Em Portugal, as notícias falsas têm mais impacto no futebol do que na política

Investigador do ISCTE diz que o fenómeno das “fake news” ainda não é preocupante em Portugal, mas admite que a situação mude.

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Reuters/DADO RUVIC

Sabemos que as informações falsas influenciaram a eleição de Donald Trump. Vemos o impacto que este mercado está a ter na campanha eleitoral no Brasil. E em Portugal? As informações falsas relacionadas com os políticos portugueses “acabam por não ter grande eco”, explica Miguel Crespo, jornalista e especialista em comunicação digital.

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Miguel Crespo DR

Há um factor-chave que tem alimentado a circulação das notícias falsas durante a campanha para a eleição do próximo Presidente brasileiro: o ódio, a Fernando Haddad e ao partido que entre 2003 e 2016 anos governou o país, o Partido dos Trabalhadores. O mesmo ódio que ajudou a eleger Trump e que, acredita Miguel Crespo, não existe com tanta força em Portugal e por isso não impulsiona ainda a circulação deste tipo de mensagens no nosso país.

Em entrevista ao PÚBLICO, o investigador do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa sublinha que isso não quer dizer que a situação não venha a mudar, até porque foi anunciada a criação de um novo partido, liderado por André Ventura, que Miguel Crespo não tem dúvidas de que “quer aproveitar” esta dinâmica.

Para já, os temas que mais mobilizam são aqueles relacionados com o futebol. Os adeptos “propagam tudo aquilo que é favorável ao seu clube e prejudicial para os seus adversários. E não vale a pena estar a tentar convencê-lo de que aquilo não é verdade”.

Fomos confrontados com a influência que as “fake news” tiveram nas eleições norte-americanas e agora vemos esse fenómeno a influenciar a campanha no Brasil. E em Portugal?
Não é por acaso que os casos mais visíveis são os Estados Unidos e o Brasil, que são países em que o peso da religião na eleição de políticos sempre foi extremamente relevante. [Nesses países] Há grupos religiosos muito fortes e muito poderosos com posicionamentos políticos muito claros e explícitos, e que dão, literalmente, ordens directas de voto às pessoas que professam essa religião.

A situação portuguesa é bastante diferente desse ponto de vista. Não é que não se conheça no passado, nomeadamente nos primeiros anos pós-25 de Abril, em que havia uma clivagem bastante grande do ponto de vista político. Por exemplo, a igreja católica, não como um todo, mas membros da igreja católica, expressarem publicamente e até durante os actos religiosos, indicações de sentido de voto, mas não temos organizações religiosas tão poderosas e tão manipuladoras ou interessadas no poder político como os evangélicos nos Estados Unidos ou no Brasil.

Em 2019 vamos ter eleições legislativas em Portugal. Estas redes de propagação de informação falsa podem vir a ter um papel relevante nessa altura?
De vez em quando vemos [em Portugal] algumas notícias falsas relacionadas com casos políticos. Provavelmente não terão ainda — não quer dizer que isto não evolua nesse sentido — um papel tão importante, ou tão dramático, como neste momento se tem a noção clara que aconteceu nos Estados Unidos e que está a acontecer no Brasil com a mais do que certa eleição de Bolsonaro.

Em ambos os casos, há um dado que não se verifica tanto em Portugal. São eleições tanto movidas pelo posicionamento como pelo ódio. Nos Estados Unidos, havia uma resistência extremamente grande a Hillary Clinton, candidata do Partido Democrata, e isso obviamente beneficiou, e muito, Trump. No Brasil, há a consequência de 13 anos de governação do PT, com “n” escândalos à mistura, o que é típico do Brasil e sempre aconteceu com todos os partidos e de todas as áreas políticas.

Uma das coisas que em ambos os casos funcionou a favor dos candidatos eleitos foi principalmente uma ideia muito básica, que é um engano, mas onde reside grande parte do problema: as pessoas assumirem que nós, por sermos a favor de uma coisa, somos automaticamente contra o seu oposto ou vice-versa.

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Miguel Crespo teme que novo partido de André Ventura possa recorrer a tácticas de desinformação online Mário Lopes Pereira

Eu posso ser crítico de alguém sem estar a apoiar o seu oposto. Mas esta lógica foi aquela que fez eleger o Trump, é aquela que vai fazer eleger o Bolsonaro.

No caso português, não temos níveis de rejeição assim tão elevados para lado nenhum. Quase que temos níveis de rejeição mais elevados dentro de determinados partidos em relação aos seus líderes do que propriamente de um partido “A” contra o líder do partido “B”. Agora, há quem queira aproveitar.

Teremos um novo partido, de alguém [André Ventura] que tem este tipo de mensagens xenófobas, intolerantes, a apelar à violência, típicas de extrema-direita. O próprio nome do partido [Chega] apela logo a essa questão. Confesso que, infelizmente, não ficaria surpreendido se houvesse uma votação expressiva nesse partido.

Lembra-se de algum caso de uma informação falsa que tenha circulado nas redes nacionais e que tenha tido impacto?
De vez em quando surgem algumas coisas relacionadas ou com algo que um determinado político que está mais ou menos a ser questionado por alguma razão, tenha dito no passado, ou tenha feito. Mas são coisas que acabam por não ter grande eco. Nas redes sociais portuguesas, os grandes escândalos têm sempre a ver com não assuntos. Alguém que disse uma coisa que tem a ver com as famílias nas redes sociais, e de repente aquela pessoa é demonizada porque disse alguma coisa que não está de acordo com o que está estabelecido, ou coisas sobre aquilo a que se chama figuras públicas, independentemente do seu valor, um episódio qualquer.

Coisas muito portuguesas e que se adequam ao que é a realidade portuguesa, por exemplo em outras áreas como é a questão da criminalidade violenta. A criminalidade violenta em Portugal tradicionalmente é uma questão entre família e vizinhos.

Não há assim uma lógica tão organizada de passar mensagens falsas. Não quer dizer que elas não surjam, não quer dizer que não se tente. Acho que até agora, os políticos do sistema português, têm conseguido fugir um pouco disso. Se calhar porque todos eles têm medo do é que vai acontecer a seguir se alguém der o primeiro passo.

Quais são as principais características destas informações falsas?
São normalmente muito simples, muito directas, muito claras, e apelam aos sentimentos mais básicos do ser humano: ao medo, ao ódio, à discriminação, à intolerância, à solução simples para problemas que não têm soluções simples.

O que temos visto na Europa, com a ascensão generalizada de partidos de direita, são pessoas descontentes com o status quo, descontentes com o sistema em que o principal apelo é dizer que "o problema são os outros". Sendo que "os outros", em tempo de guerra são os inimigos. Actualmente, não há guerra. São os imigrantes, são os de religiões diferentes, são os que têm orientação sexual diferente, são os que têm cor de pele diferente, as coisas básicas. São sempre não fundamentadas em dados, mas quem professa esse tipo de crenças não está preocupado com informação.

Uma das características destas “fake news” é que elas se espalham dentro de grupos de pessoas que partilham as mesmas crenças. Estes grupos criam “bolhas” onde as mensagens circulam sem serem postas em causa porque reforçam a crença. É, por isso, um exercício difícil pedir às pessoas que questionem as informações que lhes são veiculadas dentro destes círculos e não as partilhem?
Acho que devemos fazer esse esforço. No caso português não é a questão política, não é a questão religiosa, é a questão futebolística [que move mais as pessoas]. É o melhor exemplo. Ninguém consegue convencer um benfiquista, um sportinguista ou um portista de que um dos outros clubes é melhor do que o seu.

Temos tido vários escândalos com contratos, com negociatas de bastidores, etc., relacionados com todos os clubes e aquilo que vemos é que os adeptos do clube "A" propagam tudo aquilo que é favorável ao seu clube e prejudicial para os seus adversários. E não vale a pena estar a tentar convencê-lo de que aquilo não é verdade. No caso português, tem mais a ver com futebol do que com política ou religião. Por enquanto, é assim.

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