Morreu o general Loureiro dos Santos, um militar "intelectualmente brilhante"
José Loureiro dos Santos foi ministro da Defesa e ex-Chefe do Estado-Maior do Exército. O funeral realiza-se em Carnaxide na segunda-feira.
O general José Loureiro dos Santos, antigo ministro da Defesa Nacional e ex-Chefe do Estado-Maior do Exército, morreu hoje em Lisboa, aos 82 anos, vítima de doença, disse à agência Lusa fonte da família. O corpo do general vai estar em câmara ardente na capela da Academia Militar, em Lisboa, a partir das 15h de domingo. O funeral realiza-se na segunda-feira, às 11h, no cemitério de Carnaxide, em Oeiras.
Nascido em Vilela do Douro, concelho de Sabrosa, no distrito de Vila Real (registado a 2 de Setembro de 1936, mas o nascimento data de 28 de Agosto), José Alberto Loureiro dos Santos foi ministro da Defesa Nacional entre 1978 e 1980 nos IV e V Governos Constitucionais, chefiados por Carlos Mota Pinto e Maria de Lourdes Pintasilgo, ambos executivos de iniciativa presidencial de Ramalho Eanes.
Nos últimos anos, destacou-se também como comentador de assuntos políticos e militares na imprensa, incluindo no PÚBLICO. No seu penúltimo artigo neste jornal, datado de Junho de 2015, o general traçava as perspectivas de evolução dos conflitos armados no século XXI, alertando para a multiplicação de ataques informáticos contra infra-estruturas críticas e assinalando o quase desaparecimento da "guerra entre Estados".
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, já veio lamentar a morte do general. Numa nota no site da Presidência, o chefe de Estado destaca a "excepcional inteligência" e a "vasta experiência académica" de "um dos mais notáveis militares da sua geração e o grande mestre da moderna escola de Estratégia em Portugal". Entretanto, começam a chegar tributos e notas de pesar de vários órgãos e personalidades, incluindo do presidente da Assembleia da República e do Ministério da Defesa.
Os elogios chegam também da parte dos seus antigos companheiros de armas e de luta. Ao PÚBLICO, o general Vítor Viana, director do Instituto de Defesa Nacional (IDN), recorda um militar "intelectualmente brilhante". Já o general Pinto Ramalho, ex-Chefe do Estado-Maior do Exército e director da Revista Militar, afirma que Loureiro dos Santos "marcou várias gerações de oficiais" e "era um homem próximo de toda a gente".
O antigo chefe militar detinha um pensamento inovador nos conceitos de estratégia e Defesa Nacional, como se sublinhava na biografia recentemente editada General Loureiro dos Santos, o que tem de ser tem muita força, da autoria da jornalista e actual directora da agência Lusa, Luísa Meireles. Na obra, entre outros episódios, recorda-se a oposição do general à intervenção no Iraque em 2003, fundamentada na sua desconfiança em relação à alegada existência de armas químicas no território: "Pois se viu as provas, não acredito nelas", disse directamente ao então primeiro-ministro Durão Barroso.
"Ele esteve sempre à frente do seu tempo", dizia em Junho ao PÚBLICO a autora da biografia.
Em 2015, Loureiro dos Santos concedeu uma longa entrevista de vida ao PÚBLICO em que traçou o seu percurso pessoal e militar, desde as origens humildes no Douro aos altos estudos nas áreas da Defesa e estratégia, passando por África.
O general que preferia a honra às honrarias
Na referida biografia recentemente publicada, o ex-Presidente da República António Ramalho Eanes elogiava, no prefácio e posfácio à obra, a prioridade que Loureiro dos Santos dava à "honra, mais do que as honrarias" e o conselheiro da Revolução Rodrigo Sousa e Castro a sua "excepcional inteligência", que ditou "o brilhantismo do seu percurso".
O melhor aluno do curso no liceu e na Escola do Exército era considerado por Eanes como o "grande mestre da moderna escola de Estratégia em Portugal" e por Sousa e Castro "um dos mais notáveis militares da geração da década de 50".
O ex-Presidente salientou-lhe nos traços pessoais "a ética, a liderança pelo exemplo, capacidade e eficácia, o respeito pelo outro, um grande rigor no estudo, pensamento e acção, o amor pelas ideias e pela cultura em geral, aliados a uma notável capacidade de decisão".
Sobre a sua faceta de reformador da estrutura militar, quer enquanto chefe militar, quer enquanto ministro, recordou, entre outros, o seu contributo para a consagração legal da subordinação das Forças Armadas ao poder político democrático (Lei 17/75, de 26 de Dezembro) ou para a redefinição das funções e arquitectura destas, num quadro pós-colonial.
O reconhecimento que lhe foi dado levou-o a receber dezenas de condecorações e a aconselhar futuros chefes militares.
Cumpriu duas comissões no Ultramar, em Angola (1962/1965) e Cabo Verde (1972/1974), foi secretário do Conselho da Revolução no Verão Quente de 1975 e, como major, participou no planeamento e execução das operações que contiveram o golpe de 25 de Novembro de 1975. Passou à reserva em 1993.
Com larga experiência académica, o ex-ministro e chefe militar leccionou no Instituto de Estudos Superiores Militares, do qual fez parte do conselho científico, e no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), no qual foi membro do Conselho de Honra.
Era também membro da Academia das Ciências de Lisboa e do Conselho Geral da Universidade Nova de Lisboa, como personalidade externa.
Loureiro dos Santos foi também escritor, com vasta obra, e conferencista e deu ainda inúmeras conferências, tendo colaborado em vários órgãos de comunicação social sobre temas de geoestratégia e de geopolítica.