Eurocracia em Lisboa: a “escolha” dos socialistas europeus
A comparação entre a forma como o PPE e o PSE encaram a indicação de um candidato a Presidente da Comissão diz muito sobre o modo como vêem e como vivem a democracia europeia
1. Nos próximos dias 7 e 8 de Dezembro, o Partido Socialista Europeu (PSE), organiza o seu Congresso em Lisboa. Deveria ser o Congresso em que os delegados dos partidos nacionais escolheriam o seu candidato ao posto de Presidente da Comissão Europeia. Mas, infelizmente, e já pela segunda vez consecutiva, não será. Em Lisboa, nenhum delegado socialista escolherá nada nem ninguém. Já alguém, nos corredores de Bruxelas, escolheu por eles.
2. Tendo em vista as eleições europeias de 2014, cada uma das maiores famílias políticas acordou apresentar um candidato ao lugar de Presidente da Comissão Europeia. Tratava-se de reforçar a democracia europeia, imitando o que se passa a nível nacional nas eleições legislativas, em que cada partido apresenta o seu candidato a chefe de governo.
Na corrida eleitoral de 2014, o PPE levou a sério este desenvolvimento constitucional, compreendendo a sua importância para o aprofundamento da democracia europeia. Abriu um processo de competição interna para a designação do candidato do PPE ao lugar de Presidente da Comissão. E logo apareceram duas candidaturas: a de Jean-Claude Juncker e a de Michel Barnier. No Congresso de Dublin, os delegados vindos de toda a União, depois de uma disputada e intensa campanha em jeito de primárias, puderam escolher entre os dois. O resultado é conhecido: venceu Juncker. Já na qualidade de Spitzenkandidat – digamos, de “cabeça de lista” – o antigo primeiro-ministro luxemburguês fez campanha por toda a Europa. O PPE venceu as eleições com maioria relativa e Juncker foi capaz de reunir um apoio parlamentar maioritário suficientemente forte para o Conselho Europeu ter sido forçado a nomeá-lo. Este foi um processo aberto, competitivo, leal e transparente; primeiro, dentro do partido; depois, na praça pública e nas urnas europeias.
Em 2018-2019, o PPE fez o mesmo. Acreditando nas virtualidades e na virtude democrática de dar a voz aos militantes, aos partidos membros e aos delegados, organizou uma competição eleitoral interna, a que concorreram Manfred Weber, líder parlamentar no Parlamento Europeu, e Alex Stubb, antigo primeiro-ministro finlandês. Cada um fez a sua campanha nos Estados-membros e em diferentes iniciativas do PPE, tudo se consumando no Congresso de Helsínquia com um debate e a habitual parafernália eleitoral de umas primárias. Ganhou Weber, que será agora o candidato de toda a família PPE.
3. Enquanto o PPE abraçou este trilho democrático tanto em 2014 como em 2019, que fizeram os socialistas europeus? Em 2014, não organizaram um debate interno; limitaram-se, na velha tradição das combinações de corredor, a entronizar um candidato: Martin Schulz, então Presidente do PE. Não houve eleições primárias, não houve debate interno, não houve escolha por parte dos delegados, não houve eleição no Congresso. Houve uma decisão do “bureau” do partido, uma decisão de candidato único, depois artificialmente ratificada em Congresso. Desencadear um processo de escolha de um candidato a Presidente da Comissão para democratizar a União e depois reduzir tudo a um processo tipicamente burocrático e tecnocrático é uma contradição nos termos. Eis como em 2014, o PSE foi capaz de transformar um mecanismo que visava a democratização da União no mais típico e opaco expediente da eurocracia bruxelense.
Agora, em 2018-2019, o que fizeram os socialistas europeus? Quando se esperava que houvessem aprendido algo com o processo de 2014 e que estivessem preocupados com a vaga populista que está em curso nos quatro cantos da UE, limitam-se a repetir o erro. Mais uma vez, os socialistas europeus renunciam a abrir umas eleições internas, a tornar transparente a escolha, a dar poder aos delegados dos partidos nacionais. Ao invés, fecham as portas dos seus gabinetes e tudo decidem nos bastidores. É sabido que chegou a haver veleidades de candidatura do ex-chanceler austríaco e do comissário eslovaco, mas o PSE tratou de fazer abortar qualquer laivo de competição interna. Mais uma vez, com consequências que se antolham sombrias, optou pela nomeação elitista do candidato único. Assim, de cátedra, nomeou o holandês Timmermans, actual vice-presidente da Comissão e companheiro de luta e de partido do nosso velho conhecido Dijsselbloem.
4. A comparação entre a forma como o PPE e o PSE encaram a indicação de um candidato a Presidente da Comissão diz muito sobre o modo como vêem e como vivem a democracia europeia. Mas, processo de nomeação aparte, vale a pena olhar com olhos de ver para o candidato cooptado pela eurocracia socialista.
Timmermans pertence ao partido trabalhista holandês e foi ministro dos Negócios Estrangeiros, quando o seu líder, Jeroen Dijsselbloem, era ministro das Finanças. É conhecida a posição da Holanda sobre Portugal durante o período da Troika, quando Timmermans chefiava precisamente as relações externas. Era o tempo em que o seu líder Dijsselbloem achava que merecíamos castigo porque gastávamos o dinheiro em álcool e mulheres. Por mais que agora se doure a pílula, é também sabido que defende uma União Europeia minimalista, advogando uma farta devolução de poderes aos Estados e a desregulação, nunca mostrando entusiasmo com a reforma da zona euro. É este o seu programa, é este o seu currículo. Eis a personalidade que o consenso burocrático do petit comité de dirigentes socialistas nos reservou para ser aclamada num pseudo-congresso.
5. A 7 de Dezembro o PS português e Costa vão ser anfitriões dos primeiros-ministros da Roménia, da Eslováquia e de Malta, países em que os sinos dobram pelo Estado de Direito, pela separação dos poderes, pela liberdade de imprensa. Tanto se fala – e bem – na Polónia e na Hungria; ninguém pergunta a Costa como convive tão tranquilamente com estes exemplos de socialismo? Como pode tolerar a acção de um Dragnea ou de um Fico? Como pode incensar três primeiros-ministros adeptos da “democracia iliberal”?
SIM. Carvalho Guerra. Dia 29, na comemoração dos 40 anos da Universidade Católica no Porto, foi homenageado. A Católica deve-lhe muito; o país também. O mais humanista dos “empreendedores do conhecimento”.
SIM. José de Freitas. Dia 29 tornou-se Presidente do CCBE, a associação europeia das “ordens” dos advogados. Com uma cultura profissional ímpar, representa o melhor da advocacia lusa e europeia.