O que aconteceu com a auditoria à Caixa Geral de Depósitos?

A CGD volta a estar debaixo de fogo quase dois anos depois de ter sido alvo de duas comissões de inquérito parlamentares que chegaram a lado nenhum. O PÚBLICO recorda-lhe a história para perceber o posicionamento actual dos partidos.

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shamila mussa

Junho de 2016. Tudo começou com o plano de recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (CGD) desenhado pelo ministro das Finanças Mário Centeno, que implicava uma reestruturação do banco público depois da injecção de mais de cinco mil milhões de euros. PSD e CDS juntaram-se para lançarem uma comissão de inquérito potestativa ao banco público. Foi assim que nasceu em Julho de 2016 o primeiro dos dois inquéritos parlamentares que tinham como objectivo apurar os factos que levaram à recapitalização da Caixa.

As auditorias

PSD, CDS, Governo e Bloco de Esquerda chegaram a defender a necessidade de auditoria ao banco público, cada uma de sua natureza e com diferentes graus de sigilo. 

Os sociais-democratas foram os maiores promotores desta iniciativa e tentaram-no por várias vezes. Primeiro, antes da instalação da comissão de inquérito, o PSD propôs que se realizasse uma auditoria independente e externa ao Banif e à CGD contratada pela Assembleia da República. O facto de ser contratada pelo Parlamento levantou dúvidas legais a Ferro Rodrigues, que pediu um parecer à comissão de assuntos constitucionais. O presidente da Assembleia da República queria saber se enquanto órgão de soberania poderia contratar uma auditoria ao banco público e a resposta do socialista Pedro Delgado Alves foi que não.

Mas esse foi um assunto que provocou uma acesa discussão entre esquerda e direita. PS, PCP e BE votaram um parecer que dizia que o Parlamento não teria poderes para pedir esse trabalho, por estar a interferir em competências de outros órgãos de soberania. Fim da história da auditoria pedida pelo PSD e pelo CDS? Não. O PSD admitia voltar a pedi-la no âmbito da comissão de inquérito.

Mas quando essa altura chegou, já outra estava em marcha. O Bloco de Esquerda propôs a realização de uma auditoria forense que se iniciasse no ano de 1996, à qual nem o PS nem o Governo se opuseram, acabando o Parlamento por aprovar uma recomendação ao Governo, que realizasse uma auditoria. Foi desta proposta que acabou por nascer a resolução do Conselho de Ministros de Junho para que a Ernst&Young avaliasse o que aconteceu na CGD, com especial enfoque nas imparidades criadas por créditos duvidosos, desde 2000 até 2015. Um pedido que meses depois, em Setembro de 2016, quando António Domingues foi ouvido no Parlamento, ainda não estava a ser feito.

A revelação de António Domingues, que argumentava que essa auditoria deveria ser feita pelo Banco de Portugal e não pela CGD, levou a novo pedido do PSD, que queria saber o porquê de ainda não ter sido dado cumprimento ao que tinha ficado decidido pelo Governo. Nesse mesmo dia, ao PÚBLICO, o Ministério das Finanças respondia que a auditoria apenas seria feita "posteriormente", quando terminasse a aprovação do plano de recapitalização.

Foi isso que aconteceu e o seu resultado ficou fechado a sete chaves até esta semana. 

O segredo

Desde o início da Comissão de inquérito à CGD que esta se debatia com um problema: a falta de documentos. Como é um banco em actividade, as várias entidades a quem os deputados enviaram pedidos de informação respondiam que não a podiam enviar, alegando sigilo comercial e bancário. Foi isso que fez a CGD, o Ministério das Finanças, o Banco de Portugal e a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários. E os partidos não se entendiam sobre como reagir a este pedido. Havia quem quisesse fazer as audições dos responsáveis logo, outros que apenas queriam depois de analisarem documentos.

Estes foram chegando a conta-gotas, e os principais nunca chegaram. A comissão de inquérito recebeu relatórios, fichas, documentos que eram do domínio público, mas pouco mais, e foi por isso que decidiram recorrer ao Tribunal da Relação de Lisboa para que as entidades entregassem no Parlamento os documentos sobre o banco público. Enquanto houve e não houve decisão, a comissão de inquérito foi suspensa, mas quando regressou, dois meses depois, também não tinha ainda respostas

A resposta do Tribunal da Relação de Lisboa acabaria por chegar em Janeiro e era peremptório: todas as entidades tinham de quebrar o sigilo e entregar os documentos sobre o banco público aos deputados. Nem todos os partidos ficaram agradados com a decisão. O PCP, que sempre se opôs a esta acção, considerava que a decisão do tribunal "fragilizava" a Caixa. A decisão criava ainda um imbróglio jurídico que ninguém sabia como resolver e deu azo a nova recusa da CGD em entregar os documentos. A Relação voltou a confirmar a decisão e o banco recorreu ao Supremo Tribunal de Justiça. Também os reguladores seguiram o mesmo caminho

Pela mesma bitola seguiu o Ministério das Finanças, que entregou um recurso em que dizia que enviar alguns documentos sobre a CGD ao Parlamento poderia ter "consequências sistémicas de dimensão difícil de imaginar". A CGD lembrava que a sua revelação poderia prejudicá-la em relação aos concorrentes.

Tantos problemas ditaram o fim da comissão de inquérito para final de Março, com PS, BE e PCP lado a lado a chumbarem todas as iniciativas que a direita fizesse para prolongar os trabalhos. Sem documentos, os partidos da esquerda admitiam fazer os trabalhos que estavam marcados e produzirem o relatório. Nada mais. 

A comissão de inquérito

Para o que está a ser debatido, é preciso olhar para aquela que ficou conhecida como a "CPICGD 1", ou seja, sobre o primeiro inquérito parlamentar. O segundo, de vida curta, tinha como base perceber o que aconteceu na nomeação e demissão do então presidente da CGD, António Domingues.

Foi uma comissão de inquérito onde estiveram presentes todos os partidos, mas nem todos queriam lá estar. Começou com acusações entre os partidos de instrumentalização do banco público para fins políticos e dessa calha não saiu. Foi uma comissão politizada e que ouviu vários dos responsáveis pelo banco. Por lá passaram presidentes, administradores, ministros e ex-ministros, os que estavam em funções e anteriores. E, sem documentos, a comissão fechou-se com um relatório que acabou chumbado.

O relatório produzido pelo socialista Carlos Pereira chegava a conclusões que não agradavam nem à direita nem à esquerda. As conclusões apanham vários governos e, por isso, várias gestões da Caixa Geral de Depósitos e dizia que os problemas dos grandes créditos concedidos decorreram de “erros de análise” ou de “erros de projecção” e não de “pressões políticas” que tenham sido feitas pelo accionista Estado sobre as diversas administrações do banco público.

Perante o que estava escrito, a esquerda exigia mais e o BE queria mesmo inscrever no relatório que havia "pressões" e "concessão duvidosa de crédito". O documento levou os sociais-democratas a acusarem a esquerda de estar a promover o "maior branqueamento da democracia".

O relatório acabou chumbado, mas não sem ter sido alvo de novela, uma vez que faltaram dois deputados socialistas no dia da votação. 

O regresso da CGD

Depois de mais de um ano debaixo dos holofotes, a CGD voltou a estar nas bocas do mundo com a revelação do relatório de auditoria por parte da antiga deputada do Bloco Joana Amaral Dias. 

Foi esta revelação que levou o CDS a marcar um debate com urgência no Parlamento e em que se percebeu de novo que esquerda e direita estão em lados opostos desta barricada. PS, PCP e BE acusam PSD e CDS de quererem fragilizar o banco público para o privatizarem e a direita acusa os partidos da esquerda de ocultarem o que se passou na CGD. 

No debate esteve também o ministro das Finanças, Mário Centeno, que acusou PSD e CDS de quererem fazer "voyeurismo populista" com o banco público.

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