Gonçalo Ribeiro Telles — o sábio da paisagem
Como eu gostaria que o Professor ainda pudesse ver o “seu” jardim da Gulbenkian alargado para o terreno adjacente e também até à Praça de Espanha, que finalmente ficará ligada ao Corredor Verde de Monsanto, como sempre defendeu. De qualquer modo, será zona que vai merecer o seu nome: Jardim Gonçalo Ribeiro Telles.
Gonçalo Ribeiro Telles foi um sábio, com obra feita, que deixou um extraordinário legado e inúmeros seguidores.
Os pinheiros que Gonçalo Ribeiro Telles plantou no Castelo de S. Jorge cresceram e as suas copas, hoje, parece que sempre lá estiveram, o que o levava a dizer-me, por várias vezes, sempre que para lá olhávamos: “– Ó Zé, acertei, não acertei?”
Alguns dos logradouros pelos quais sempre lutou, perderam-se, forma preteridos por quem preferiu as garagens e os armazéns ao solo vivo, às hortícolas frescas, aos aromáticos temperos, aos perfumes das flores e às árvores de fruto que aí nasciam, mas, apesar de tudo, alguns sobreviveram, os da Av. João XXI, com carácter mais público e de lazer ou os de Alvalade que, com muita dificuldade, ainda resistem e que deviam ser, com afinco, preservados.
Dizia que na paisagem rural deveríamos plantar as árvores que sempre aí cresceram, como, aliás, junto aos rios e ribeiros. Já na paisagem florestal era de rejeitar as monoculturas intensivas e de exóticas, sem critério e em solos inadequados para o efeito. É que isso, insistia Ribeiro Telles, não é floresta, porque esta pressupõe, até etimologicamente, uma variedade de espécies.
Aconselhava também mais clareiras, o aprofundamento do conceito da orla, formas de fazer paisagem e elementos contributivos para o menor desperdício da água, da erosão dos solos e para a prevenção de incêndios que naqueles outros povoamentos são mais incontroláveis, frequentes e agressivos.
Ainda quanto às árvores acrescentava que na cidade podíamos adaptar umas e adoptar outras, às vezes até por uma questão estética, pois a sua importância prende-se com muitas outras funções. São sumidouros de poluição, combatem o calor, protegem contra os ventos, dão-nos mais cor e humanizam as nossas vidas, quase como se fosse obrigatório sentir as estações do ano, também na nossa rua.
Como eu gostaria que o Professor ainda pudesse ver o “seu” jardim da Gulbenkian alargado para o terreno adjacente e também até à Praça de Espanha, que finalmente ficará ligada ao Corredor Verde de Monsanto, como sempre defendeu. De qualquer modo, será zona que vai merecer o seu nome: Jardim Gonçalo Ribeiro Telles.
E os projectos idealizados para os denominados Corredores Verdes foram sempre pensados para as pessoas, para unir bairros e fazer ligações óbvias, como a de Campolide até ao rio, a do Parque Keil do Amaral até à Torre de Belém, a do Vale da Ameixoeira, saltando a Calçada de Carriche até à Estrada do Paço do Lumiar, a dos Corredores Orientais que nos levam das Avenidas Novas até Marvila ou até aos Olivais, sem esquecer a “libertação” para o público da frente ribeirinha.
Lembro que o Plano Verde mereceu desde logo a participação, entre outros, de Manuela Raposo de Magalhães, Delgado Domingos (†), Luís Coimbra e, modéstia à parte, de mim próprio, de toda a minha restante equipa que há muito me acompanha e de muitos dos trabalhadores e dirigentes dos serviços da CML.
Hoje fala-se de Hortas Urbanas como uma novidade e uma das medidas de mitigação e adaptação climáticas, mas a agricultura urbana já era um dos pilares do raciocínio do Ribeiro Telles, bem como o de produzir perto do consumo, ligar o campo e a cidade, fazer região.
Muitas conversas tivemos, em algumas referia a importância das sebes, dos sapais, da charneca, da mata, das silvas, dos sítios que no campo servem para a “protecção contra o vento e as geadas, para a defesa da água, para o combate à erosão, para o equilíbrio da biocenose e para a produção de madeiras e lenhas”.
Depois falávamos da lezíria, do montado, do souto, do seu significado cultural e da sua riqueza, e indignávamo-nos, em conjunto, sempre que havia um grande investimento no país e com naturalidade se esqueciam de investir nos caminhos rurais, “balizados e apoiados”, ou no arranjo do sistema viário rural.
Ríamos quando aparecia a conversa de que os ingleses é que tinham inventado o jardim e logo lembrávamos os muito mais antigos Buçaco, Arrábida, Capuchos e Penha Verde, ou até a posterior arte dos beneditinos, por exemplo em Tibães.
Obrigatório, era arranjarem-se os miradouros, e afirmava que não podíamos perder as vistas, tínhamos mesmo de lutar por elas. E recuperar, com melhor ligação à malha urbana, o que ele apelidava de jardins monárquicos que, embora apropriados pelos republicanos, o povo ainda mantém os nomes antigos: Estrela (Guerra Junqueiro), Príncipe Real (França Borges), Praça da Alegria (Alfredo Keil), Jardim das Amoreiras (Marcelino Mesquita), Jardim da Parada (Teófilo Braga).
Em todos os antigos e novos jardins e parques, crucial era que as pessoas se apropriassem dos mesmos e, para tanto, era importante que houvesse parques infantis, zonas de estar, mesas, bancos e esplanadas. Foi o que fizemos, principalmente com os quiosques e com os equipamentos de exercício físico. Enchemos de vida a paisagem de Lisboa.
Mas Gonçalo, tal como dantes, apesar deste ano Lisboa ser Capital Verde Europeia, continuamos a correr riscos, porque a muitos interessa menos o aperfeiçoamento e mais a impressão que querem causar no imediato.
Um homem de Lisboa