Daviz Simango, a morte de um líder que chegou a prometer ser maior do que a Beira
Internado há mais de uma semana na África do Sul por “insuficiência respiratória”, o presidente do terceiro maior partido de Moçambique morreu aos 57 anos.
Daviz Simango chegou a ser a esperança de uma terceira via que pudesse trazer uma alternativa nacional em Moçambique aos partidos que passaram da guerra contra os portugueses para se guerrear entre si e que ainda hoje nutrem uma profunda desconfiança um pelo outro. Mas morreu esta segunda-feira sem o alcançar. Tirando a Beira, onde presidia ao conselho municipal desde ainda antes da sua saída da Renamo, o seu partido nunca foi capaz de alcançar o estatuto de maior partido da oposição, quanto mais pôr em causa o poder da Frelimo.
A Beira era o centro do seu mundo e foi o limite da sua ambição política. Acabou por morrer na África do Sul fruto das circunstâncias, levado de urgência quando o seu estado de saúde se deteriorou, ainda se suspeitou que estivesse infectado com o coronavírus, mas, de acordo com Movimento Democrático de Moçambique (MDM), isso não se confirmou.
“Ele acabou tendo uma paragem cardíaca. As primeiras suspeitas apontavam para covid-19, mas o teste foi feito e deu negativo”, declarou. A mulher de Daviz Simango testou positivo para a doença dias antes da transferência para a África do Sul, que aconteceu a 13 de Fevereiro.
Lutero Simango, que acompanhou o irmão na viagem, referiu à Agência de Informação de Moçambique que Daviz estava com “insuficiência respiratória” e decidiu-se que o melhor seria transferi-lo para uma unidade hospitalar sul-africana.
“A dor é grande”, disse José Domingos, secretário-geral do MDM, citado pela Lusa, na primeira declaração oficial do partido sobre a morte do líder, que classificaram como “uma perda para todo o povo moçambicano”.
A notícia apanhou de surpresa quem tinha visto a comunicação do partido na semana passada, a referir melhoras e o regresso iminente de Simango a Moçambique. E mais pormenores não acrescentou o secretário-geral, remetendo para o regresso da África do Sul de Lutero Simango, que é líder da bancada parlamentar do MDM.
Daviz Mbepo Simango tinha 57 anos, completados este mês, e desde há quase 17 que governava a quarta maior cidade moçambicana. Era filho do reverendo Uria Simango, que chegou a ser líder da Frelimo após a morte de Eduardo Mondlane, e de Celina Muchanga, fundadora da primeira organização feminina de Moçambique, ambos mandados executar extrajudicialmente pelo Governo de Samora Machel em 1977 por desafiarem o partido único.
De acordo com o relato de José Pinto de Sá e Nélson Saúte no PÚBLICO em 1995, Uria Simango e outros sete importantes membros do chamado “grupo dos reaccionários” terão sido levados do tristemente célebre campo de reeducação de M’Telela para serem mortos à beira da estrada, atirados para uma vala comum, regados com gasolina e queimados vivos.
Mesmo assim, Daviz Simango sempre afirmou que não andava na política em busca de vingança: “Quando comecei o mandato, diziam que ia vingar-me do pai, isto e aquilo, mas penso que a prática tem demonstrado que afinal de contas somos moçambicanos”, dizia à BBC em 2009, na altura da formação MDM, partido com que chegou a ter grandes ambições, mas que depois de 7,2% em 2014, ficou-se pelos 2,4% em 2019.
Em 2019, quando o PÚBLICO falou com ele numa Beira ainda a dar os primeiros passos depois da devastação provocada pelo ciclone Idai, Daviz Simango parecia confortável na sua pele de autarca, falando aos jornalistas nas oficinas municipais, de camisa aberta e camisola interior à vista, coordenando os primeiros esforços de recuperação da cidade. “Eu não sou homens das câmaras, sou homem de trabalho”, afirmou na altura.
E, mesmo perante 85% da cidade destruída por um ciclone devastador, evitava perder-se em lamúrias e concentrava-se no que se podia fazer para recuperar e insistia três vezes em que a cidade tinha capacidade para se reerguer, mesmo depois da fúria dos elementos: “Tem, tem e tem. A Beira, o que precisa é que os beirenses se preparem para construir o seu futuro.”
Formado em Engenharia Civil, com estágios em Portugal e Itália, em 2006 chegou a ser distinguido pela revista sul-africana Professional Management Review como o melhor presidente de municípios de Moçambique. No entanto, nos últimos anos o município tem sentido a falta de investimento do governo central e nota-se o desgaste nas infra-estruturas, nomeadamente no estado das ruas e estradas, afectadas pelas intempéries e a falta de manutenção.