João Miguel Tavares no Dia de Portugal gera críticas: "Há uma diluição da importância das personalidades"
Escolha de João Miguel Tavares para presidir a comissão organizadora das comemorações do Dia de Portugal provocou uma chuva de críticas. Entre antigos governantes e deputados, vários políticos condenaram a escolha do Presidente da República.
Mais ou menos tímidas, as críticas ao convite feito por Marcelo Rebelo de Sousa ao jornalista e colunista João Miguel Tavares multiplicaram-se assim que se soube da escolha do Presidente da República. A selecção de João Miguel Tavares para presidir à comissão organizadora das comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas surpreendeu várias personalidades — incluindo o próprio, como admite em entrevista ao PÚBLICO.
Com um perfil distante do historial de escolhas para a função, João Miguel Tavares — presença assídua na esfera mediática — suscitou vários tipos de reacções negativas. As críticas chegam especialmente da esquerda, quer através de bancadas parlamentares quer por parte de antigos membros do Governo, como é o caso do historiador Rui Vieira Nery e da pianista Gabriela Canavilhas, que tiveram responsabilidades na pasta de Cultura.
A estrutura das críticas repete-se: os comentários começam por listar alguns dos nomes de anteriores presidentes da comissão do 10 de Junho —, pessoas com mais idade, com intervenções menos polémicos e que tinham currículo político ou académico — para logo se lamentar a escolha do jornalista, de forma mais ou menos directa.
“Ao ler a notícia, fiquei furioso com o PÚBLICO, porque achei indecente que tivessem mudado de dia da semana para a publicação do Inimigo Público”, ironiza o diplomata Francisco Seixas da Costa sobre a escolha do colunista que integra também o espaço de comentário semanal do programa Governo Sombra, na TVI. “Ainda hoje não perdi a esperança que fosse só isso”, afirmou ao PÚBLICO o antigo embaixador português.
Também a antiga ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, recorreu à ironia. “Vivemos tempos em que o autor da coluna que conhecemos é catapultado para o mesmo nível de António Barreto, Sobrinho Simões, Sampaio da Nóvoa, Elvira Fortunato, Silva Peneda”, resume. “Depois de 2019, qualquer um pode ser presidente das comemorações. Basta aparecer na TV. Talvez em 2020 seja a Cristina Ferreira”, atira.
Em conversa com o PÚBLICO, a antiga deputada socialista explica as críticas ao que considera uma nomeação baseada no mediatismo do colunista. Com a escolha de João Miguel Tavares “há uma diluição da importância das personalidades nos actos públicos”, condena a antiga ministra da Cultura, contactada pelo PÚBLICO. Gabriela Canavilhas, que no último ano foi nomeada curadora da FLAD — Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento pelo primeiro-ministro António Costa, considera que a nomeação reflecte a “desconsideração de valores que noutros tempos se valorizavam”.
“A importância do trajecto intelectual, da preponderância, do trajecto individual, da intervenção académica e do trabalho científico” são “desvalorizados em função de mediatismo”, avalia. Para Canavilhas, a estratégia de Marcelo Rebelo de Sousa reflecte “sobretudo uma abordagem popular”, que não se reduz à mais recente escolha do Presidente da República. “Este é apenas um exemplo”, lamenta Gabriela Canavilhas, que diz assistir a essa metamorfose “com preocupação”.
A crítica mais extensa é a de Rui Vieira Nery, secretário de Estado da Cultura durante o primeiro Governo de António Guterres. “O que me perturba nesta escolha não é, obviamente, o princípio genérico do rejuvenescimento do perfil do orador”, começa por justificar num longo texto partilhado no seu Facebook.
O musicólogo queixa-se “de uma desvalorização do estudo aprofundado e da reflexão fundamentada sobre as questões cruciais da nossa vida colectiva contemporânea” e do “amadurecimento através de uma obra longa e consistente, muitas vezes longe da ribalta e sem resultados visíveis imediatos”. Rui Vieira Nery critica ainda a “tendência perigosíssima dos nossos tempos de relegar a criação artística e literária de ponta ou a investigação científica especializada, em todos os campos, para uma remota prateleira académica, negando-lhe a relevância fundamental”, dando exemplo de várias alternativas que teriam sido, na sua perspectiva, escolhas mais adequadas.
Do lado dos bloquistas e dos comunistas também houve farpas. Na sua página de Facebook, José Manuel Pureza, deputado do Bloco de Esquerda, partilhou a notícia nestes termos: “Não faço nenhum comentário. Não é preciso”, sintetizou, escusando-se a acrescentar declarações. Já o antigo dirigente do PCP, Vítor Dias, recorreu ao seu blogue para propor um negócio ao Presidente da República “Ditosa Pátria, valeroso Presidente, troco um quilo de afectos por 100 gramas de respeito”.
Notícia corrigida: Vítor Dias é antigo dirigente do PCP e não ex-líder parlamentar.