Maria João Abreu: tão cedo, tanto talento e genuinidade
Porque Maria João Abreu não era – é – apenas uma actriz, parte protagonista do teatro, da televisão, do cinema e de outros ofícios que por este país se constroem a partir do esforço. Não, Maria João Abreu era também uma pessoa adorada por muitos, que transmitia gentileza, simpatia, afecto, abundância espiritual e gratidão.
13 de Maio de 2021 – deixaste-nos, Maria João Abreu, numa partida verdadeiramente precoce. Há vezes em que a vida prega partidas para que despertemos o olhar e o foquemos noutras coisas e pessoas que, entretanto, nas nossas rotinas, ignorávamos ou desvalorizávamos. Já dizia John Lennon: “Life is what happens while you are busy making other plans”. Mas, noutras ocasiões, uma tempestade cai-nos de supetão – e amigas/os, família, colegas, cientistas e artistas, identidades da nossa vida mais íntima e da respiração da nação deixam-nos sem que o segundo anterior pudesse sequer pensar em despedir-se.
Não serei do grupo das melhores pessoas a descrever o talento de Maria João Abreu; porque não conhecia, talvez, metade dos trabalhos desenvolvidos pela actriz. Assisti a várias novelas, de modo mais ou menos imbuído na sua história, desde Mar Salgado (2014-2015), Amor Maior (2016-2017), Paixão (2017-2018) e até Golpe de Sorte (2019-2021), e a programas de comédia, em que posso destacar Aqui Não Há Quem Viva (2006-2008) e A Família Mata (2011). Ri-me com a sua participação n’ A Máscara (2020), na figura de monstro pequeno, verde e fofo, e consegui, de certa maneira, emocionar-me ao acompanhar as 24 Horas de Vida (2020) que Maria João decidiria ter se soubesse que dado dia seria o seu último – muito infelizmente, estas horas não viriam a ser em nada equivalentes àquilo que certamente desejaria. Pouco estive atento ao que fez no teatro e no cinema e nunca a conheci pessoalmente, embora acreditasse que a sua dedicação e habilidade não fossem nem uma ínfima parte menores nestes cenários.
Temos de ser humildes no reconhecimento de que não sabemos de tudo o que uma dada pessoa, ainda que famosa, concretizou ao longo da sua existência (física), na medida em que muitas vezes nem nos lembramos daquilo que, mesmo enquanto pródigas/os numa área, produzimos num determinado momento. E não é porque criticamos Portugal no seu menosprezo pelas/os artistas vivas/os e na sua exacerbada valorização post mortem que, subitamente, adquirimos uma omnisciência relativamente às realizações dessas pessoas. Todavia, temos igualmente de as saber respeitar, dignificar e amar, honrando os seus percursos e promovendo-os na qualidade de inspirações sociais, culturais e humanas.
É por isso, por isto efectivamente, que escrevo este texto. Porque Maria João Abreu não era – é – apenas uma actriz, parte protagonista do teatro, da televisão, do cinema e de outros ofícios que por este país se constroem a partir do esforço. Não, Maria João Abreu era também uma pessoa adorada por muitos, que transmitia gentileza, simpatia, afecto, abundância espiritual e gratidão. Quando temos tantas pessoas que ligam para diferentes emissões especiais a admirar os seus gestos, a agradecer pelo seu labor e a prantear a sua morte, quando centenas ou milhares acompanham o seu funeral e aceitam vestir-se de branco para eternizar a sua presença, sabemos que não falamos de um ser humano sem voz nem cor: falamos, sim, de um coração alado que desejamos estar a descansar na sua paz merecida.
Há qualquer coisa que nos obriga e nos tem obrigado, desde o dia 13 de Maio, a cantar a poética e a dar-nos conta da espiritualidade da data na qual Maria João decidiu partir. Para quem é mais céptico no divino, como eu, não há como ignorar o outro lado celeste: o material, o que se viu e ouviu, o que se falou e mexeu, que esta personagem tornou mais real, mais belo e mais completo.