Portugal é um dos países da Europa com maior percentagem de crianças em creches
Dados do último balanço feito pelo Ministério do Trabalho e da Segurança Social dão conta que 45% das crianças que estavam em creches em 2018 ficavam lá até oito horas por dia e 46% entre oito e dez horas diárias. “Não é razoável”, alerta psicóloga sobre este tempo de permanência.
Quase metade das crianças portuguesas com menos de três anos de idade está em creches, o que coloca Portugal no oitavo lugar da União Europeia quando a questão é saber qual a proporção dos que frequentam aqueles equipamentos. Mais concretamente, segundo dados do Eurostat relativos a 2017, esta percentagem é em Portugal de 47,5%, muito acima da média europeia que ronda os 34,2%.
A encabeçar este pelotão encontra-se a Dinamarca, que tem 71,7% das suas crianças com menos de três anos em creches. No polo oposto está a Eslováquia (0,6%), seguida por vários outros países do antigo bloco de Leste.
A frequência de creches pode funcionar como uma mais-valia para as crianças, potenciando “o seu desenvolvimento integral, se este contexto educativo for de qualidade” e o tempo de permanência se revelar equilibrado, destaca ao PÚBLICO a vice-presidente da Ordem dos Psicólogos, Sofia Ramalho. Só que em Portugal nem sempre a oferta obedece aos parâmetros de qualidade necessários, nem sobretudo o tempo que as crianças passam por dia nas creches é adequado ao seu “bem-estar”, alerta esta psicóloga.
Os dados patentes no último relatório sobre o Estado da Educação, divulgado nesta terça-feira, colocam de novo Portugal em destaque, mas não pelas melhores razões. “O número médio de horas semanais, que as crianças portuguesas com menos de 3 anos passam em educação e cuidados para a primeira infância (39,1 horas) é dos mais elevados entre os países da UE, cuja média semanal de permanência é de 27,4 horas” para esta faixa etária, alerta-se no estudo elaborado pelo Conselho Nacional de Educação. Ou seja, há uma diferença superior a 10 horas entre a realidade em Portugal e aquilo que em média se passa na União Europeia.
Mas a realidade pode ainda ser mais grave, como mostra a informação divulgada no último balanço feito pelo Ministério do Trabalho e Segurança Social (MTSS) sobre a rede de equipamentos existentes (Carta Social). Onde por exemplo se fica a saber que 45% das crianças que estavam em creches em 2018 ficavam lá até oito horas por dia e 46% entre oito e dez horas diárias.
“Precisamos que o Estado adopte políticas públicas que permitam, de facto, a conciliação entre a vida profissional e a vida familiar. Não é razoável que as crianças passem mais horas nas creches do que os pais nos seus lugares de trabalho”, comenta Sofia Ramalho, alertando que esta longa permanência “não é positiva nem para as crianças, nem para os pais”.
O diagnóstico sobre as razões que levam a esta situação está feito em vários estudos sobre o mercado de trabalho em Portugal, que dão conta da pouca flexibilidade dos horários de trabalho e da reduzida expressão da jornada a tempo parcial. Esta é aliás uma das realidades que o Governo assumiu querer mudar no âmbito do programa para a conciliação da vida profissional, pessoal e familiar (3 em Linha), aprovado no ano passado.
Entre as muitas medidas elencadas neste programa, embora sem datas para a sua concretização, figuram a de se promover “regimes de horários de trabalho favoráveis” à conciliação entre vida pessoal e familiar. A responsabilidade por esta área ficou a cargo do Ministério do Trabalho e da Segurança Social.
Um problema de equidade
Por agora continuamos “muito longe de ter políticas que levem a que as vidas familiares não sejam tão absolutamente difíceis”, constata a psicóloga Sofia Ramalho. Enquanto tal assim for, “vamos continuar a ter pais a viver em constante stress e em estado de angústia, o que vai privar também as crianças de terem progenitores mais saudáveis, com maior disponibilidade para brincar com elas e responder às suas necessidades”. E a este quadro junta-se o longo período de tempo diário que passam separados, o que afecta “as relações de vinculação entre filhos e pais, que são essenciais no desenvolvimento” dos mais pequenos.
Na Carta Social relativa a 2018 indica-se que existiam, no continente, 2570 creches (um aumento de 73% por comparação a 1998), com uma oferta total de 117.300 lugares, dos quais 63% eram comparticipados pelo Estado. Esta é uma proporção que remete para outro problema no que respeita à frequência das creches, mais exactamente o da “equidade de acesso” a estes equipamentos, que passa por garantir um lugar a todas as crianças em “contextos educativos de qualidade”, frisa Sofia Ramalho.
E como se avalia se um espaço é de qualidade ou não? “Quando tem um rácio adequado do número de adultos e de crianças, pessoal qualificado para trabalhar o desenvolvimento relacional, respostas às necessidades que vão tendo, garanta um ambiente de segurança e promova o bem-estar emocional das crianças”.