Governo abre a porta ao encerramento de cantinas e espaços comuns das escolas

Directores de escolas consideram que medidas previstas pelo Governo só poderão ser aplicadas se os estabelecimentos de ensino encerrarem. FESAP considera que planos de contingência pecam “por tardios”.

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Sergio Azenha

O funcionamento de bares, cantinas, refeitórios e outros espaços de utilização comum das escolas e de todas as outras entidades da administração pública pode ser suspenso no caso de se considerar que esta medida possa impedir a propagação do Covid-19.

Esta é uma das determinações fixadas num despacho do Governo que foi publicado nesta segunda-feira à noite, no qual se “ordena aos empregadores públicos a elaboração de um plano de contingência no âmbito da prevenção e controlo de infecção por novo Coronavírus (COVID-19)”. 

“A suspensão do funcionamento das cantinas é irrealizável nas escolas. Se isso acontecer, sobretudo no interior, a maioria não terá aulas porque os alunos não vão se não existirem refeições”, comenta o director da Escola Secundária Eça de Queirós, na Póvoa do Varzim, José Eduardo Lemos. Para o também presidente do Conselho das Escolas, o organismo que representa os directores junto do Ministério da Educação, a aplicação de medidas como as avançadas no despacho governamental levaria pura e simplesmente ao encerramento das escolas, como já aconteceu em Itália, no Japão e em vários outros países.

A escola de José Eduardo Lemos tem mais de mil alunos. Em quase todos os intervalos tem cerca de 600 na sala de convívio: “Não há maior agrupamento de pessoas do que num espaço destes”. Isto já sem referir as salas de aulas, cuja frequência leva a que nas escolas existam “centenas de reuniões por dia”. São tudo exemplos que o levam a afirmar que o diploma publicado nesta segunda-feira em Diário da República é mais “um despacho genérico que não tem em conta as especificidades das escolas”.

Seja como for, apela a que se tenha “calma”: “Vamos esperar e dar um passo de cada vez”.

“A suspensão do funcionamento de espaços comuns está num patamar superior ao que nos encontramos agora”, corrobora o presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), Filinto Lima, embora frisando que a adopção de medidas como esta também depende das características de “cada comunidade escolar”. “Estamos a fazer tudo para não chegarmos a esse ponto. Mas não somos diferentes dos outros” onde já está a acontecer, disse.

Quem é o empregador?

No diploma desta segunda-feira, assinado pelas ministras da Administração Pública, do Trabalho Solidariedade e Segurança Social e da Saúde, o Governo dá um prazo de cinco dias úteis (até à próxima segunda-feira) para que os empregadores públicos cumpram esta obrigação, devendo enviar cópia dos seus planos de contingência à Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público.

O líder da Federação Nacional de Professores (Fenprof), Mário Nogueira, alerta para o seguinte: “No caso das escolas é o Ministério da Educação que é o empregador público e por isso é a ele que lhe compete entregar este plano e assegurar os meios necessários para o concretizar. E às escolas competirá operacionalizá-lo”.  

A este respeito, tanto José Eduardo Lemos, como Filinto Lima, consideram que as escolas estão preparadas para elaborarem esses planos, à semelhança do que já fizeram há dez anos, quando do surto da gripe A. “Poderá faltar alguma expertise técnica, mas por certo conseguirão elaborar linhas orientadores para serem seguidas”, garante o director da Eça de Queirós. “E podemos contar, se necessário, com o apoio do centro de saúde”, adianta Filinto Lima.

Mais complicada poderá ser a aplicação de “medidas imediatas” referenciadas pela Direcção-Geral de Saúde e que são recuperadas pelo Governo no seu despacho, como por exemplo, a disponibilização de soluções anti-sépticas de base alcoólica para a lavagem de mãos. Filinto Lima lembra que, tal foi conseguido na altura da gripe A, existirão escolas que ainda terão sobras em armazém e que todas as outras terão de garantir que a lavagem de mãos possa ser feita sem ser só com água: “Como os desinfectantes estão esgotados há escolas que estão a equipar-se com sabão, que sempre foi um bom anti-séptico”.

Já Eduardo Lemos duvida que “as escolas se consigam equipar e ainda por cima num espaço de tempo tão curto”.

Também a Federação dos Sindicatos da Administração Pública (Fesap, afecta à UGT) se mostra céptica quanto à eficácia das medidas agora determinadas pelo Governo. “Pecam por tardias”, comentou o seu secretário-geral, José Abraão, em declarações ao Jornal Económico, realçando que, mais do que o anúncio de medidas, “o que importa agora é saber como os serviços vão operacionalizar os planos de contingência e até que ponto existem meios financeiros para adquirir os materiais necessários.

Quarentena obrigatória

Os planos de contingência devem seguir as orientações que têm sido emanadas pela Direcção-Geral da Saúde, mas o Governo explicita que, para além destas, devem também “ser equacionadas as eventuais ocorrências das seguintes situações:  redução ou suspensão do período de atendimento, consoante o caso; suspensão de eventos ou iniciativas públicas, realizados quer em locais fechados quer em locais abertos ao público; suspensão de actividades de formação presencial, dando preferência a formações à distância; suspensão da aplicação de métodos de selecção que impliquem a presença dos candidatos, no âmbito de procedimentos concursais; suspensão do funcionamento de bares, cantinas, refeitórios e utilização de outros espaços comuns.”

Neste mesmo diploma estabelece-se ainda que, “para garantir o normal funcionamento de cada serviço ou estabelecimento”, os empregadores públicos devem privilegiar “o recurso ao mecanismo do teletrabalho, o qual só deverá ser afastado por razões imperiosas de interesse público”. As soluções adoptadas para o efeito têm também de constar dos planos de contingência.

Ouvida nesta terça-feira no Parlamento, a ministra da Saúde considerou que existe base legal para activar o isolamento obrigatório para suspeitos de Covid-19, apesar de reconhecer que o “quadro legal é difícil”, tendo conta a limitação prevista na Constituição, que só prevê esta medida em caso de anomalia psíquica.

Marta Temido assumiu, contudo, que tem “a opção de cativar a base 34 da Lei de Bases da Saúde” que prevê, entre outras medidas de excepção, que a autoridade de saúde possa desencadear “o internamento ou a prestação compulsiva de cuidados de saúde a pessoas que, de outro modo, constituam perigo para a saúde pública”.

A ministra admitiu ainda ter havido falhas de comunicação sobre o combate ao novo coronavírus

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