Bósnia vai a eleições depois de uma das campanhas mais sujas de sempre

Os partidos do poder nas várias entidades da federação são acusados de comprar votos e intimidar eleitores para garantir a vitória.

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A campanha eleitoral na Bósnia ficou marcada por abusos, diz a Transparência Internacional LUSA/FEHIM DEMIR

Anos de guerra e conflito inter-étnico fizeram da Bósnia-Herzegovina um país profundamente dividido. A presidência é tripartida e existem dois Parlamentos. Mas a corrupção e a intimidação dos eleitores foram traços comuns entre os principais partidos, numa das campanhas mais sujas da curta história do país.

“Os papéis dos partidos fundiram-se totalmente com as funções públicas”, disse à Reuters a responsável da Transparência Internacional na Bósnia, Ivana Korajlic. Um dos exemplos mais flagrantes é o do Presidente da República Srpska (a entidade sérvia da federação), Milorad Dodik, que em menos de um mês inaugurou seis edifícios públicos, um lago artificial, uma ponte, uma fábrica, uma ala hospitalar e uma auto-estrada, de acordo com a contabilidade de Korajlic.

Há também relatos de compra de votos a troco de favores como obras em estradas ou consultas médicas gratuitas e intimidação de funcionários públicos atribuídos aos dirigentes dos principais partidos sérvios, croatas e muçulmanos.

Korajlic diz que “já nem há tentativas de esconder” estes abusos. “Ameaças e ataques directos, pressão sobre os eleitores e compra de votos, que dantes eram feitos de forma algo subtil, são hoje totalmente cristalinos”, explica a responsável da Transparência Internacional.

Num comício na cidade de Gacko, no leste do país, Dodik ameaçou os eleitores que iriam perder os seus trabalhos se votassem no candidato da oposição, Vukota Govedarica. Dodik e o seu partido, a Aliança dos Sociais-Democratas Independente, foram multados em seis mil euros acusados de fazerem discurso de ódio.

Mas dirigentes dos partidos governantes das restantes etnias com representação política, os croatas e os muçulmanos (há três presidentes: um sérvio, um croata e um muçulmano bósnio), também cometeram abusos, disse Korajlic. “Foi criada uma atmosfera muito hostil”, conclui.

A este clima junta-se a retórica nacionalista que sobe sempre de tom na altura de eleições. Dodik é conhecido pelas ameaças de secessão da República Srpska e, desta vez, tem usado a troca de território negociada entre a Sérvia e o Kosovo para fortalecer a sua reivindicação. O Presidente da entidade sérvia bósnia tem também dado sinais de aproximação à Rússia, causando preocupação em Bruxelas. Dodik encontrou-se com o líder russo, Vladimir Putin, no final de Setembro.

O assunto dominante nos últimos dias na Bósnia não tem sido, porém, as eleições. Na sexta-feira, dois protestos nas duas maiores cidades do país trouxeram milhares de pessoas para as ruas, ofuscando os derradeiros comícios partidários. As manifestações foram convocadas simultaneamente por dois pais – um sérvio de Banja Luka e um muçulmano de Sarajevo – que perderam os filhos naquilo que dizem ter sido homicídios que as autoridades têm escondido.

Os protestos reflectem a crescente desconfiança da população na polícia e no poder judicial, que dizem estar minados pela corrupção e pelo compadrio político – e que por isso são ineficazes. “O Ministério do Interior organizou o homicídio de David”, afirmou o seu pai Davor Dragicevic, que desde que o filho de 21 anos morreu, em Março, tem organizado protestos diários. A família diz que o jovem foi raptado, torturado e assassinado, mas a polícia garante que David se afogou depois de ingerir álcool e consumir droga.

Pelo meio, pouco espaço parece restar para que se discutam mudanças num país assolado pelo desemprego, especialmente entre os jovens que ascende aos 45%, e onde o salário médio ronda os 400 euros. “As pessoas votam ingenuamente pensando que vai mudar alguma coisa, mas os políticos só sabem como roubar dinheiro”, dizia ao Guardian Zeljana Vaskovic, uma desempregada de 24 anos.

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