Populismo em Portugal ainda não chegou aos partidos parlamentares

Catarina Martins usa recursos populistas. Rui Rio usa “localismos” que aprendeu como autarca. No ano de todas as eleições, será que a política portuguesa vai ser contaminada pelo populismo?

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NUNO FERREIRA Santos

Os partidos portugueses com assento parlamentar e os seus líderes não aderiram ainda ao populismo. Mas se ao nível dos conteúdos das propostas e ideias que defendem tal fenómeno não é visível, há sinais que surgem no seu discurso que podem ser identificados como o recurso a algumas das suas formas e técnicas.

Esta é a conclusão a que chegam os três especialistas ouvidos pelo PÚBLICO, Susana Salgado, investigadora e professora de Comunicação Política do Instituto de Ciências Sociais (ICS), Paula do Espírito Santo, investigadora e professora de sociologia política do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), e José Santana Pereira, investigador e professor de Ciência Política do Instituto Superior Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE).

“Não tem havido uma partidarização eficaz do populismo”, afirma Santana Pereira, para quem, “os partidos portugueses têm tido uma certa imunidade ao populismo”, embora considere que “pode ser detectado algum recurso ao populismo”, o qual surge sempre com “uma questão de grau” e que “até no mesmo partido, tem a ver com dinâmicas eleitorais”.

Santana Pereira sustenta ainda que, “no caso português, o discurso dos principais líderes é mais moldado pelas suas características e personalidade do que preparado em torno de uma mesa”. E adverte: “Pensa-se que Donald Trump o faz por razões pessoais, mas aquilo é pensado, é preparado para ser populista na comunicação e ter mensagem populista.”

Este investigador do ISCTE considera, porém que “nos últimos dez anos o exemplo de mais sucesso foi Marinho e Pinto”, que “teve um discurso anti-establishment”, que “era consequente, mais de substância e não de estilo”. Já sobre Santana Lopes garante que “é demasiado cedo, mas é um dos caminhos possíveis”.

BE: “Só nós”

Sinais de populismo, detecta-os Susana Salgado por exemplo em Catarina Martins, a líder do BE. “Catarina Martins, na última Convenção [do Bloco], fez um grande uso da técnica de se colocar do lado do povo: só nós damos respostas aos vossos anseios”, destaca esta investigadora do ICS, sublinhando que o BE recorre à expressão povo em termos diversos do PCP, que historicamente a utiliza com conteúdo ideológico preciso.

Susana Salgado adverte, porém, que “o BE tem uma posição fluida”, embora “em termos de natureza, se identifiquem com o Syriza e o Podemos, não o podem dizer”, já que “como partido com representação parlamentar não pode ter discurso radical”.

Também Santana Pereira sublinha que “o discurso do BE incorpora alguns elementos de populismo”, como “a defesa do povo contra uma elite económica”, mas, frisa que é um traço “muito ténue”. Paula do Espírito Santo considera que nem no BE nem no CDS há populismo: “São partidos que precisam da democracia para vingar, precisam entrar no sistema para chegar ao poder”, razão pela qual “não podem ser populistas e excluir tudo à volta e centrar-se apenas no líder.”

Quanto ao CDS e à liderança de Assunção Cristas, Susana Salgado afirma que ela “não é populista, tem uma forma de comunicar parecida com a de Portas, são bons comunicadores, são pessoas que sabem resumir e passar a mensagem, isso não está longe da simplificação comunicacional dos populistas, mas não é populismo”. A investigadora do ICS adverte, porém que “o CDS já foi populista com Manuel Monteiro, com os seus ataques a integração europeia, à imigração e o discurso securitário”.

Quem recorreu a técnicas comunicacionais populistas foi Passos Coelho, defende Susana Salgado: “Ao início de ser primeiro-ministro usou discurso e fórmulas populistas de dicotomia entre grupos sociais velhos/novos, etc. para colocar uns contra os outros, de modo a que não se juntassem contra si, até à TSU teve sucesso, mas não atingiu o sucesso do populismo na Grécia.”

Onde Susana Salgado encontra populismo em Portugal é na política local, a qual “é mais próxima das pessoas, tem ligação mais directa, há um discurso dirigido ao eleitor particular”. Como prova, aponta Alberto João Jardim que “tinha algum grau de populismo”.

O “localismo” de Rio

É essa ligação à política local, por ter sido presidente da Câmara do Porto entre 2002 e 2013, que Susana Salgado vê como a explicação para algumas técnicas de populismo que podem ser atribuídas a Rui Rio. Mas “não é populismo puro”, esclarece: “Ele vem da política local, tem uma forma de comunicar que pode ser influenciada por isso.”

A investigadora do ICS considera que “Rio não tem tido muita facilidade, tem sido muito contestado”, razão pela qual “o seu discurso é muito mais de reacção a ataques, que um discurso político alternativo de propostas”, o que “dá mais azo a comunicação vazia, sem substância”. Aprofundando a análise, Susana Salgado afirma: “Ele tem tentado fazer política nacional com recurso a localismo, para integrar o seu discurso no da proximidade. Tem falhado, pode ser pela oposição interna ou por não comunicar bem.”

Mesmo o recurso à ética — que “foi muito usado no sentido populista puro nas presidenciais pelo candidato Paulo Morais” —, não é feito nos mesmos termos por Rio. “O discurso anticorrupção é importante no populismo porque liga a elite política ao falhanço da sua missão, a ideia de que se governam no Governo”. Susana Salgado advoga, contudo, que “usar a ideia do ‘eu não sou corrupto’ para se demarcar dos outros líderes funciona quando é alguém de fora da política, o que não é o caso de Rio”. E conclui: “Rio genuinamente acha-se acima dos outros e usa isso, mas acaba por resultar mal, até pelos casos que foram surgindo no PSD.”

Categórico em separar Rio do populismo é Santana Pereira. “Em Rio tem havido a tentativa de descomplexização e simplificação do discurso mas não a nível de Trump”. E explica: “Em Rui Rio, na minha perspectiva, há assunção de características e um contexto que o levam a ser descuidado e informal, não creio que seja estratégico, até porque tem tido impacto mais negativo do que positivo. Se é pensado, devia ser abandonado.” O investigador do ISCTE insiste em que o que se passa com Rio é fruto da sua “descontracção”, uma vez que “espera-se muito pouco deste líder a nível do partido e em geral não se espera grande alternância no Governo.”

Como exemplo, Santana Pereira, lembra “a gracinha de responder em alemão” para aconselhar que “é algo que Rio deve evitar fazer”, uma vez que “revela falta de respeito pelos jornalistas e pelos eleitores, até porque a pergunta era sobre uma questão vital para Rio que ergueu as questões éticas como centrais da sua liderança”.

Igualmente Paula do Espírito Santo, considera que “Rio tem um tom mais expressivo, é diferente”, mas não identifica o líder do PSD com o populismo. “O curioso é que ele não quer que os media centrem a atenção em determinados assuntos, mas fá-lo de tal modo que acaba por focar a atenção na forma. Não querendo atrair a atenção, não é feliz ao fazê-lo e provoca ricochete, amplia mais o discurso que não quer tão visível, a notícia não morre porque os elementos que lhe junta prolongam-na”, afirma a investigadora do ISCSP, concluindo: “Esta estratégia não é positiva, logo este traço não se coaduna com o populismo.”

Eleitorado moderado

As razões para o populismo não ter atingido a política portuguesa como aconteceu noutros países tem razões diversas. A investigadora do ISCP, Paula do Espírito Santo, é categórica a defender que “nos partidos portugueses não há um contexto tão crítico que promova um líder a escalas populistas”. E sublinha: “Há elementos que em Portugal não estão reunidos e que espero nunca estejam.”

Susana Salgado considera que “o caso de Portugal é paradigmático na Europa do Sul”. Isto porque, “Portugal é dos países mais afectados pela crise [das dívidas], que foi um fenómeno que conduziu ao populismo”. A investigadora do ICS sublinha que “em Portugal há ausência de populismo de extrema-direita ou de extrema-esquerda como noutros países, não há nada como o Podemos”. Isto porque “falta em Portugal uma figura política forte e com carisma que consiga dar essa resposta”.

Para Susana Salgado, “a falta de sucesso de políticos populistas em Portugal tem duas razões”. Por um lado, “os partidos que estão no Parlamento terem conseguido integrar bem no seu discurso o descontentamento com a crise do euro”, nomeadamente “o PCP que consegue mobilizar nas ruas e dar uma resposta diferente mas não populista”.

Há ainda um outro factor. “Em Portugal, o eleitorado que reage ao populismo tende a abster-se”, afirma Santana Pereira. No mesmo sentido, Susana Salgado garante que, “o eleitorado não arrisca muito, Marinho e Pinto teve sucesso nas europeias porque não era para escolher Governo”.

O “travão do eleitorado” é atribuído por Susana Salgado ao facto de “as pessoas serem ainda moderadas”. A investigadora do ICS defende que “se os políticos entrarem num ataque político forte e em campanhas negativas as pessoas não aceitam bem”. E frisa que “mesmo nas questões em que são preconceituosos, os portugueses não gostam de ser confrontados com esse facto”, acrescentando: “Mesmo no racismo que existe em Portugal, as pessoas que o são, não gostam de ser confrontadas com isso, não gostam de um discurso demasiado directo”. E conclui: “É um eleitorado conservador em relação ao que está disposto a aceitar como discurso radical.”

Daí que Susana Salgado considere que “se os partidos tradicionais ficarem pulverização, como aconteceu em França, poderia ter êxito uma solução do tipo [Emmanuel] Macron, que vem de um partido e é político, mas apresentou-se como outsider”. Macron é, segundo esta investigadora, “o populista antipopulista, reage com técnicas populistas ao populismo da Frente Nacional e de [Jean-Luc] Mélenchon”. E insiste: “Se aparecesse um político como Macron na forma de comunicar e estar e com processo político consistente teria êxito em Portugal.”

“O discurso tipo Trump é mais agressivo, mais relacionado com emoções, isso não prevejo que tenha sucesso em Portugal no contexto actual. Mesmo quem não tem educação de grau elevado tem dificuldade de ver-se representado por este discurso”, conclui.

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