Arnaldo Matos em entrevista a Fernando Dacosta: “A revolução vai retomar o fôlego”
Este texto foi publicado na revista PÚBLICO Magazine, publicada com o jornal aos domingos, no dia 26 de Dezembro de 1993, e resulta de uma conversa entre Fernando Dacosta, na altura repórter do jornal, e Arnaldo Matos.
O regresso de Arnaldo Matos, de um dos líderes mais polémicos da extrema-esquerda portuguesa durante o período revolucionário, é um acontecimento de referência na nossa vida política e cultural. Ex-dirigente do MRPP, partido que se destacou na última fase da oposição à ditadura e, depois do 25 de Abril, na luta contra a tentativa de hegemonia do PCP, Arnaldo Matos, advogado madeirense de 50 anos, reapareceu esta semana num colóquio e num debate televisivo sobre o maoísmo.
Arnaldo Matos: Estive 12 anos sem aparecer, sem participar numa sessão pública política. Não valia a pena perder tempo por aí. Interessava-me era compreender por que é que o marxismo-leninismo, por que é que o maoísmo falharam. E onde, no seu seio, falharam. Porque não bastava dizer que o adversário era mais forte.
Fernando Dacosta: Encontrou respostas?
Arnaldo Matos: Encontrei respostas que precisam de ser testadas. Por isso estou interessado em discuti-las. As pessoas de esquerda não podem, daqui para a frente, calar-se. Os colóquios sobre o maoísmo, promovido pela Biblioteca-Museu República e Resistência da Câmara Municipal de Lisboa a propósito dos 100 anos de nascimento de Mao Tsé Tung, vão nesse sentido. Mário Mascarenhas, o seu organizador, percebeu que havia condições para uma reflexão sobre o tema. As condições actuais são propícias, daí que os marxistas-leninistas e os maoístas que não se enforcaram, que não mudaram de casaca, não devem recusar o debate. Aliás, fiquei muito surpreendido com a quantidade de gente que lá foi. A sociedade civil está a afirmar-se. Esse é talvez o fenómeno mais importante que se verifica hoje entre nós. A quantidade de associações culturais, de associações de interajuda, de associações de solidariedade social por todo o país é notável. Há qualquer coisa de fundo que começa a mexer. Todos os partidos que passaram pelo poder falharam. Houve uma euforia cavaquista, como houve uma euforia soarista, mas ninguém resolveu os problemas do povo português. Entrou-se num impasse que só agora está a sofrer as primeiras perturbações, caso da TAP, da agricultura, caso do movimento estudantil, que é cíclico, assistimos a ele nos começos da década de 60 e voltamos a assistir hoje.
Fernando Dacosta: Há dois anos era impensável…
Arnaldo Matos: Há dois anos os estudantes andavam de bandeirinha na mão a dar vivas ao Cavaco. O que é curioso é que o seu movimento é feito sem os partidos e contra os partidos. Eles estão a exprimir a ideia de que os partidos existentes são incapazes de estruturar as suas aspirações. Não vai demorar muito tempo que outras camadas pensem o mesmo.
Fernando Dacosta: E reajam da mesma maneira?
Arnaldo Matos: Sem dúvida! É sempre assim.
Fernando Dacosta: As sociedades estão a dividir-se em duas classes novas, a dos empregados e a dos desempregados…
Arnaldo Matos: Pois estão, Com a particularidade de os desempregados serem completamente marginalizados, até em termos organizativos. Os sindicatos não os representam, só representam os que estão empregados e pagam quotas. Os sindicatos portugueses abandonaram meio milhão de indivíduos à sua sorte. Com os camponeses acontece a mesma coisa. Estão desagregados, sem alternativas às propostas políticas que Cavaco Silva, a mando da CEE, lhes impõe. As crises do sistema capitalista saldam-se sempre pela destruição das forças produtivas. O capitalismo autodestrói-se para se reconstruir de acordo com as suas leis internas.
Fernando Dacosta: Através das guerras…
Arnaldo Matos: E das repressões sociais. O movimento de despedimentos que está em mancha no nosso país é uma forma de guerra, é uma guerra larvar. Não dispara tiros, mas aniquila pessoas. O sistema aproveita-se dos desempregados para os lançar contra os empregados, os desempregados são um exército que ele tem de reserva para controlar os empregados. A luta tem de ser conduzida não na perspectiva de conservar os postos de trabalho dos que ainda os têm, mas no sentido de transformar a sociedade para acabar com o desemprego. É toda uma nova filosofia que se necessita. Começa a haver condições objectivas para essa mudança… vejam-se as religiões que por aí estão a implantar-se. São um sinal. Elas aparecem para cumprir o papel que os partidos não conseguiram cumprir. As razões que levam a que seitas minoritárias religiosas tenham, de um momento para o outro, apoio popular são as mesmas que levam a que organizações políticas minoritárias possam obter em pouco tempo grande sucesso desde que as suas ideias sejam justas. Só pela esquerda se pode combater a direita.
Fernando Dacosta: Não é, portanto, um desiludido da esquerda…
Arnaldo Matos: De maneira nenhuma. Um materialista é um optimista histórico, não é um pessimista histórico. Mais cedo ou mais tarde a história retomará o seu caminho e realizará as suas funções. A classe operária, como conjunto de trabalhadores explorados, tem de ser redefinida. Não é mais a classe que era até ao 25 de Abril.
Fernando Dacosta: O maoísmo dá respostas para isso?
Arnaldo Matos: Respostas não dá. O maoísmo não é uma teoria nova, mas um aspecto particular do desenvolvimento de uma teoria antiga. Não é estática, incorporou em si novos desenvolvimentos, desenvolvimentos em vários campos. Só por si, no entanto, não chega. É preciso adaptá-la às novas realidades. As revoluções fazem-se fazendo apelo a ideias antigas, e triunfam criando ideias novas. A prática cria as ideias. O maoísmo dá-nos contribuições importantes para o futuro, mas não resolve os problemas do futuro. Eles têm de ser resolvidos por nós
Fernando Dacosta: Há entre nós pessoas com reflexão, com criatividade para o fazer?
Arnaldo Matos: Se não há, surgirão. As necessidades objectivas criá-las-ão na devida altura. Aparecerá gente nova, os mais antigos evoluirão…
Fernando Dacosta: Você está entre eles?
Arnaldo Matos: Eu nunca abandonei as minhas ideias, embora a vida me obrigue, exerço a advocacia, a acorrer às necessidades que surgem. Deixei a direcção do MRPP porque achei que o partido não estava em condições de dar respostas correctas às novas tarefas. Não valia a pena correr sobre o imediato. Nada me liga hoje a ele. A única coisa que vale a pena agora é preparar um trabalho de fundo. Estes quase dez anos de cavaquismo impõem um estudo exaustivo sobre a nossa realidade. As pessoas começam a pensar que, se a democracia é isto, então não tem diferença nenhuma dos regimes ditatoriais, ainda que ninguém esteja a ser preso pela PIDE. De momento.
Fernando Dacosta: Há várias maneiras de prender…
Arnaldo Matos: Há, há muitas maneiras de prender, há muitas maneiras de fazer censura, há muitas maneiras de calar vozes, há muitas maneiras de despedir. Despedir um trabalhador é uma violência tão grande como matá-lo. Tanto se mata um indivíduo a tiro como à fome.
Fernando Dacosta: Como através do suicídio!
Arnaldo Matos: Suicídio que está a ocorrer cada vez mais entre nós, em Lisboa, no Alentejo, no Vale do Ave. Indivíduos que discordaram de mim durante muito tempo dizem agora que afinal as minorias são importantes, são muito mais importantes do que pensavam, são o seguro dos outros pontos de vista. A diversidade de pontos de vista é a razão de sobrevivência da democracia. De que é que serviu, por exemplo, ao PCP, então no poder, impedir o MRPP de concorrer às primeiras eleições livres realizadas em Portugal? De nada. Hoje o PCP debate-se com a mesma falta de espaço que nós tínhamos nessa época. As minorias não têm só o direito de direito, têm o direito de ser preservadas. Não são as minorias que têm de defender a democracia, a democracia é que tem de defender as minorias, defender as suas ideias, as suas utopias.
Fernando Dacosta: Isso está a ser conseguido?
Arnaldo Matos: Sim, sobretudo a partir do desfazer do bloco de Leste. A queda do Muro de Berlim significou o enterramento de todos os partidos tradicionais. Principalmente dos socialistas, que ficaram sem lugar na história. Os partidos socialistas sobreviviam porque tinham à sua esquerda contrapontos, os regimes soviéticos que lhes permitiram dizer “nós somos de esquerda, mas temos em relação aos partidos comunistas uma vantagem, é que somos pela liberdade”. Faltando-lhes esses contrapontos, ruíram. Não há alternativa, nem pela esquerda, nem pela direita, a Cavaco Silva. O empate das eleições autárquicas significa isso mesmo.
Fernando Dacosta: Então não há nada a fazer?
Arnaldo Matos: Há, reflectir. Nós já tivemos uma experiência, uma boa experiência que merece reflexão.
Fernando Dacosta: Qual foi?
Arnaldo Matos: A do PRD. O PRD surgiu porque as pessoas repudiaram de súbito os seus partidos existentes na esquerda. Nenhum lhes servia. O PRD incarnou então o desejo de uma larga camada do povo português
Fernando Dacosta: Mas não foi longe…
Arnaldo Matos: Foi meteórico. Não tinha um programa capaz de sustentar a sua base de apoio. Desapareceu com a mesma velocidade com que lhe apareceu. O importante é que o fenómeno que lhe deu origem pode voltar a repetir-se. É inevitável mais cedo ou mais tarde.
Fernando Dacosta: E surgirá de onde?
Arnaldo Matos: Das franjas da esquerda. Todas as transformações históricas vêm de minorias de esquerda.
Fernando Dacosta: Minorias que falharam há 20 anos
Arnaldo Matos: Sim, falharam. Falharam por erros cometidos, não pela força do inimigo, não souberam assumir, por falta de coragem, o isolamento que em certa altura deviam ter assumido.
Fernando Dacosta: Houve arrogância por parte dos seus líderes, a começar por si, ao quererem impor aos outros o que eles deviam pensar, desejar, dizer, fazer…
Arnaldo Matos: Não acho que tenha sido uma questão pessoal de arrogância deste ou daquele presidente. Nas fases agudas das revoluções os dirigentes têm de afirmar-se pela convicção, pela firmeza dos seus pontos de vista. Convicção e firmeza que não têm a mesma forma, embora tenham o mesmo conteúdo, nas outras etapas do processo revolucionário. Além disso, nós vínhamos de um regime ditatorial onde a discussão política era difícil. As minorias de esquerda e extrema-direita nunca chegaram a travar combates abertos no campo da teoria e da ideologia. Os combates que travaram foram apenas os da defesa dos seus feudos. O que as isolou. Por outro lado, se foi fácil fazer a revolução do 25 de Abril, foi dificílimo dirigi-la. As divergências tornaram-se totais. A extrema-esquerda, a que achava que a revolução devia ser levada às últimas consequências, foi rapidamente bloqueada.
Fernando Dacosta: As pessoas não quiseram as suas propostas, não se identificaram com o MRPP…
Arnaldo Matos: As pessoas deviam ter tido o MRPP em alta consideração porque, se não fosse, se não fosse a sua luta, tinha-se estabelecido a ditadura do PCP. Só o MRPP se lhe opôs. Os outros dirigentes fugiram, foram embora.
Fernando Dacosta: Mário Soares não fugiu, os Nove não fugiram, Freitas do Amaral não fugiu…
Arnaldo Matos:Sim, não fugiram, mas Mário Soares foi dos que me prenderam. Não directamente, claro, mas deu o seu aval à decisão do Conselho da Revolução para prenderem todos os elementos do MRPP. Foram 423 pessoas detidas num só dia.
Fernando Dacosta: Nunca falou com ele sobre isso?
Arnaldo Matos: Falei. Negou que tivesse responsabilidade no assunto, chegou a dizer-me que a responsabilidade tinha sido do Zenha, não dele.
Fernando Dacosta: Então…
Arnaldo Matos: Então é que essas coisas aconteceram depois do 25 de Abril, foram reais. Quanto estava em greve de fome, o Otelo visitou-me para pedir desculpa pela prisão da minha mulher e da minha filha. A minha filha tinha sete anos e foi presa. Pediu-me desculpa mas não me libertou. Ele era o comandante do Copcon. Fomos perseguidos por cumprir um papel decisivo, com erros, com desvios, certamente que sim, mas fundamental. Parece, no entanto, que não fazemos parte da história. Só nos livros escritos por estrangeiros é que a nossa acção é reconhecida. Por quê esse pavor de que possamos ser perigosos para a sociedade portuguesa?
Fernando Dacosta: Porque não apavoraram a sociedade portuguesa.
Arnaldo Matos: Nós? O que é que fizemos? Matámos porventura alguém? Pelo contrário, a nós é que mataram militantes…
Fernando Dacosta: Mas ameaçaram, proferiam palavras violentas, mostraram propósitos muito agressivos, caras muito feias…
Arnaldo Matos: Feias? Eu acho que as caras feias são as mais bonitas!
Fernando Dacosta: Os elementos do MRPP eram extremamente radicais, no Diário de Lisboa da época, por exemplo, o Freire Antunes e Mendes Pedros aterrorizavam, só dois, a redacção inteira.
Arnaldo Matos: Sim, e onde estão agora esses dois?
Fernando Dacosta: Não sei.
Arnaldo Matos: Um está no Cavaco, é conselheiro dele, e o outro na Judiciária. Eu não responsabilizo, porém, essas pessoas, ou outras, pelo que o MRPP fez. A responsabilidade de tudo é minha. Assumo-a, sempre a assumi. Mas devo dizer que nem tudo o que se fez foi com o meu acordo.
Fernando Dacosta: Por exemplo?
Arnaldo Matos: Por exemplo, certos saneamentos em Direito que nunca ter sido realizados.
Fernando Dacosta: Então por que o foram?
Arnaldo Matos: Porque indivíduos como o Durão Barroso, hoje ministro da direita, se voltaram contra professores que eram dos melhores que lá havia.
Fernando Dacosta: Caso de…
Arnaldo Matos: Caso de Diogo Freitas do Amaral, em excelente professor, caso de Isabel Magalhães Colaço…
Fernando Dacosta: Você deixou…
Arnaldo Matos: Deixei? Isso foi feito contra a minha opinião!
Fernando Dacosta: Dizia que os MR eram completamente obedientes a si, que ninguém no partido ousava enfrentá-lo…
Arnaldo Matos: Enfrentar não enfrentavam, isso é verdade. Mas também é verdade que essas pessoas foram saneadas contra as minhas instruções.
Fernando Dacosta: Julguei que você tinha mão de ferro no partido
Arnaldo Matos: Ora! Num partido comunista as decisões são tomadas após longas discussões e, depois de tomadas, cumpridas sem desvios. Mas não se devem, nunca, perseguir as minorias que se afirmam discordantes. Eu nunca o fiz. O que se passa é que num partido de extrema-esquerda também há indivíduos que se pretendem à esquerda da extrema-esquerda. Esses indivíduos são, normalmente, guarda avançada de posições direitistas absurdas. Por isso não me surpreende ver hoje o Durão Barroso ministro do Cavaco, ver o meu secretário de imprensa, o Freire Antunes, conselheiro do Cavaco.
Fernando Dacosta: Esse argumento era o que o PCP usava para combater a extrema-esquerda, para combater o MRPP.
Arnaldo Matos: Sim, o Cunhal até escreveu um texto sobre o radicalismo de esquerda de fachada socialista… O que se passa é que existe um radicalismo pequeno-burguês e um radicalismo operário que são muitas vezes confundidos. Num partido como o MRPP, que tinha grande implantação no meio universitário e intelectual, esse radicalismo pequeno-burguês tinha muita força, era difícil neutraliza-lo, sobretudo na aplicação das decisões tomadas.
Fernando Dacosta: Muitos ex-MR estão hoje em lugares de destaque…
Arnaldo Matos: É verdade, mas isso não significa nada. Há gente em lugares de destaque oriunda de todos os partidos. De todos os partidos que não estão no poder houve transferências para o partido do poder. Temos uma Zita Seabra no PSD, há mais de uma centena de casos idênticos ao dela. A revolução tem curvas e contracurvas, alguns saem na curva mais próxima, no apeadeiro mais próximo, alguns tomam o comboio da revolução só para se autopromoverem. Agora que já tenho idade para ser filósofo divirto-me a analisar o comportamento que pessoas, hoje da direita bem pensante e bem colocada, tinham quando estavam dentro do partido, a ligar as coisas…
Fernando Dacosta: E há correspondência?
Arnaldo Matos: Há, há correspondência. Se um individuo como Durão Barroso não hesita, contra instruções minhas, em sanear uma professora excelente como Magalhães Colaço, não é de admirar que se torne depois ministro do Cavaco. Ele fez tão mal quando esteve na esquerda como quando está na direita.
Fernando Dacosta: Natália Correia dizia que você era um romântico, um feiticeiro, que tinha uma capacidade rara de seduzir, de hipnotizar, chamava-lha o Rasputinezinho…
Arnaldo Matos: Ora, eram favores dela! Fui sempre amigo da Natália Correia, embora ela me atacasse muito. Entendia que ela tinha um papel de tal modo importante na nossa sociedade que podia dizer tudo, até asneiras. Entendia que não devia ser maltratada como a vi ser na Assembleia da República por indivíduos que depois ousaram ir ao seu funeral. Isso não se faz a um intelectual de prestígio a quem o país, a cultura, tanto deve e a quem nada deu, nada reconheceu até hoje.
Fernando Dacosta: Alguns acusaram-no de desprezar os intelectuais…
Arnaldo Matos: Não é verdade, eu nunca desprezei os intelectuais. Exactamente o que me caracterizava era o meu respeito, o meu interesse pela cultura. A cultura é o pão da nossa boca. Só que nunca me pus a exibir a cultura na frente de ninguém. O país não vive sem os intelectuais. Acaso os 800 anos da nossa história se resumem a alguma coisa que não seja o papel neles dos intelectuais, dos intelectuais produzidos pelo povo? O valor de um país pequeno reside precisamente na capacidade dos seus intelectuais, sobretudo poetas e escritores. O seu melhor património é esse. Ai do partido, seja ele de esquerda ou de direita, que o malbarate. Os países têm que preservar, estimular os seus produtores de cultura. E dá-los a conhecer, divulga-los na sua pluralidade. Só tem medo da pluralidade quem não tem firmeza nos seus pontos de vista. Não é fazer o que o faz o comissário Santana Lopes, que promove os promoves e os que mediocrizaram para poder servi-lo. Isso é empobrecer gravemente a comunidade. Se não for a força da cultura, não vamos chegar a lado nenhum. Sobretudo agora, com uma União Europeia que tenta esmagar tudo o que não seja alemão! O nosso problema não é a defesa do sector têxtil, é a defesa cultura. Só pela cultura podemos ser independentes.
Fernando Dacosta: Não há medidas nenhumas nesse sentido…
Arnaldo Matos: Nenhumas. Quando ligamos a televisão, não sabemos se estamos a sintonizar de Nova Iorque ou de Lisboa. Só há enlatados. A televisão é cultura, é defesa da cultura.
Fernando Dacosta: É?
Arnaldo Matos: Não, não é!
Fernando Dacosta: E a nível internacional, como vão passar-se as coisas?
Arnaldo Matos: A nível internacional as coisas chegaram ao ponto máximo de recuo. Agora só podem avançar. O acordo do GATT, celebrado esta semana, vai ter as tais consequências, principalmente na África e na América Latina, tremendas. Tremendas! A luta contra os americanos começou no momento em que a sua assinatura foi formalizada. Infelizmente o nosso Governo também assinou. De agora em diante o recuo terminou, vai começar uma luta encarniçada entre a revolução e a contra-revolução. Não com os velhos partidos de esquerda, que esses estão a falir, em Itália já faliram, em França já faliram, em Espanha vão a caminho da falência, mas com outros partidos. A revolução vai retomar o fôlego.
Fernando Dacosta: Também em Portugal?
Arnaldo Matos: Também. Em Portugal, ela pode dar-se através do surgimento de um partido que leve as pessoas a acorrerem a ele, a votarem nele.
Fernando Dacosta: Quando?
Arnaldo Matos: Quando chover. Os partidos são como os cogumelos, chove e eles aparecem. Vamos entrar numa nova etapa da nossa vida.