Jeremy Corbyn advertido para sangria no Labour
Líder trabalhista nega que os deputados que abandonaram o partido não tenham sido ouvidos, depois de figuras próximas da direcção o aconselharem a reflectir sobre as críticas, para evitar mais fracturas. Novo movimento pisca o olho aos conservadores.
A renúncia de sete deputados à sua filiação no Partido Trabalhista, na segunda-feira, voltou a expor as profundas divisões que existem no Labour em redor do seu líder e da fixação do partido à esquerda desde 2015. A possibilidade de novos abandonos foi reconhecida, esta terça-feira, por figuras próximas de Jeremy Corbyn, que o aconselharam a ouvir e reflectir sobre as críticas que lhe são feitas, para evitar uma sangria dentro do maior partido de oposição do Reino Unido.
Corbyn, porém, nega que os demissionários tenham sido ignorados e lembra que foram eleitos para cumprir um programa muito claro, nas eleições de 2017.
“Lamento que sete deputados tenham decidido que já não querem fazer parte do Partido Trabalhista e agradeço-lhes pelo seu trabalho. Mas espero que reconheçam que foram eleitos para o Parlamento através de um manifesto baseado no investimento no futuro, numa sociedade mais igualitária e mais justa e em justiça social. É esse programa que vamos propor ao eleitorado no futuro, uma vez que goza de enorme apoio”, atirou o líder do Partido Trabalhista, assumindo ter ficado “desapontado” por ver deputados “eleitos para levar a cabo essas políticas” decidirem “seguir por um caminho diferente”.
Jeremy Corbyn garantiu ainda que as estratégias e opções políticas da direcção são “frequentemente discutidas” com os deputados trabalhistas e defendeu que os que dizem e sentem que “não estão a ser consultados” é porque não têm “aproveitado as oportunidades abertas e disponíveis para eles, a toda a hora”.
A resposta incisiva de Corbyn foi antecedida dos apelos de Tom Watson (vice-líder do Partido Trabalhista) e John McDonnell (“ministro-sombra” das Finanças), sobre a necessidade de uma reflexão aprofundada e de um debate interno sobre os motivos que levaram Chuka Umunna e outros seis deputados trabalhistas a abandonar o Labour para formar um novo partido – por enquanto referido como Grupo Independente.
Na lista de razões apresentadas pelos protagonistas da maior cisão no Partido Trabalhista desde 1981, quando quatro figuras proeminentes desertaram para formar o Partido Social-Democrata, constam, para além da agenda “marxista” de Corbyn, a “institucionalização” do anti-semitismo no partido e a estratégia ambígua do líder para o “Brexit”.
Todos os que saíram são a favor de um segundo referendo à saída do Reino Unido da União Europeia, que Corbyn não vê como cenário prioritário, embora garantam que não é requisito para os que se quiserem junta ao “novo movimento” nascido para “reparar um sistema político partido”.
Num vídeo publicado na segunda-feira à noite nas redes sociais, Watson afirmou que o “momento é de desapontamento e de reflexão” e lamentou que o Labour tenha sido “sequestrado por uma forma virulenta de políticas identitárias”.
“Narrativas de traição e gritos insultuosos contra os que partiram podem fazer alguns sentir-se melhor, mas não respondem às razões que os nossos bons colegas tiveram para sair”, assumiu o vice-líder trabalhista. Por isso, defendeu, chegou a altura de “alargar o debate”, para que “todos os membros na sua ampla igreja se sintam bem-vindos na sua congregação” e se impeçam mais saídas.
Na mesma linha, McDonnell – aliado de sempre de Corbyn na ala mais à esquerda do Labour – assumiu esta terça-feira que a liderança do partido tem de “começar a ouvir” as críticas dos deputados, sob pena de perder mais membros. “Precisamos de um exercício de audição gigantesco, maciço, para atendermos às críticas que estão a ser feitas. Se houver questões a que temos de responder, vamos responder; se [o problema] for o estilo de liderança, vamos responder a isso; e se forem questões políticas, também as vamos ouvir”, prometeu o “ministro-sombra” das Finanças.
A “UKIPização” tory
Figura de proa de um movimento demissionário que inclui os trabalhistas Luciana Berger, Chris Leslie, Angela Smith, Mike Gapes, Gavin Shuker e Ann Coffey, Chuka Umunna desdobrou-se esta terça-feira em entrevistas para garantir que há mais trabalhistas a planearem juntar-se ao Grupo Independente, para promover o movimento junto da ala moderada do Partido Conservador e para assumir que tem o objectivo de formar um novo partido “até ao final do ano”.
“Se queremos reparar um sistema político partido não podemos fazê-lo através dos partidos existentes que, na minha visão, tornaram-se no problema”, afirmou Umunna.
“Muitos deputados trabalhistas estão a lutar com as suas consciências, tal como os conservadores desmoralizados com a ‘UKIPização’ do Partido Conservador”, assegurou ainda, numa referência à influência da facção hard brexiteer e ultraconservadora tory – comparada ao partido de extrema-direita UKIP – na estratégia de Theresa May para o “Brexit”.
Sarah Wollaston, Heidi Allen e Nick Boles estarão no grupo de deputados conservadores que pondera aderir à ruptura política trabalhista, adianta o Guardian.
Matthew Goodwin, investigador e especialista em Ciência Política e Relações Internacionais, da Universidade de Kent, diz que “ainda é cedo” para se perceber se o novo movimento político britânico tem capacidade “para sobreviver”. Ao PÚBLICO, o académico britânico argumenta que não existe grande apoio no Reino Unido para um partido ao centro.
“As sondagens sugerem, nos dias de hoje, que apenas 8% dos britânicos estariam dispostos a apoiar um partido centrista e opositor do ‘Brexit’. Em caso de eleições, um partido fundado nesses moldes iria dividir o eleitorado trabalhista e aumentar as probabilidades de um novo e reforçado Governo conservador”, considera.
Para além disso, Goodwin vê limitações na estratégia do Grupo Independente: “Não existe uma mensagem clara ou convincente para além de: ‘Não gostamos de Jeremy Corbyn.’ Estamos a assistir ao nascimento de algo novo mas ainda é muito incerto que perceber se tem condições para sobreviver”.