Universitários espanhóis votam para dizer se querem viver numa monarquia
Mais de metade das universidades públicas de Espanha está a organizar referendos internos. A ideia é que as votações sejam apenas o início de um movimento que quer obrigar os políticos a reagir.
Actualmente, “quase dois terços dos espanhóis com direito de voto não pôde participar no referendo de 1978 que aprovou a Constituição espanhola e que sustenta a monarquia”. Esse foi o ponto de partida para um debate que começou na Universidade Autónoma de Madrid (UAM) e se alastrou depois a muitas universidades por toda a Espanha. Jovens eleitores, universitários, querem ser ouvidos sobre o modelo de estado – como nunca ninguém lhes perguntou, organizaram-se eles mesmos para se questionarem.
Esta quinta-feira vota-se na UAM, nas próximas semanas vai votar-se em pelo menos mais 25 universidades (há 50 públicas no país) e em vários bairros ou pequenas cidades, nomeadamente da região de Madrid (Leganés, Parla ou Vallecas). É provável que se juntem mais instituições de ensino; há duas semanas eram nove as universidades que planeavam aderir à iniciativa. Na Catalunha, as universidades organizaram-se para realizar consultas simultâneas, a 4 de Dezembro.
De Madrid a Oviedo, Vigo ou Tenerife, assume-se alguma inspiração no referendo de 1 de Outubro do ano passado, sobre a independência da Catalunha, realizado à revelia do Governo e da Justiça. Para Pablo, aluno da Pompeu Fabra (Barcelona) e membro da plataforma que junta as universidades catalãs (Fora el Borbó), esta consulta constituiu “a maior afronta aos guardiães do regime de 78”. Pablo, que falou ao jornal online infoLibre no encontro que juntou em Madrid os universitários que dão rosto à iniciativa, sublinhou que o 1 de Outubro só foi possível com o apoio de uma grande parte da população, “que defendeu as urnas e os colégios eleitorais”.
É a esta capacidade de organização e mobilização social que os universitários espanhóis querem ir beber. Jorge Remacha, membro da plataforma ReferéndumUNIZAR, da Universidade de Saragoça, vê esta consulta como uma iniciativa com continuidade. “A ideia é que o movimento vá crescendo, que seja um ponto de partida para pôr a juventude a mexer, neste caso com uma exigência democrática, mas também para pensar que temos direito a decidir sobre outras questões”.
Remacha, como outros estudantes, defende a coordenação dos universitários com movimento de trabalhadores e associações de bairro, muito activas em Espanha. No encontro de Madrid esteve um delegado sindical da Amazon, cujos trabalhadores têm estado em greve, mas também Rosa María García, membro da organização La Comuna, que falou da sua experiência na cadeia durante o franquismo. “Dá-me especial esperança estar de novo com estudantes”, disse García. “O movimento estudantil sempre esteve na vanguarda.”
O palco desta conversa alargada foi o lugar onde tudo começou: em meados de Outubro, no relvado diante da Faculdade de Filosofia da UAM, um grupo de alunos e investigadores começaram a fantasiar sobre a possibilidade de realizar um referendo em que se pudesse escolher entre república ou monarquia.
Processo constituinte
O objectivo, nas palavras de uma das promotoras, Lucía Nistal, era “dar visibilidade à opinião dos jovens sobre o facto de serem súbditos de uma instituição anacrónica, corrupta e ligada ao regime franquista”. Entretanto, os que tinham dado início ao debate começaram “a receber todo o tipo de mensagens, de gente que queria juntar-se para votar e formar parte da organização”, na sua “maioria estudantes, mas também alguns professores que acabaram por se envolver mais directamente”, principalmente nas questões logísticas, explicou ao infoLibre.
“Estás a favor de abolir a Monarquia como forma de Estado e instaurar uma República?”; “Em caso afirmativo, concordas que se abra um processo constituinte para decidir que tipo de República?” São estas as perguntas nos boletins que esta quinta-feira os estudantes da UAM terão nas mãos.
Já na Carlos III, também de Madrid, o boletim incluirá as perguntas “Quer poder decidir sobre o modelo de Estado?” e “Em caso afirmativo, que modelo de Estado prefere?”. Foi esta a decisão tomada numa assembleia que juntou alunos, professores, investigadores e pessoal administrativo. As urnas estarão abertas num horário pré-definido e, como em todos os casos, os jovens terão de apresentar o seu número de identificação de aluno e as mesas estarão coordenadas para evitar fraudes e “conseguir um resultado o mais fiel possível sobre a realidade social existente” na universidade.
Lucía Nistal diz que nada acaba com a contagem dos votos na UAM. Antes pelo contrário: “começa aí, e o ideal era que o movimento se conseguisse organizar e coordenar a nível estatal”. Num país em que os partidos tradicionais (PSOE e PP) nunca ousaram questionar nenhum aspecto da monarquia, Nistal acredita que o movimento “terá consequências”. Esta acção, admite, é simbólica. Mas “quando um debate público se instala desta maneira e a exigência social é tão maioritária, os líderes políticos não têm remédio se não ouvir”.