São cada vez menos os alunos que podem contar com a escola para ter acesso ao mundo digital
Na OCDE são muitos poucos os países onde houve uma quebra no número de alunos com acesso a computadores ou portáteis nas escolas. Portugal é um deles e pode assim estar a contribuir para agravar as desigualdades entre alunos.
Uma das principais mudanças nas práticas de aprendizagem em Portugal, nos últimos anos, foi feita pela negativa: a percentagem de alunos com acesso a computadores ou portáteis nas salas de aula sofreu um forte trambolhão, tendo caído entre 12 a 33 pontos percentuais. Este é um dos resultados apontados no estudo Measuring Innovation in Education, divulgado nesta semana pela Organização para a Cooperação de Desenvolvimento Económico (OCDE).
Para avaliar as mudanças ocorridas nas práticas de aprendizagem no interior da sala de aula, nas escolas e no conjunto do sistema educativo, a OCDE utilizou os inquéritos feitos a professores, directores e alunos no âmbito dos testes internacionais que visam avaliar a literacia dos alunos aos 15 anos de idade e quando ainda estão no 4.º ano de escolaridade. Os alunos do 8.º ano também entram na avaliação, mas como Portugal não participou nestes testes não existem dados relativos a este nível de escolaridade.
Com base sobretudo nas respostas de professores e de directores de escolas, o novo estudo da OCDE dá conta de que no conjunto dos países da organização a percentagem de alunos com 15 anos de idade que têm acesso na escola a computadores de secretária desceu em média de 92% para 80%, mas que em contrapartida o uso de portáteis disparou. Entre 2009 e 2015 a proporção de alunos com acesso a portáteis nos países da OCDE subiu de 33% para 50%. Só se registaram duas excepções: o Japão, com uma queda de cinco pontos percentuais, e Portugal, onde a percentagem de alunos com acesso a portáteis na escola caiu de 55% para 43%.
Mas esta redução é ainda bem mais significativa no 4.º ano de escolaridade. Por exemplo, a percentagem de alunos com acesso a computadores ou portáteis nas aulas de leitura desceu de 47% em 2011 para 14% em 2016. A OCDE não aponta causas para esta retracção, mas pelas datas é possível atribuí-la sobretudo ao fim da distribuição gratuita dos portáteis Magalhães (no 1.º ciclo de escolaridade terão sido distribuídos cerca de 500 mil), iniciada em 2007 pelo Governo de José Sócrates e interrompida em 2011 pelo executivo de Passos Coelho.
Não existe ainda uma avaliação consistente sobre se estes portáteis foram maioritariamente utilizados nas salas de aula, embora alguns estudantes apontem para uma negativa a esta questão, mas neste seu novo estudo a OCDE lembra que o uso de tecnologias de informação de comunicação nas escolas tende a melhorar as estratégias de aquisição de conhecimentos, a reforçar métodos participados de aprendizagem e a desenvolver competências de nível mais elevado.
Apesar de cada vez mais estudantes terem acesso a estas tecnologias, no estudo Measuring Innovation in Education alerta-se que continua ainda a existir o risco destas contribuírem para um agravamento das desigualdades em função da origem socioeconómica dos alunos, caso as escolas não garantam o acesso ao mundo digital a todos os estudantes. Os dados agora revelados colocam Portugal nesta situação de risco.
Práticas de ensino mudaram pouco
O mesmo já não acontece com o acesso a recursos como laboratórios ou bibliotecas escolares. Segundo os directores entrevistados, 41% dos alunos do 4.º ano de escolaridade tinham, em 2015, laboratórios à sua disposição nas escolas, muito além da média da OCDE que então se situava neste item em 26%. E 96% podiam contar com bibliotecas nas escolas, quando a média na OCDE estava nos 88%.
E quanto a práticas de ensino? No estudo agora divulgado Portugal apresenta poucas mudanças, uma vez que os professores entrevistados assumem que no geral aquilo que faziam em 2015 ou 2016 já o praticavam cinco ou seis anos antes. Alguns exemplos:
Segundo a OCDE, apresentar novo vocabulário nas aulas do 4.º ano, pelo menos uma vez por semana, é uma forma dos professores contribuírem activamente para reduzir o fosso na linguagem entre alunos oriundos de meios carenciados e os que vêm de contextos mais favorecidos. Em Portugal, 98% dos alunos do 4.º ano estavam abrangidos por esta prática em 2015, a mesma proporção que foi registada em 2011.
Neste ano de escolaridade, os professores também deram conta de que, pelo menos uma vez por semana, pediram a 99% dos seus alunos para explicarem a interpretação que fizeram de um texto. Em 2011 eram 100%.
Esta é quase também a proporção dos alunos abrangidos pela prática de expor matérias ou ler textos para toda a sala de aula: 94% em Portugal contra uma média da OCDE de 71%. Já optar pela constituição de pequenos grupos, garantindo assim, uma aprendizagem mais personalizada, foi uma prática que sofreu por cá uma contracção de 25 pontos percentuais: em 2011 abrangia 43% dos alunos do 4.º ano, mas em 2016 este valor caiu para 19%.
A mudança mais profunda registada em Portugal diz respeito, contudo, ao modo como os professores se preparam para ensinar. É pelo menos o que se encontra reportado neste novo estudo, onde se aponta que entre 2011 e 2015 a percentagem de alunos do 4.º ano cujos professores prepararam as aulas em conjunto com outros colegas passou de 38% para 87%. Na OCDE a evolução média foi de 45% para 65%. E isto é importante porquê? Porque deste modo, segundo se frisa no estudo, “os professores podem expressar os seus pontos de vista e aprender com as práticas seguidas por outros e assim este trabalho de colaboração torna-se uma importante fonte de desenvolvimento profissional”.