O ano de quase todas as eleições

O ano que agora começa é decisivo no xadrez do poder político a vários níveis. Primeiro, são as europeias, a 26 de Maio. Depois, as regionais da Madeira, a 22 de Setembro. Por fim, as legislativas, a 6 de Outubro, que ditarão a configuração do próximo Governo. O PÚBLICO antecipa os cenários.

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António Costa vai ver o seu poder desafiado em 2019 LUSA/ANTÓNIO COTRIM

2019 é o ano de todas as eleições. Em cascata, elas sucedem-se: europeias a 26 de Maio, regionais da Madeira a 22 de Setembro e legislativas a 6 de Outubro. Os próximos nove meses serão vividos em campanha eleitoral para, no final, darem origem a um novo mandato de legislatura dos deputados à Assembleia da República, de onde emanará a formação de um novo Governo. Como poderá decorrer cada um desses actos? Quais as estratégias e os objectivos de cada partido em cada um deles? Que factores poderão manter ou fazer mudar o quadro político-parlamentar? Que cenários políticos resultarão das três eleições? São estas as perguntas a que o PÚBLICO procura responder.

1. Europeias: todos querem subir

Como primeiras eleições do ciclo eleitoral de 2019, a escolha dos 21 deputados ao Parlamento Europeu (PE) gera expectativa nos partidos, todos eles apostados em subir nas urnas. Actualmente, o PS tem oito eleitos nos hemiciclo de Bruxelas e Estrasburgo, o PSD seis, o PCP três, o BE e o CDS um cada, e há ainda dois deputados eleitos pelo MPT, há cinco anos, um dos quais é agora independente.

A 26 de Maio é normal que esta distribuição mude, nomeadamente que os dois mandatos obtidos pelo MPT sejam perdidos por este partido, já que em 2014 o resultado foi fruto da campanha pessoalíssima centrada em Marinho e Pinto.

Por outro lado, poderão afirmar-se como players políticos em termos de europeias dois outros partidos, obtendo resultados que lhe permitam a eleição de deputados: o PAN, que se estreou no Parlamento nacional em 2015, apresenta-se às europeias com uma lista encabeçada pelo seu dirigente Francisco Guerreiro; e a recém-criada Aliança, de Pedro Santana Lopes, que tem como cabeça-de-lista Paulo Sande, até agora consultor do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

Embora estas eleições surjam aos olhos de muitos observadores e actores políticos como uma espécie de ensaio geral das legislativas, o que é facto é que do resultado das europeias não se pode tirar conclusões sobre qual a configuração da Assembleia da República a partir de 6 de Outubro. Porque, nas europeias, o eleitorado português reage sempre de forma mais livre nas suas escolhas, uma vez que não está em jogo a decisão sobre quem vai exercer a governação do país.

Outro factor sobre o qual há expectativa nas europeias é saber se podem surgir, no discurso partidário eleitoral, os temas que têm marcado o discurso populista noutros países da União Europeia. Mas a este nível nem se pode falar propriamente de uma estreia, já que há cinco anos Marinho e Pinto afirmou-se precisamente neste plano.

Quanto aos objectivos dos partidos concorrentes, o PS é o que parece jogar para resultados mais altos nestas eleições. Em 2014, obteve 31,46% dos votos e elegeu oito eurodeputados. Foi na noite eleitoral das europeias, aliás, que António Costa, ainda presidente da Câmara de Lisboa, lançou a frase que lhe ficará colada para a vida e com que inovou o léxico político nacional. Caracterizou a vitória do então líder do PS, António José Seguro, como uma “vitória poucochinha”.

O PS ainda não anunciou candidatos, deverá fazê-lo na Convenção para as Europeias, a 16 de Fevereiro, no Porto. Mas, como o PÚBLICO noticiou, serão de novo candidatos os actuais eurodeputados Maria João Rodrigues, Pedro Silva Pereira e Carlos Zorrinho. Resta aguardar pela abertura das urnas na noite de 26 de Maio para saber se Costa será atropelado pelo seu próprio léxico ou se atingirá o objectivo já assumido pelo PS de aumentar a bancada no PE.

Estreia de Rio

As europeias serão decisivas para o presidente do PSD, Rui Rio, que se estreia nas suas batalhas eleitorais enquanto líder. Com apenas seis eurodeputados, eleitos no conjunto de sete conseguidos pela coligação Portugal à Frente com o CDS, num período de ainda grande descontentamento com a governação de Pedro Passos Coelho, o PSD só pode apostar em aumentar a sua representação no PE. Rio ainda não estabeleceu objectivo nem esclareceu se a lista continuará a ser liderada por Paulo Rangel, mas há quem olhe para a estreia eleitoral do presidente do partido como uma prova de fogo da sua afirmação na liderança. Um mau resultado poderá pôr em causa a sua continuação à frente do partido.

Para o CDS, as europeias são também uma aposta e um teste à liderança de Assunção Cristas, sobretudo depois do sucesso pessoal que obteve no seu primeiro combate eleitoral como líder ao obter 20,57% nas autárquicas em Lisboa.

Os objectivos são elevados, tanto que Cristas aproveitou o Congresso do CDS, em Março, para lançar os três primeiros nomes da lista às europeias: o actual eurodeputado Nuno Melo, Luís Pedro Mota Soares e Raquel Vaz Pinto, dando a entender de forma implícita que aposta na eleição de três eurodeputados.

Também o BE já anunciou a recandidatura da eurodeputada Marisa Matias como cabeça de lista ao PE. O objectivo é aumentar de novo os eleitos, já que em 2014 tiveram 4,56% dos votos elegendo apenas Marisa Matias, quando em 2009 tinham conseguido três eurodeputados.

Se o BE tem como objectivo crescer, o PCP ficará vitorioso se conseguir repetir a eleição de três eurodeputados de há cinco anos, com um score que já não conseguia desde 1994. O cabeça-de-lista é de novo João Ferreira, na expectativa de conseguir inverter a erosão eleitoral que sofreram nas presidenciais, em que o seu candidato Edgar Silva ficou pelos 3,94%, e nas autárquicas, em que a CDU teve 9,45% dos votos e perdeu nove câmaras.

2. Madeira: tirar a maioria absoluta ao PSD

Nas eleições da Madeira, convocadas para 22 de Setembro, não é apenas o recorte do futuro parlamento regional que está em jogo. O resultado pode ter repercussão nacional se o PSD-Madeira - liderado por Miguel Albuquerque desde 2014 -, mesmo mantendo condições para formar governo, perder a maioria absoluta que detém no arquipélago desde o 25 de Abril.

Nas regionais de 2015, Albuquerque aguentou a maioria absoluta herdada de Alberto João Jardim por um deputado. Garantiu que a descida do PSD-Madeira era apenas de 25 para 24 mandatos e garantiu mais um deputado do que toda a oposição.

É esse deputado que o PS agora quer roubar-lhe. Para isso, os socialistas, liderados por Emanuel Câmara, anunciaram já que o seu candidato a presidente do Governo Regional é o independente Paulo Cafôfo, que desde 2013 preside à Câmara do Funchal numa coligação entre PS, Partido Democrático e Republicano, Nós, Cidadãos!, BE e Juntos pelo Povo (JPP). Estes dois últimos, já não o apoiaram na reeleição de 2017. A tentar impedir parcialmente o sucesso dos socialistas, está também o PCP.

Além disso, nada garante que, se o PSD-Madeira perder as regionais, não possa formar governo com maioria relativa. Nomeadamente, em aliança ou coligação com o CDS liderado por Rui Barrento, já que em 2015 este foi o segundo partido mais votado, elegendo sete deputados. O parlamento regional está, neste momento, fragmentado: a coligação do PS, PTP, PAN e MPT tem seis deputados, o JPP tem cinco, a CDU e o BE têm cada um dois e o PND tem um. Ou seja, o mais provável é que mesmo que o PSD-Madeira de Miguel Albuquerque perca a maioria absoluta não perderá a liderança do governo.

3. Legislativas: a disputa do poder a Costa

As eleições de 6 de Outubro são as primeiras legislativas que o actual primeiro-ministro, António Costa, poderá ganhar. Se isso acontecer, será nomeado chefe do Governo com legitimidade directa das urnas e não apenas com legitimidade parlamentar, como em 2015. Refira-se que a 1 de Outubro de 2015, o PS ficou em segundo com 32,31%, menos que os 38,50% conseguidos pela coligação Portugal À Frente, formada pelo PSD e pelo CDS e liderada por Pedro Passos Coelho.

São, por isso, umas eleições vitais para Costa. Mas para o PS não basta ganhar nas urnas. O resultado que os socialistas vierem a obter será determinante para o redesenhar do poder socialista na próxima legislatura. Costa e o PS tudo farão para conseguir a maioria absoluta, só obtida por um líder socialista: José Sócrates com 45,03 em 2005.

Até agora, sobre legislativas, o PS e o seu líder pouco disseram e apenas se sabe, como o PÚBLICO noticiou, que Costa pretende renovar as listas eleitorais e abrir espaço aos da sua geração mas, sobretudo, às gerações mais novas de militantes.

Tudo indica também que Costa irá dar sequência e aprofundar uma lógica discursiva estreada no Congresso de Maio e que passa por assumir o PS como o partido-charneira, decisivo na geometria do exercício da governação, tal como o líder-fundador, Mário Soares, o definiu. Ou seja, ainda que não exclua poder vir a assumir de novo entendimentos à esquerda, não fechará a porta à possibilidade de estabelecer acordos pontuais com o PSD. Irá, assim, apelar ao eleitorado do centro com um discurso moderado e sem abrir o jogo em definitivo sobre qual a estratégia de alianças que seguirá se ganhar.

A hora H de Rio

Se as legislativas são decisivas para o PS e para Costa, elas não o são menos para o PSD e para Rui Rio. Ainda que tendo ganho as últimas legislativas e tomado posse como primeiro-ministro, Passos Coelho acabou apeado do poder pela aliança de esquerda que se formou no Parlamento em Novembro de 2015.

Além disso, a erosão eleitoral do PSD tem sido manifesta. Nas últimas legislativas, a coligação Portugal à Frente teve 38,50% dos votos, quando, em 2011, apenas o PSD tinha atingido 38,66%. E as perdas do PSD em autárquicas têm sido significativas: em 2017, conquistou só 79 presidências de câmara e 19 em coligação com o CDS, quando, em 2013, obteve 86 sozinho e 20 em coligação, contra um total de 139 câmaras sozinho, em 2009.

Rio terá assim de fazer tudo para inverter o desgaste eleitoral e afirmar-se como líder, de modo a que as legislativas não sejam a sua última batalha eleitoral, pondo em risco a sua liderança.

Em termos de estratégia eleitoral ainda pouco se sabe do PSD. Apenas que se apresenta autónomo e que Rio quer ganhar no eleitorado ao centro, depois de Passos ter apostado na clara divisão de campos esquerda/direita. Rio fá-lo procurando passar ao eleitorado a imagem de político diferente, centrando muito do seu discurso na ética e na moralização do poder, procurando assim ir buscar eleitorado à abstenção.

Com objectivos menos ambiciosos em termos de percentagens, o CDS joga alto nas legislativas. E os dirigentes não escondem que o objectivo eleitoral de Assunção Cristas é ultrapassar os 11,71% de votos atingidos por Paulo Portas em 2011 – o seu melhor resultado em legislativas a que o CDS se apresentou sozinho e que lhe deu então entrada no Governo.

Testar o exercício do poder

Parceiros de aliança parlamentar do PS e bases de suporte do Governo de Costa, o PCP e o BE têm nas próximas legislativas um desafio de monta. É a 6 de Outubro que vão perceber os efeitos eleitorais reais do seu apoio ao executivo socialista na actual legislatura e só então se saberá se o líder do PS lhes deu ou não o “abraço do urso”.

Apostando num discurso de descolagem do poder socialista já durante o debate do último Orçamento do Estado, o PCP jogará nas legislativas a sua resiliência eleitoral, depois da erosão das presidenciais (Edgar Silva teve 3,94%) e nas autárquicas (perdeu nove câmaras). Isto quando, em 2015, elegeu 17 deputados com 8,25% dos votos.

O mesmo problema se coloca ao BE. Há quatro anos conseguiu 19 eleitos com 10,19% dos votos. Agora, os bloquistas não escondem que querem aumentar a representatividade ou pelo menos mantê-la. Para isso, operaram já uma alteração na sua estratégia discursiva, passando a assumir, desde a Convenção de Novembro, que estão disponíveis para uma nova aliança com o PS. Só que, desta vez, garantem que querem sentar-se no Conselho de Ministros.

Mas nestas legislativas há dois partidos que podem ser factores de alteração no desenho parlamentar. Por um lado, o PAN, que em 2015 elegeu André Silva e poderá manter esse resultado ou ampliá-lo. Por outro lado, a Aliança de Santana Lopes pode vir a ter sucesso eleitoral e conseguir influenciar as regras dos jogos de poder.

4. Maioria relativa: desafio de esvaziar o PS

A dez meses de eleições legislativas é praticamente impossível adivinhar o resultado das legislativas de 6 de Outubro, mas tendo em conta os estudos de opinião e sondagens já feitos há a possibilidade de o PS ganhar com maioria relativa. Na percentagem de intenção de voto, o PS ainda não passou o patamar mágico dos 44,06% com que António Guterres viu a maioria absoluta morrer na praia em 1999, elegendo exactamente metade dos deputados à Assembleia da República (115), e muito menos chegou aos 45,03% que deram a José Sócrates o poder absoluto, em 2005.

No caso de o PS obter uma vitória por maioria relativa, as soluções de governação dependerão da correlação de forças que sair das urnas, ou seja, do resultado de cada partido. Neste momento, é visível que as estratégias de todos os outros partidos parlamentares têm como objectivo esvaziar a hipótese de António Costa eleger pelo menos 116 deputados.

“Governação à Guterres”

Na possibilidade de o PS formar um governo minoritário, há vários desenhos para este se concretizar. Depois de ter recentrado o discurso no Congresso de Maio, o líder socialista poderá partir para o que ficou na história do Largo do Rato como uma “governação à Guterres”. Ou seja, não fazer acordo permanente com nenhum dos partidos e ir gerindo a aprovação de medidas no Parlamento usando uma geometria variável: umas vezes à esquerda, outra à direita.

É expectável que todos os outros partidos procurem a seu modo influenciar um governo minoritário do PS. O líder do PSD, Rui Rio, foi mesmo eleito pelos militantes do partido após assumir, preto no branco, que não será por si que o PS não governará. Durante a campanha interna, numa entrevista ao PÚBLICO, Rio garantiu que nunca faria a Costa o que este fez a Passos Coelho em 2015.

Além disso, Rio tem a seu favor o facto de haver os chamados “acordos de regime” que só se fazem entre o PS e o PSD: alterações estruturantes do Estado, da economia e da sociedade. Mas o líder do PSD poderá beneficiar do facto de Costa ter reassumido o PS como partido-charneira, ou seja, de o actual primeiro-ministro querer sê-lo de novo negociando com as duas alas do hemiciclo de São Bento e assumindo o centro do sistema.

Sem repetição

Impossível parece ser a repetição dos actuais acordos que suportam o Governo de Costa. Nem o líder do PS os quer repetir nos mesmo termos. Nem a líder do BE, Catarina Martins, ou o líder do PCP, Jerónimo de Sousa, o farão. Aliás, Catarina e Jerónimo já deixaram claro que a actual aliança não se repetirá nos mesmos termos.

E se Costa e Jerónimo ainda não abriram o jogo sobre como um futuro acordo se poderá estabelecer, Catarina Martins usou a Convenção do BE para elevar o patamar de exigências: os bloquistas querem participar no Governo. Uma meta que Costa dificilmente deixará que o BE alcance.

Acresce à incerteza sobre o futuro xadrez parlamentar a incógnita dos resultados obtidos pelo PAN e pela Aliança. Se o score do PS ficar próximo da maioria absoluta, os socialistas poderão trazer estes dois partidos, ou um deles, para os equilíbrios de negociação parlamentar de suporte do Governo.

5. Maioria absoluta: o patamar mágico

Voltar a ultrapassar o patamar mágico da maioria absoluta é o sonho eleitoral do PS e de António Costa. Para o conseguirem, os socialistas terão de ultrapassar a fasquia dos 44,06% que em 1999 deram um Parlamento empatado a António Guterres (115) e atingirem um resultado na ordem do que José Sócrates obteve em 2005: 45,03% dos votos.

O desejo da maioria absoluta parece difícil quando se analisam os cenários futuros a dez meses das legislativas, mas tudo indica que com o mesmo vigor e determinação que Costa procurará obtê-lo, os outros partidos o tentarão impedir. Afinal, o peso político que PSD, CDS, BE, PCP e até o PAN ou a Aliança terão depende de o PS falhar a eleição de 116 ou mais deputados.

Por outro lado, não é de excluir que mesmo com a maioria absoluta o líder do PS procure obter consensos e negociar medidas com os outros partidos parlamentares e, por maioria de razão, com o PSD. Não só pela imagem de abertura que essas negociações lhe darão, mas, sobretudo, porque há matérias estruturantes e reformas de Estado que só são garantidas se forem votadas pelos dois principais partidos.

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