Deputado Carlos Peixoto acusado de “conflito de interesses gritante”

O social-democrata, que é consultor numa sociedade de advogados que tem os vistos gold como uma das áreas de interesse, rejeita acusações. Não vê qualquer conflito de interesses.

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Carlos Peixoto é deputado do PSD LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO

A Transparência e Integridade Associação Cívica (TIAC) considera haver um “conflito de interesses gritante” na escolha do deputado do PSD, Carlos Peixoto, para redigir um parecer sobre o projecto do Bloco de Esquerda que pretende extinguir o programa dos vistos gold. A questão, acusa a associação cívica, é que o social-democrata trabalha para uma sociedade de advogados que tem os vistos gold como uma das suas áreas de interesse. O social-democrata defende-se, insiste ter direito, enquanto deputado, a uma opinião sobre o tema.

“Em primeiro lugar, não sou advogado de uma sociedade de advogados que trabalha nessa matéria. Sou um dos consultores dessa sociedade. Em segundo, esta sociedade não participou nem participa em nenhum projecto legislativo que diga respeito aos vistos gold”, começa por elencar ao PÚBLICO o advogado, para  acrescentar: “Em terceiro lugar, e mais importante, é que conheço o estatuto dos deputados. E a regra é da transparência e não da inibição de direitos. O único dever que tenho é dizer, no debate da Assembleia da República (AR), que sou consultor de uma sociedade de advogados que, como milhares de outras sociedades e de advogados em prática isolada, trata de vistos gold. Não estou inibido de dar a minha opinião sobre esta matéria”, diz.

Em comunicado, a TIAC adianta já ter pedido “explicações” ao Parlamento: “A Transparência e Integridade escreveu hoje [quarta-feira] ao presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Bacelar de Vasconcelos (PS), e ao presidente da Subcomissão de Ética, Luís Marques Guedes (PSD) pedindo explicações sobre a escolha de Carlos Peixoto para redigir este parecer e os óbvios conflitos de interesse que suscita”, lê-se no comunicado enviado à imprensa.

Na nota, o presidente da associação João Paulo Batalha defende que “os deputados da Comissão de Assuntos Constitucionais e da Subcomissão de Ética têm a obrigação de zelar pelo bom funcionamento da AR e de prevenir que deputados com interesses particulares numa determinada lei participem do processo legislativo. Essa responsabilidade ética fundamental falhou em toda a linha. O presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais deve uma explicação sobre este caso e a Subcomissão de Ética tem o dever de analisá-lo e tirar conclusões”.

O presidente da TIAC considera que o deputado “tem interesses pessoais e de negócio na lei que está a ser discutida” e que é “absurdo que a Comissão de Assuntos Constitucionais não encontrasse outra raposa para guardar este galinheiro. O mais comum bom senso recomendaria um mínimo de pudor para preservar a dignidade do Parlamento.”

Falta de informação

No comunicado enviado às redacções, a TIAC adianta que a Caiado Guerreiro não só tem especialistas na “assessoria de processos de obtenção de vistos gold”, como “tem até uma parceria com uma agência imobiliária para vender aos seus clientes o pacote completo de vistos, desde a selecção e compra de um imóvel de luxo até todos os serviços jurídicos para a compra da autorização de residência em Portugal”. E não se fica por aqui: “A mesma sociedade de advogados representou pelo menos um cidadão chinês, Xiaodong Wang, detentor de um visto gold que era procurado pela China por fraude, pela qual foi condenado a dez anos de prisão, e alvo de uma investigação em Portugal por suspeitas de branqueamento de capitais.”

No registo de interesse disponibilizado no site do Parlamento, Carlos Peixoto apresenta a advocacia como actividade principal, com escritórios em Gouveia e em Seia, e surge como consultor da Caiado Guerreiro, em Lisboa. Estas duas funções, a par da de deputado no Parlamento, são aquelas em que é remunerado. No site da Caiado Guerreiro, é também possível verificar que a sociedade conta com advogados que prestam informações sobre o programa dos vistos gold.

Ora, recorda ainda a TIAC, o parecer que Carlos Peixoto elaborou não foi favorável aos objectivos do BE e alguns dos argumentos usados – repescados por esta associação – são os de que os vistos gold “contribuem para a melhoria do negócio de diversos prestadores indirectos”, incluindo de “assessoria jurídica”, alerta a associação que faz parte de uma rede internacional que tem como objectivo lutar contra a corrupção.

“A defesa dos vistos gold que surge neste parecer não é acompanhada de qualquer dado objectivo sobre o real impacto económico do programa, o que só reforça a opacidade em que o sistema tem funcionado”, escreve ainda João Paulo Batalha, lembrando que, há mais de um ano, recomendou que fosse feito um estudo “aprofundado e independente sobre os impactos económicos e sociais dos vistos gold”. A questão, lamenta, é que “nunca foi feito”.

A associação não baixou os braços e, em Abril, pediu ao ministro da Administração Interna que “fornecesse informação crucial para avaliar o custo-benefício dos vistos gold e escrutinar os controlos aplicados aos riscos de lavagem de dinheiro associados”: “Nunca recebemos resposta”, garante João Paulo Batalha, adiantando que a 10 de Outubro em Bruxelas, a Transparency International (a rede internacional) e a Global Witness lançam um relatório sobre os riscos de corrupção e lavagem de dinheiro nos programas de vistos gold e que Portugal será um dos casos abordados.

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