Taarabt: quilos e noitadas a mais, esforço e futebol a menos

O jogador marroquino chegou ao Benfica em 2015, depois de uma carreira de altos e baixos. Somou, no sábado, 1387 dias depois, os primeiros minutos em jogos oficiais pelos “encarnados”.

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Taarabt estreou-se pelo Benfica frente ao Tondela. LUSA/MIGUEL A. LOPES

O Benfica quer provar que há vida depois da morte. Pelo menos, a nível futebolístico. Adel Taarabt “morreu” para o futebol – o próprio chegou a assumi-lo –, mas Bruno Lage acredita no ressuscitar de um talento desacompanhado do empenho. Taarabt é o único jogador mundial que, em poucos meses, conseguiu passar de jogador insuficiente, para um modesto Queens Park Rangers, a craque que “sentou” Kaká e Robinho, no “gigante” AC Milan. E isso, por si só, já é uma boa história.

Em Portugal, Taarabt não somava um único minuto pelo Benfica em jogos oficiais, até jogar no último sábado, frente ao Tondela. Somava, sim, sete jogos pela equipa B. E era só. Descontando a equipa B, o único golo de Taarabt em solo português foi no Restelo, num particular entre… Angola e Marrocos. Pecúlio bem longe daquilo que esperava o Benfica quando aceitou pagar cerca de três milhões de euros para ter Taarabt, mais os cerca de 2,3 milhões de euros que lhe paga anualmente.

Numa carreira de altos e baixos, Taarabt tem feito valer, sobretudo, os “baixos”. Ricardo Rocha, ex-central que jogou com o marroquino no Tottenham, assistiu, na primeira fila, à estreia promissora do médio. No primeiro jogo pelos londrinos, em 2006, com o português sentado no banco, Taarabt entrou aos 87 minutos. A equipa perdia por 3-2, frente ao West Ham, mas, poucos minutos depois, estava a celebrar a vitória por 4-3.

Mas Ricardo Rocha também assistiu ao resto. Ao excesso de peso, à indisciplina e à vida nocturna, que pouco dignificaram o talento do pé direito de Taarabt. Ao PÚBLICO, o ex-jogador assume que essa fase prejudicou o médio, recorda os tempos da tentadora noite londrina e diz que poderia ter sido ainda pior. “Em Londres, não era fácil, mas o irmão, mesmo assim, ajudava-o bastante [a sair menos]”.

Além das noitadas, Adel Taarabt chegou a ser acusado de falta de profissionalismo e empenho nos treinos, sobretudo por Harry Redknapp, técnico que o definiu como “o jogador menos profissional” que tinha treinado. Ricardo Rocha assume que este rótulo é verdadeiro, mas tem uma explicação: “O Redknapp dizia isso porque o Adel nunca era opção. Ele punha-o a jogar nas reservas e o Adel não tinha interesse em jogar na equipa secundária”.

Culpou Rui Vitória

Taarabt chegou ao Benfica em 2015, depois de uma passagem de sucesso pelo AC Milan (emprestado pelo QPR) e de o clube inglês não querer continuar com o peso salarial do marroquino.

Ricardo Rocha crê que o Benfica contratou “um talento incrível”. “Tem uma qualidade técnica inacreditável e é muito forte no um contra um. É um jogador fabuloso”, define o ex-central, tal como Miguel Santos, actual guarda-redes do Astra Giurgiu, da Roménia, que se cruzou com Taarabt na equipa B do Benfica. “Tem uma capacidade técnica ao nível de poucos que já vi até hoje. Uma capacidade de resolver problemas sob pressão e de encontrar passes que poucos mais são capazes de vislumbrar”, elogia, em declarações ao PÚBLICO.

Apesar de ter nascido no norte de Marrocos, Taarabt foi internacional sub-17 e sub-19 por França, equipa na qual o talento lhe valeu comparações com Zidane. Apesar de ser “estrela” desde muito novo, os ex-colegas explicam que Taarabt é uma pessoa humilde e que precisa de carinho. “Ele tem de sentir-se confiante e importante. Quando não sente essa confiança, cai muito”, argumenta Ricardo Rocha.

O problema, na Luz, não foi diferente dos que teve noutros países: falta de profissionalismo. Ricardo Rocha confidencia que Taarabt lhe assumiu que chegou a Portugal com excesso de peso, embora o jogador garanta que sempre treinou bem. “Treino, treino e ele [Rui Vitória] não me dá uma única oportunidade, nem nos jogos amigáveis. Claro que eu não fui um jogador escolhido por ele. O presidente perguntou aos meus companheiros se eu treinava bem e eles disseram-lhe que sim e que não entendiam por que motivo eu não estava a trabalhar com o grupo”, chegou a dizer o médio, à imprensa francesa.

O ano na equipa B do Benfica, em 2015/16, foi penoso e Miguel Santos recorda a postura de Taarabt: “Por muito que por vezes [a postura] não fosse a melhor, só nós, jogadores, conseguimos entender quando chegamos a um clube com promessas disto e daquilo e depois as coisas não acontecem assim”.

Para Taarabt, esse ano foi passado, quase na totalidade, a par de Bilal Ould-Chikh, outro jovem talento, já libertado pelo Benfica, que também ficou a dever algo ao empenho. Miguel Santos recorda-nos um episódio com os dois. “Tenho uma história engraçada que envolve o Adel e o Bilal. Certo dia, depois do treino, eu precisava de boleia para voltar para Lisboa e o Bilal disse que me levava. Ele tinha um Mercedes C63 AMG, mas, do nada, aparece o Adel a dizer que também me podia levar no seu Ferrari F12. Durante um bocado eles ficaram a “discutir” para ver quem me levava do Seixal até Lisboa. Acabei por ir com o Adel, mas com qualquer um ficava bem”, contou, entre risos.

Uma conversa bastou para o enviar de volta

A vida de um futebolista de topo é, para muitos, uma quimera. O problema é quando se perde o amor pelo jogo. E Taarabt perdeu. “Perdi a motivação e o amor ao futebol. Eu era um apaixonado. Via os jogos de todos os campeonatos. Mas perdi completamente o amor ao futebol”, explicou, em 2017, em entrevista ao “Morocco World News”.

Em 2016, já depois do tal ano na equipa B, o Benfica quis reabilitar Taarabt. Planeou emprestá-lo ao Munique 1860, da Alemanha, e o marroquino, com tudo acertado, viajou para o sul germânico. O problema é que, depois de conhecerem Taarabt pessoalmente, os dirigentes do Munique 1860 já não quiseram avançar com o negócio. Este episódio, um dos mais bizarros da carreira de Taarabt, ilustra a forma como o marroquino nunca soube seduzir, fora do campo, da forma que chegou a seduzir dentro dele.

Esfumou-se a Bundesliga, veio a Série A. O empréstimo ao Génova reabilitou Taarabt e o marroquino mudou: “Comecei a comer e beber bem. E já não saio à noite como dantes”.

Por extensão, veio o bom futebol. O jogador chegou a ser o driblador mais eficaz das principais ligas europeias. Segundo o site Who Scored, Taarabt, então no Génova, bateu nomes como Messi ou Neymar na percentagem de dribles bem-sucedidos. Chegou a ter mais de 93% de sucesso nos dribles, contra 71% de Messi e 70% de Neymar, por exemplo.

A última oportunidade?

Após o regresso ao Benfica, no Verão, Adel Taarabt estará a ter a última oportunidade de convencer o clube e os adeptos “encarnados”. Uma oportunidade de provar que é, dentro de campo, um Ferrari parecido com aquele que conduz. Até aqui, na Luz, não tem sido um “carro” de alta cilindrada, mas apenas uma “bicicleta”. Sem pedais.

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