Costa apoia ministra e prefere que câmaras possam recusar touradas

Primeiro-ministro responde a Manuel Alegre e confessa que fica chocado com transmissão pela RTP de touradas mas diz que não lhe "ocorre proibir a sua transmissão"

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Corrida de Touros da Pro Toiro em Areosa, Viana do Castelo, em 2012,Corrida de Touros da Pro Toiro em Areosa, Viana do Castelo, em 2012 Nelson Garrido,Nelson Garrido
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Andre Rodrigues

O primeiro-ministro, António Costa, sai em defesa da sua ministra da Cultura em resposta à carta aberta sobre as touradas que o histórico socialista Manuel Alegre lhe dirigiu. “Não me receie como ‘mata-toureiros’, qual versão contemporânea de ‘mata-frades’”, avisa. E diz que prefere “conceder a cada município a liberdade de permitir ou não a realização de touradas no seu território”.

Numa carta aberta publicada no PÚBLICO, Costa explica que não acredita “numa hierarquia de civilizações, nem no exclusivismo identitário, nem no determinismo histórico da evolução civilizacional”. E que, por isso, “afirmar que uma certa opção é uma questão de civilização não significa desqualificar o oponente como incivilizado”. 

Na sua carta, também publicada no PÚBLICO, Manuel Alegre reafirmava o apoio à actual “solução governativa” mas confessava sentir a “liberdade pessoal ameaçada”. “Não por causa do que se passa no mundo. Mas porque o diabo esconde-se nos detalhes. Está no fundamentalismo do politicamente correcto, na tentação de interferir nos gostos e comportamentos das pessoas, no protagonismo de alguns deputados e governantes que ninguém mandatou para reordenarem ou desordenarem a nossa civilização”, escreveu Alegre.

Agora, surge a resposta de Costa ao debate que se abriu no PS quando a ministra da Cultura defendeu a manutenção do IVA das touradas em 13% ao contrário de outros espectáculos, que descem para 6%, e que consta da proposta de Orçamento do Estado para 2019. “Não é uma questão de gosto. É uma questão de civilização e manteremos como está”, defendeu no Parlamento Graça Fonseca.

António Costa prossegue dizendo ainda a Alegre: “Como homem da Liberdade tem também de respeitar os cidadãos que, como eu, rejeitam a tourada como manifestação pública de uma cultura de violência ou de desfrute do sofrimento animal”. E critica “o novo politicamente correcto [que] é ser politicamente ‘incorrecto’”. O primeiro-ministro faz ainda uma revelação: “Choca-me que o serviço público de televisão transmita touradas. Mas não me ocorre proibir a sua transmissão”.

A discussão sobre o IVA das touradas dividiu os socialistas e a carta aberta de Alegre mereceu também grandes críticas do deputado do PAN, André Silva. “Esta é, de facto, uma posição infeliz e irresponsável por parte de Manuel Alegre”, censurou.

Já Francisco Louçã, ex-coordenador do BE, partido que propõe IVA de 23% (taxa máxima) para as touradas, desdramatiza a questão. “As touradas irão acabar” mas “não é por causa do IVA”, defendeu na sexta-feira na SIC Notícias. “O debate é sobre uma tradição que está hoje muito mais nos livros do Hemingway (...) porque como prática cultural praticamente já desapareceu”, disse.

Faenas judiciais

A abertura manifestada por Costa à possibilidade de os municípios não permitirem touradas é saudada pelo seu camarada de partido José Maria Costa, presidente da Câmara de Viana do Castelo. Este município, logo em 2009, num executivo liderado pelo ex-candidato à Presidência da República Defensor Moura, aprovou uma declaração a assumir-se “cidade antitouradas”.

Mas essa posição política tem um alcance muito relativo. Enquanto as leis gerais da República previrem a realização de touradas, qualquer iniciativa normativa de âmbito municipal, ou supramunicipal, que pretenda abolir as corridas de touros no respectivo território será facilmente impugnável. Nos termos constitucionais, um município nunca poderia declarar ilegal algo que a lei geral reconhece como legal.

Por isso, o máximo que a Câmara de Viana do Castelo tem conseguido é não autorizar a realização de touradas em espaços municipais, como a antiga praça de touros — e mesmo nestes o indeferimento não deixa de ser impugnável, ainda que num processo longo, de utilidade duvidosa... A Câmara da Póvoa de Varzim também se assumiu este ano como antitouradas e anunciou que não se realizarão mais corridas na praça de touros do município.

Quando os promotores organizam as touradas em arenas amovíveis e em terrenos privados, como a ProToiro - Federação Portuguesa de Tauromaquia tem feito regularmente em Viana, aquilo que estes municípios podem fazer é o que José Maria Costa reconhece como sendo “contornar a lei”. Invocam-se questões de “segurança, acessibilidades e uso dos solos” para recusar autorização e impedir as touradas — umas vezes com sucesso, outras não.

Viana do Castelo também aprovou em 2014 um regulamento municipal no qual proíbe “espectáculos em que se inflijam sofrimento ou lesões aos animais”, mas o alcance da medida continua a ser curto face às touradas. Em 2018, a ProToiro não promoveu a sua tourada de Agosto, por altura das Festas da Senhora da Agonia, num terreno privado. Mas a litigância com a Câmara de Viana, num duelo de indeferimentos e providências cautelares, já se tornou uma tradição, com os touros a motivarem um jogo do gato e do rato sempre de desfecho incerto.

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