de um processo pouco transparente e de falta de informação. Por estes dias, a aldeia do Barco está na encruzilhada entre um passado mineiro, um presente marcado pelo envelhecimento e um futuro incerto.
Os postes de iluminação da ponte sobre o rio Zêzere que dá acesso à aldeia do Barco, concelho da Covilhã, estão decorados com fitas negras. Foram ali colocadas como manifesto de pesar, em Outubro de 2021, perante a iminência de se abrir uma mina a céu aberto, a escassos 800 metros da aldeia, explica Gabriela Margarido, do Grupo pela Preservação da Serra da Argemela (GPSA).
Lá em baixo, nestes dias de seca, o rio corre esguio. A água é uma das preocupações de quem se opõe à instalação de uma exploração mineira de lítio nas redondezas, tanto que o Zêzere, além de servir populações e agricultura em torno, vai dar à barragem de Castelo de Bode, que abastece a Lisboa. “Nem é o buraco que mais receamos, não é o pó na roupa, não é o impacto visual. É a água. Estamos a assistir a períodos cada vez mais graves de seca. Nós precisamos de água e Lisboa precisa de água”, adverte Maria do Carmo Mendes, uma professora de história da arte na Universidade da Beira Interior que esteve na génese do GPSA, mas que entretanto se afastou.
Ao rol de preocupações com a saúde pública e desvalorização das propriedades, o presidente da União de Freguesias de Barco e Coutada, Vítor Fernandes, acrescenta o lamento de quem sente que o processo passou à margem da população. Como exemplos, dá uma consulta pública lançada durante o primeiro confinamento, em Abril de 2020, e a assinatura do contrato de exploração, que data de 28 de Outubro de 2021, no dia a seguir ao chumbo do Orçamento do Estado.
“Põem-nos perante factos consumados depois de tudo ser feito um espectro de secretismo”, diz a advogada e moradora da aldeia mais próxima da mina, Gabriela Margarido. O presidente da Câmara Municipal da Covilhã, Vítor Pereira, também considera que há “um problema de comunicação por parte do Ministério do Ambiente, um défice de informação que leva a um alarme da opinião pública”.
Já neste mês, o ministro do Ambiente e Alterações Climáticas, João Pedro Matos Fernandes, veio anunciar que o Governo vai promover sessões de esclarecimento junto das comunidades próximas de potenciais explorações de lítio. No caso da Argemela, não houve qualquer sessão junto da população. O ministério não respondeu em tempo útil às questões enviadas pelo PÚBLICO.
Passado próximo
A identidade do Barco, uma aldeia com cerca de 370 habitantes e futuro incerto, é marcada por um passado mineiro. A maior actividade na Argemela, onde era explorado essencialmente estanho, registou-se entre os anos 1940 e 1970. É difícil encontrar na aldeia quem não tenha familiares que trabalharam na mina.
A Quinta das Minas da Recheira, um empreendimento turístico aberto no Verão de 2020, procura explorar esse passado, ao promover visitas a antigas galerias subterrâneas, não muito longe do Barco, mesmo ao lado de onde deverá abrir a mina de lítio.
Mas promover a “experiência do mineiro” é diferente de ter uma mina à porta e a administração da Quinta das Minas da Recheira “está muito apreensiva”, especialmente por a mina ser a céu aberto, explica o director do complexo, Luís António. É que a empresa também dinamiza caminhadas pela natureza e está a avançar para a segunda fase de investimento, que passa pela transformação das antigas infra-estruturas adjacentes à mina em alojamento. “Pensamos que vai ter um impacto negativo”, avalia o responsável.
Apesar da forte contestação da população e poder local – seja do da Covilhã ou do vizinho Fundão, onde está parte da área concessionada -, o contrato para a exploração da Argemela foi assinado a 28 de Outubro entre a Direcção-geral da Energia e Geologia e a PANNN, Consultores de Geociências Lda., uma empresa controlada pela Almina (que detém as minas de Aljustrel) e que desde 2011 tem ali feito prospecção.
Ainda assim, a mineração não avança sem que seja produzida a avaliação de impacte ambiental, o que ainda está por acontecer. Até lá, moradores e poder local prometem opor-se. Outra das questões levantadas pelo GPSA é a viabilidade económica da exploração de lítio na Argemela. Essa pergunta ainda está por responder. No contrato de concessão está estipulado que a empresa tem dois anos para apresentar o estudo de viabilidade técnico-financeira. Ainda assim, na Proposta de Definição de Âmbito que entregou em 2017, a PANNN refere que, pelo que se sabe até ao momento, o jazigo mineral “garante, desde já, a viabilidade económica da mina”.
O contrato assinado com o Estado prevê a concessão da Argemela por 20 anos, sendo renovável por dois períodos de 15 anos. Olhando para o volume das reservas de minério da Argemela, para os quatro anos que deve demorar a instalação da infra-estrutura e para o seu encerramento, o promotor estima que o “tempo total de vida da mina” varie entre 17 e 26 anos.
O que fica?
Há também quem olhe para a mina como uma oportunidade, tanto que a empresa concessionária carrega consigo a promessa que empregar ali 70 a 100 trabalhadores. “Há falta de informação e deviam vir à aldeia explicar o que vai acontecer”, introduz Fernando Brito, dono do restaurante O Olival, aberto no Barco há coisa de 30 anos. “Mas a aldeia está envelhecida. A nível comercial pode ajudar”, concede.
Não há argumentos de natureza económica que convençam Maria do Carmo Mendes: “Já disseram que vai trazer riqueza. Mas vão ali, à mina da Panasqueira [no Fundão, a meia hora de carro], ver se de facto trouxe. No pico da exploração de volfrâmio trouxe riqueza, foram construídos courts de ténis, um posto da GNR. Hoje estão lá, abandonados. Quanto tempo vai demorar esta febre do lítio? 20 anos? E depois?”.
Além de dizer que as receitas para o município não serão muito relevantes, o autarca Vítor Pereira lembra que Barco está no sopé da Serra da Estrela, “uma zona onde a actividade turística assume uma importância grande. A mina teria implicações no turismo? Não há dúvidas”.
No caso de a declaração de impacte ambiental dar luz verde à exploração, o GPSA, com o apoio da junta, está a preparar o próximo passo da contestação, já pela via judicial. A autarquia aguarda também um parecer para se juntar à causa. “Não iremos ficar parados. Não quer dizer que partamos para a violência, mas vamos manter e agravar a contestação”, promete o presidente da junta.