As alunas, o desempregado e o empresário do calçado que querem o BE no Governo

O cenário de ter o BE num governo de esquerda é cada vez mais real para militantes do partido. “Não tenho dúvidas de que iria melhorar muito a qualidade de vida de todos nós”, diz o empresário Luís Miguel Sá.

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Rui Gaudêncio

Pouco depois da confusão da hora de almoço e quando os trabalhos da XI Convenção Nacional do Bloco de Esquerda são retomados, Luís Miguel Sá consegue finalmente sentar-se sozinho no bar do Pavilhão do Casal Vistoso. O empresário na área do calçado e militante do partido desde 2003, não iria faltar à reunião magna do partido, em Lisboa.

Com 38 anos, é também o coordenador da concelhia do BE em Santa Maria da Feira, onde tem a fábrica de calçado que já foi visitada e apresentada pela líder Catarina Martins como bom exemplo, durante a campanha nas últimas eleições legislativas. Trata-se de uma fábrica de calçado ortopédico e personalizado para pessoas com deficiência. Ao contrário dos estereótipos criados à volta dos militantes dos partidos – aderentes, no caso do BE –, para Luís Miguel Sá ser empresário na área do calçado e militante do BE é bastante lógico: “Não concebo a ideia de ser empresário e não respeitar os direitos dos trabalhadores. Respeito o trabalho e o produto”, defende.

Por isso, está não só satisfeito com o trabalho feito pela “geringonça”, como gostava que o BE tivesse votos para ir mais longe, leia-se para o governo. “Depois do pesadelo do PSD e CDS, penso que a ‘geringonça’ veio conquistar direitos para as pessoas, o que é muito importante para se ter esperança no futuro”, começa por dizer, para logo admitir que, sim, gostava de ver o partido a fazer parte de um executivo de esquerda.

“Gostava que o BE tivesse os votos suficientes para defender o futuro do nosso país. Se os portugueses acharem que pode definir o futuro do país, sim, gostava [que o BE fosse para o governo]. Não tenho dúvidas de que iria melhorar muito a qualidade de vida de todos nós”, acrescenta.

O “princípio”

Não é o único. As estudantes da Universidade Nova, Ana Sofia Nunes e Gabriela Morais, também se mostram entusiasmadas diante da possibilidade de tal cenário. Estão juntas no pavilhão e com pressa para deixarem o bar, em frente ao qual está a banca com t-shirts, sacos, pins, livros e discos, à venda. T-shirts com frases como "no mundo ninguém é ilegal", "nem arte, nem cultura, tourada é tortura", ou "se o ambiente fosse um banco já estaria a salvo". Ao lado, folhetos onde se lê "assédio não é sedução" ou o jornal do esquerda.net, com o apelo de Catarina Martins na capa: "Quanto mais força tiver o Bloco, mais conseguiremos recuperar a economia e o emprego." 

As duas estudantes apressam-se, a eurodeputada Marisa Matias vai apresentar a moção encabeçada por Catarina Martins e elas querem ouvir. Mesmo assim, ainda arranjam tempo para contar o que as levou a aderir ao BE e como gostavam que o partido alcançasse mais representação nas urnas. Ana Sofia Nunes, estudante de Sociologia com 19 anos, juntou-se ao partido há cerca de ano e meio: “O BE é o único partido no panorama nacional que luta pelas minorias. Sempre tive um interesse pela luta anti-racista e feminista. O BE, ao envolver-se nestas lutas, dá voz a quem não tem voz”, justifica.

E mostra-se confiante quanto ao desempenho que o partido terá neste ano de eleições que se avizinha – haverá europeias, regionais, e legislativas. “Penso que o BE ganhará mais força. Nesta legislatura, o BE conseguiu alcançar políticas, como por exemplo baixar as propinas. Isto só vem mostrar a força que tem na política nacional. Quanto a ir para o governo, é o que queremos e penso que tem força e está bem organizado para isso, mas não sei se já é a altura.”

Também Gabriela Morais, estudante de Antropologia de 18 anos e aderente há dois anos, vê com bons olhos essa possibilidade. E até aumenta a fasquia, antevendo eventuais obstáculos colocados pelas políticas europeias: “Nós não somos a dívida. A sociedade que idealizamos não permite pôr a dívida em primeiro lugar”, defende.

Rui Gaudêncio
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Ter entrado para um partido foi uma opção consciente que lhe trouxe frutos: “Sempre me interessei pelo activismo, na escola, nas discussões familiares, quando era pequena gostava de ver a Assembleia da República nos noticiários na televisão. E percebi o lugar do BE nas lutas anti-racistas e feministas. Estar dentro de um partido é muito importante porque me faz reflectir sobre essas questões de forma mais organizada”, explica.

Já Manuel Sousa, desempregado de 56 anos, não contava estar na convenção: “Nunca pensei estar aqui numa convenção do BE. E, sei lá, estou!”, exclama. Conversador, acaba por contar que já teve vários trabalhos – taxista, camionista, pintor –, que vive em Óbidos e que há dois anos resolveu juntar-se ao BE. Porquê? Por causa da “desgovernação horrorosa” que foram quer os governos da direita, quer os do PS. “Estávamos a ser demasiado enganados para ficar quieto no meu canto”, justifica.

E agora? “Esta 'geringonça' veio dar um bocado de transparência à política. A política é a vida das pessoas. Com a 'geringonça', há um princípio do que pode ser um caminho correcto, mas é preciso ir muito, muito mais longe”, diz Manuel Sousa, defendendo que, se o PS não tiver maioria absoluta do PS, e o BE conseguir mais votos, “já se pode começar a sonhar”.

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