Vaticano tenta recuperar de um "Verão de Inferno" em 2018

O ano começou com o Papa Francisco a criticar as acusações contra um bispo chileno e acabou num ambiente muito diferente, com menos espaço para defesas públicas. Pelo meio, estalou um novo escândalo nos EUA e um cardeal foi destituído do sacerdócio.

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O Papa Francisco enfrentou um pedido público de demissão em 2018 Reuters/VATICAN MEDIA

No dia 13 de Março de 2013, quando o cardeal francês Jean-Louis Tauran revelou o nome do novo Papa a partir da varanda da basílica de S. Pedro, muitos dos católicos que enchiam a praça do Vaticano foram apanhados de surpresa. Quem seria, afinal, o cardeal Jorge Mario Bergoglio, e que missão tinha ele para uma Igreja Católica acusada de se distanciar dos fiéis e cada vez mais mergulhada em escândalos de abusos sexuais?

Nos últimos seis anos, ficou claro que os cardeais confiaram ao Papa Francisco uma missão reformista; e poucas reformas eram tão necessárias como uma mudança profunda em relação às denúncias de abusos sexuais.

Foi essa necessidade de mudança que o ano de 2018 veio demonstrar, com uma série de escândalos e novas denúncias que "desbarataram muito do capital político que o Papa foi conquistando" entre 2013 e 2017, como escreveu o site norte-americano Crux num balanço do ano publicado em Dezembro.

"Os apelos à defesa dos imigrantes e à protecção do ambiente, por exemplo, foram largamente ignorados", escreveu o jornal, dando como exemplo supremo a visita do Papa à Irlanda, em Agosto, "dominada pela percepção de que Francisco reagiu de forma desigual ou atrasada à crise dos abusos".

Pedido de demissão

Durante essa visita, um antigo embaixador do Vaticano nos EUA, o arcebispo Carlo Maria Viganò, acusou o Papa Francisco de ter fechado os olhos às denúncias contra o poderoso cardeal norte-americano Theodore McCarrick – e, numa rara atitude de confronto, pediu ao Papa que se demitisse.

Jornais como o New York Times e o Guardian puseram em causa a credibilidade da acusação contra o Papa, mas a carta do arcebispo Viganò foi apenas um dos vários sinais de alarme na Igreja Católica em 2018. Em particular durante o Verão, uma época a que o arcebispo de Nova Iorque, Timothy Dolan, chamou o "Verão de Inferno" da Igreja Católica.

A meio do ano, dois casos nos EUA vieram mostrar que é cada vez mais difícil para o Vaticano manter as denúncias de abusos sexuais dentro de portas, apesar de não haver ainda sinais de colaboração total com a polícia e os tribunais.

Em Junho e Julho, o passado de abusos sexuais do cardeal McCarrick veio finalmente ter com ele, e a Igreja viu-se forçada a tomar uma decisão – aos 88 anos, McCarrick perdia o título de cardeal e o lugar no Colégio Cardinalício, algo muito raro na história do Vaticano.

E em Agosto, o mundo católico voltou a ser abalado por um escândalo de abusos sexuais, desta vez no estado norte-americano da Pensilvânia: mais de mil vítimas e pelo menos 300 padres acusados, com o primeiro caso registado em 1947.

Mas esse "Verão de Inferno" de 2018, que muitos esperam vir a recordá-lo como o ano zero de uma nova atitude da Igreja Católica perante os abusos sexuais, estava anunciado desde Janeiro.

Nesse mês, durante uma vista ao Chile, o Papa defendeu com unhas e dentes um padre acusado de vários abusos e o bispo que o encobriu, dizendo que tudo não passava de "calúnias" – uma posição pública que seria hoje mais difícil de justificar, apenas um ano mais tarde.

Num sinal dos tempos, a pressão no Chile foi tanta, que o Papa Francisco passou da defesa ao ataque em poucos meses: em Maio aceitou a demissão do bispo Juan Barros, e em Setembro o padre Fernando Karadima foi reduzido à condição de leigo.

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