Crise climática: esta ameaça já aquece o presente — e o planeta
O P3 desafiou cinco jovens a apontar as causas do futuro. Este é o primeiro texto de uma série de quatro e foca-se na emergência climática: o planeta está a aquecer, o nível dos mares a subir, a chuva cada vez mais escassa. O que está a ser feito e o que falta fazer para reverter o panorama?
Era Dezembro de 2018 e Greta Thunberg enfrentava uma plateia de líderes mundiais na Cimeira do Clima. Sem papas na língua, acusou-os de “não serem maduros o suficiente” para encarar “o peso das alterações climáticas”. O discurso foi um gatilho: por todo o mundo, estudantes começaram a faltar às aulas pelo clima, inspirados pela activista sueca de 16 anos. O Reino Unido e a Irlanda declararam emergência climática. António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, foi capa da Time e afirmou ser essencial que “todos se juntem” para “reverter a situação actual”.
Caso ainda não estivesse clara a preocupação dos jovens relativamente ao tema, ficou reafirmada no encontro do P3 com Berta Valente Santos, Fernando Teixeira, João Pedro Costa, Rianne Ruviaro e Rita Regadas. Depois de lançado o desafio para serem escolhidas as causas do futuro, o debate aconteceu na redacção do PÚBLICO, no Porto. A decisão foi unânime: esta é uma luta que está longe de se esgotar. Um estudo feito pela Fundação Calouste Gulbenkian (Preferências Intergeracionais da População Portuguesa) mostra que 77,4% dos inquiridos considera que cada geração deve transferir mais recursos para a geração seguinte do que os que recebeu da geração anterior (cenário que muda se estiver implicado um aumento de impostos). E 41,6% concorda que devem ser encerradas indústrias poluentes, ainda que isso signifique menos emprego.
O planeta já aqueceu 1 grau Celsius em relação às temperaturas registadas na era pré-industrial. De hábitos de consumo à desflorestação, passando por greenwashing (“um saco biodegradável que afinal não o é” e cápsulas de café “amigas do ambiente”) e pela falta de condições que os países oferecem aos cidadãos para serem mais verdes, são várias as causas apontadas para a situação de emergência climática — que já se faz sentir. “O calor é mais extremo e as temperaturas mais elevadas, a precipitação média anual tem diminuído em todo o território nacional e também se verifica uma subida do nível médio do mar, que ainda não é muito significativa, mas será um dos maiores problemas com que vamos ter de lidar”, refere Luís Filipe Dias, investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
De acordo com um relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla inglesa), para evitar que a temperatura aumente mais do que 1,5 graus Celsius — meta que para ser alcançada exige que as emissões de gases com efeito de estufa diminuam em 45% até 2030 e sejam nulas em 2050 —, devem ser tomadas “medidas sem precedentes”.
“Acabar com a desflorestação e plantar milhares de milhões de árvores, reduzir drasticamente o uso de combustíveis fósseis e apostar nas energias renováveis, mudar para uma agricultura sustentável e procurar novas tecnologias, nomeadamente de captação e armazenamento de carbono” foram algumas das recomendações feitas por António Guterres no Climate Finance Ministerial Meeting, em Outubro de 2018. Em teoria, as soluções são sabidas. Mas, para Mourana Monteiro, estudante de mestrado em Neurociências na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, “falta pôr em prática o que já se sabe”.
O que fazer para reverter a situação?
A jovem de 22 anos, envolvida na Greve Climática Estudantil, atende o telefone ao P3 a partir da Bajouca, em Leiria, onde se preparava para acampar entre os dias 17 e 20 de Julho, em protesto contra os contratos de prospecção e exploração de petróleo e gás na Zona Centro, com dois furos marcados na Bajouca e em Aljubarrota. “É necessário começar a estudar as áreas que mais precisam de intervenção e, sobretudo, a dizer a verdade acerca de muitas indústrias”, atira.
Luís Filipe Dias acredita que a União Europeia está “na linha da frente” no combate à emergência climática. A recém-eleita presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, comprometeu-se a apresentar um Green Deal para a Europa nos primeiros 100 dias de mandato e disse querer fazer da Europa o primeiro continente com neutralidade climática até 2050. Algo que o investigador acredita que pode, de facto, acontecer: “Com os avanços tecnológicos a que vamos assistindo, acredito que surja algo novo que resolva a situação.”
A reversão do panorama actual não depende, contudo, apenas da tecnologia. É preciso mudar hábitos, alertar consciências. Noah Zino, estudante de 17 anos também envolvido na Greve Climática Estudantil, acredita que a sensibilização para o tema já está a acontecer: “Já vimos muitas organizações a juntarem-se a nós e uma maior mobilização política. Vários partidos quiseram ter reuniões connosco para discutir as alterações climáticas.” E acredita que individualmente, as pessoas começaram a alterar comportamentos.
Mas os hábitos individuais têm “duplo sentido”, acredita: “Não contam tanto para mudar o problema sistémico, mas têm um papel importantíssimo.” Berta Valente Santos partilha da mesma opinião: “O individual está a tentar, mas depois temos a desflorestação no Brasil, o Trump que ignora... Isto tem de ser uma preocupação mundial.”
Para que as rotinas sejam totalmente alteradas, é preciso que sejam dadas as condições. “Se uma pessoa recebe o ordenado mínimo, não se lembra de reciclar. E há o factor económico: com as despesas — água, luz, gás — não sobra muito dinheiro para fazer opções sustentáveis. Um copo de plástico custa 30 cêntimos; o de vidro, 50. As pessoas vão para o primeiro”, defende João Pedro Costa.
“A redução do preço dos passes, por exemplo, foi um pequeno passo para tornar os transportes públicos numa boa opção”, acredita Mourana. Ainda assim, “se queremos que as pessoas deixem o conforto do seu carro, é preciso que os transportes públicos sejam melhores, com horários que consigam responder às necessidades das pessoas, e um investimento no interior do país”, continua. Fernando Teixeira corrobora: “As estações ferroviárias estão desactivadas, as linhas são obsoletas. Um país tão pequeno podia estar todo interligado.”
Viver numa sociedade de consumo pode também não resultar: “Capitalismo e justiça social são incompatíveis. Pelo menos o capitalismo como o conhecemos”, afirma Helena da Silva, activista da Climáximo. “Não é possível pensar num futuro verde para uma sociedade que continua a consumir infinitamente, num planeta onde os recursos são finitos”, complementa Mourana.
O futuro deverá passar pela economia circular, acredita Noah. “É muito difícil dizer a uma empresa que agora só pode ter um modelo disto ou daquilo. É mais fácil dizer que se vai impedir que os materiais sejam descartados e que depois do tempo de uso de um objecto, ele será devolvido à empresa para ser reutilizado.”
Os planos de adaptação à mudança do clima
Enquanto o mundo vai trabalhando na mitigação das alterações climáticas, Luís Filipe trabalha na adaptação. Isto é, “depois de constatada a existência de um problema que não pode ser resolvido de imediato”, propõe medidas para melhor lidar com ele. “Sou urbanista, mas não faço desenho urbano. Dou orientações para projectos relacionados com arquitectura bioclimática, cuidados com o espaço público — sempre na vertente de diminuição do risco associado às alterações climáticas”, explica.
Recentemente, trabalhou num “plano intermunicipal de adaptação às alterações climáticas” no Algarve. A sua investigação fez verificar que, “no pior cenário, isto é, mantendo-se a situação como está, a água não será suficiente para fazer face às necessidades das pessoas”. Projectou “coisas do quotidiano, mas com uma perspectiva prevenção para o futuro”: “paisagens de retenção de água, alteração de coberturas nos jardins, para a rega ser menos necessária, e uma central dessanilizadora para o final do século”. Porque, “se formos pelo pior cenário” (o actual), se em 2080 não houver uma central, “o Algarve não tem água suficiente para a agricultura que temos actualmente e para satisfazer as necessidades de consumo”.
Para Oeiras, o investigador está a desenvolver um projecto de “arquitectura bioclimática”. Tendo em conta a arquitectura de um edifício, a sua envolvente, “as correntes de ar e a disposição das janelas, que podem ou não ter palas”, é possível fazer com que um edifício aqueça no Inverno e não aqueça no Verão.
A luta pelo clima vai continuar. Está marcada uma nova greve — desta vez geral — para 27 de Setembro. Os estudantes têm desafiado sindicatos e trabalhadores a fazer greve, porque, relembram, “sem planeta não há trabalho”. E, nas palavras de Greta, está na altura de agir como “se a nossa casa estivesse em chamas”. Até porque o calor já se sente.
Artigo actualizado às 16h09. Foi corrigida uma citação no 12.º parágrafo que se encontrava incorrecta.