Bruxelas confirma recessão de proporções históricas, com contracção de mais de 7% da economia
No caso de Portugal, o choque resultará numa contracção de 6,8% do Produto Interno Bruto em 2020, antecipa a Comissão Europeia, que projecta uma recuperação de 5% em 2021.
O valor é um recorde. A economia europeia vai contrair 7,4% em 2020 por causa da pandemia de covid-19, estima a Comissão Europeia, que nesta quarta-feira divulgou as suas previsões económicas de Primavera, juntamente com um aviso: apesar das medidas que foram tomadas ao nível nacional e comunitário para mitigar os efeitos da crise, o choque terá “severas consequências económicas e sociais”, que vão fazer-se sentir de maneira diferente conforme os países.
No caso de Portugal, o choque resultará numa contracção de 6,8% do Produto Interno Bruto em 2020, antecipa a Comissão, que projecta uma recuperação de 5% em 2021. Bruxelas vê a economia portuguesa a reagir melhor à crise do que o Fundo Monetário Internacional, que em meados de Abril previu uma quebra de 8% no PIB.
“Na nossa projecção foram contempladas todas as medidas implementadas ou anunciadas pelos Estados-membros até 21 de Abril”, explicou o comissário europeu da Economia, Paolo Gentiloni, para justificar a diferença na avaliação face ao FMI, que produziu o seu relatório várias semanas antes. “E quando fizemos o nosso relatório, a evolução da curva [epidemiológica] já era mais clara, nomeadamente já se percebia que tinha sido atingido o pico e a curva estava a mudar”, acrescentou.
No entanto, no geral, as projecções da Comissão Europeia estão em linha com os números antes avançados pelo Fundo Monetário Internacional. A 14 de Abril, o FMI apontava para uma quebra nos 19 países que compõem a zona euro de 7,5% em resultado do que apelidou como “Grande Confinamento”. Bruxelas calcula o tombo em 7,7%.
A estimativa de baixa do crescimento da economia europeia é de nove pontos, quando comparadas as projecções avançadas no Outono de 2019 e as previsões de Primavera divulgadas nesta quarta-feira. “É uma recessão de proporções históricas”, reconhece a Comissão — que deverá basear futuras medidas e propostas, e o seu plano de recuperação económica, nestas projecções.
“A actividade económica caiu um terço praticamente do dia para a noite”, lembrou Paolo Gentiloni, que antecipa uma retoma gradual já no segundo semestre deste ano, ainda condicionada pela evolução da pandemia. “Mas dada a severidade da crise, não será possível compensar totalmente as perdas”, notou, apesar dos esforços de mitigação dos danos já assumidas e do “poder de fogo” de cerca de 1,5 biliões de euros do plano de recuperação económica que o executivo comunitário está a preparar (e ainda não tem data confirmada de apresentação).
“Estamos a trabalhar intensamente, mas não é fácil”, admitiu o comissário da Economia, que fez questão de assinalar as diferenças entre a resposta das instituições europeias e dos países à crise do coronavírus, face à anterior crise económica e financeira (e que provocou uma quebra de 4,5% do PIB).
“O cenário actual é completamente diferente daquele da crise financeira de 2009”, considerou, vincando que da parte dos governos nacionais existe agora uma clara consciência dos riscos — para o mercado interno ou a convergência da zona euro — e da necessidade de criação de instrumentos comuns. Além disso, “há agora um sentimento europeu de solidariedade que é muito importante”.
Apesar de sublinhar que “as consequências” da actual crise “serão muito más para todos” e não apenas para os países do Sul ou com finanças públicas mais frágeis (por comparação com os chamados “frugais”), Gentiloni reconheceu que “tanto a recessão como a recuperação serão desequilibradas”, com diferenças inevitáveis face à estrutura das diversas economias e a capacidade dos governos responderem à crise com políticas de estabilização.
De acordo com as previsões da Comissão, nalguns países europeus, a contracção aproxima-se dos 10%, caso da Grécia, Itália e Espanha, com quebras de 9,7%, 9,5% e 9,4%, respectivamente. “Em Itália, a retoma deverá demorar mais tempo, e em Espanha a recuperação também será incompleta”, afirmou Gentiloni. Em França, o choque retirará 8,2% ao PIB, e a evolução “também será gradual” até 2021.
Outros países serão mais poupados, ainda que também experimentem dificuldades praticamente inéditas: é o caso, por exemplo, da Alemanha, que vai viver a pior recessão desde a Segunda Guerra Mundial, com uma quebra de 6,5% por causa do impacto nas exportações, “mas vai recuperar mais depressa do que os parceiros”, destacou Gentiloni.
Défices e dívidas disparam
O efeito da pandemia nas contas públicas será avassalador: a Comissão prevê um aumento significativo dos défices orçamentais, que no caso dos países mais impactados pelo vírus deverão atingir os dois dígitos, e do nível de endividamento dos Estados-membros, que pode condicionar a sua acção em resposta à crise.
O défice agregado da zona euro e da UE deverá disparar para 8,5% do PIB, dos actuais 0,6%, recuando em 2021 para 3,5%. Já no total dos países da zona euro, o rácio da dívida pública vai aumentar para quase para os 103% dos actuais 86%, voltando a ficar abaixo dos 100% (99%) em 2021.
As estimativas relativas a Portugal apontam para um défice orçamental de 6,5% do PIB em 2020, e uma quebra de 0,6% do balanço corrente. Em 2021, o défice cai para 1,8%. Em relação à dívida pública, a Comissão projecta que esta vá disparar para os 131,6% do PIB este ano, e descer para os 124,4% em 2021.
Em Março foi accionada pela primeira vez na história a cláusula geral de escape do tratado orçamental, e temporariamente suspensas as regras de disciplina orçamental previstas no Pacto de Estabilidade e Crescimento, que como sugeriu Gentiloni, não deverão voltar a ser aplicadas tão cedo. “Não é habitual o comissário europeu da Economia convidar os países a intervir e a investir. Mas este foi o caso nestes últimos dois meses, porque sem um aumento da despesa pública não teríamos capacidade para enfrentar a crise e os riscos associados”, vincou.
Ressalvando que o actual exercício é necessariamente incompleto, uma vez que ainda é impossível calcular com exactidão a escala e a gravidade da crise — que é simétrica, afectando todos os países da UE —, a Comissão Europeia sublinha que a pandemia impacta todos os sectores e aspectos da vida económica. “A crise do coronavírus afectou severamente o consumo, a produção industrial, o investimento, o comércio, o fluxo de capitais e as cadeias de abastecimento”, assinala.
Alguns destes vectores poderão reagir mais depressa ao desconfinamento; outros, como o investimento ou o mercado laboral, deverão permanecer “adormecidos” por um período mais longo.
Em termos da taxa de desemprego na zona euro, a estimativa é que esta aumente para 9,5% dos 7,5% verificados em 2019, com uma recuperação lenta para os 8,5% em 2021 (para o total da UE, a previsão é de uma subida da taxa de desemprego para 9% em 2020, com uma ligeira queda para 8% em 2021). A Comissão estima uma subida da taxa de desemprego em Portugal para os 9,7% em 2020, com uma recuperação para os 7,4% em 2021.
“Não esperamos que a economia da UE tenha recuperado na totalidade as perdas deste ano no final de 2021”, dizem os técnicos. No próximo ano, o crescimento previsto pela Comissão para a UE é de 6,1%, com a zona euro um bocadinho mais acelerada, a crescer 6,3%.
Mas como advertiu Gentiloni, a situação ainda é de enorme incerteza e volatilidade. “Os riscos são muitos, e uma deterioração da situação, com mais danos na economia e mais dificuldades na recuperação em 2021, não pode ser excluída”, avisou, chamando a atenção para a instabilidade dos mercados financeiros e para as mudanças drásticas nos fluxos comerciais globais (com um aumento do proteccionismo).
O comissário notou também que “as restrições que afectam o turismo poderão manter-se por mais algum tempo”, comprometendo a recuperação das economias mais dependentes deste sector, como a portuguesa. “Já sabemos que o sector turístico vai ter de sobreviver a este Verão em condições muito diferentes”, disse, revelando que na próxima reunião do colégio de comissários vão ser discutidas orientações e regras, que vão abranger também a aviação ou o controlo de fronteiras.
As projecções da Comissão Europeia indicam uma redução de 50% na actividade turística na Europa, estimando “consequências prolongadas” no sector, com Portugal como um dos países mais afectados pela sua “dependência do turismo estrangeiro”.