Medina com fé no passe único, apesar da descrença dos privados
O presidente da Câmara de Lisboa admite que negociações com o Governo ainda não estão fechadas. Havendo dinheiro, o Porto, que tem uma rede baseada num tarifário único, o Andante, pode avançar mais cedo que Lisboa.
O presidente da Área Metropolitana de Lisboa assumiu esta quinta-feira ao início da noite que as duas áreas metropolitanas ainda não fecharam com o Governo em que moldes se fará o apoio ao passe único, que limitará a cerca de 40 euros o valor mensal a pagar pelo uso do transporte público nestas áreas urbanas. Fernando Medina e o seu homólogo do Porto, Eduardo Vítor Rodrigues, esperam ver a medida inscrita no próximo orçamento, como pretende também o ministro do Ambiente, mas do lado dos operadores privados de transporte, o ambiente é de cautela e até de cepticismo.
Num debate organizado pela Área metropolitana do Porto, o autarca de Lisboa ouviu o empresário José Eduardo Caramalho, que é também vice-presidente da ANTROP, a associação nacional de transportadores rodoviários de passageiros, elogiar a proposta do passe único, ao mesmo tempo que afirmava não acreditar na entrada em vigor da medida. “Desculpem, eu não acredito. Mas espero estar completamente enganado”, afirmou o presidente da Valpi Bus, um importante operador privado do grande Porto.
Minutos antes, Luís Espírito Santo, outro empresário do sector, lembrou que as empresas que estão a oferecer aos seus clientes os descontos sociais nos passes promovidos pelo Governo ainda não receberam as consequentes indemnizações referentes a 2017 e 2018, o que lhes cria grandes problemas de tesouraria. E não se vê metido noutra, a suportar o corte de preços pretendidos pelos autarcas das duas maiores áreas urbanas do país. Estes, recorde-se, precisam de 65 milhões de euros/ano, para a AML, e 20 a 25 milhões, no caso da AMP, para compensar perdas de receita das empresas.
Em declarações ao jornalistas após o debate, Fernando Medina disse compreender totalmente estes receios, que são, notou, “o espelho do sistema actual”, que os autarcas pretendem mudar. O presidente da Câmara de Lisboa lembrou que as medidas em cima da mesa estão suportadas num novo quadro institucional, em que serão as áreas metropolitanas as responsáveis pelos concursos para as novas concessões e, também, pelo pagamento dos custos com medidas como a do passe único. Que, notou, não implicará uma grande perda de receita por serem muito poucos os detentores de assinaturas mensais de valores mais elevados.
A ideia dos autarcas das duas áreas mais populosas, que o o ministro do Ambiente admitiu ao PÚBLICO que será estendida ao resto do país, é simples. Criar uma tarifa plana - 30 euros - para circulação em transporte público no Porto e em Lisboa, e uma tarifa máxima de 40 euros para as deslocações entre os concelhos das duas áreas metropolitanas. O que tornará, acreditam, o transporte público numa opção para muitas famílias para as quais hoje “é mais barato ir de carro” e garantirá, para outras que pagam passes de valores superiores a 70 ou 80 euros, um desconto anual com impacto superior a algumas reduções de impostos.
O ministro do Ambiente explicou ao PÚBLICO que o Governo só comparticiparia o corte nos passes dos trajectos inter-concelhios, mas segundo Fernando Medina, em cima da mesa está a criação de um fundo de mobilidade que as duas áreas metropolitanas, ou outras entidades beneficiárias usariam como entendessem, em benefício de medidas de descarbonização, como é, defendem, a aposta na captação de mais clientes para o transporte público. Aos que tem que seria preciso investir mais do lado da oferta de serviços, antes de estimular, com esta baixa de preço a procura, Medina responde que já existem investimentos em curso e que a proposta em cima da mesa vai gerar uma nova cultura de utilização dos transportes, e uma pressão social sobre os decisores políticos, para que os investimentos futuros sejam direcionados para este sector
Para Fernando Medina, e ao contrário do que aconteceu na saúde, na educação ou noutros sectores importantes para a qualidade de vida dos portugueses, na área dos transportes Portugal falhou nas últimas décadas, como se percebe, argumentou, pelas estatísticas que dão conta de um continuado aumento do recurso ao automóvel nas deslocações dos habitantes das duas áreas metropolitanas. Um falhanço que nos coloca em divergência com as principais áreas urbanas da Europa, onde a questão a mobilidade sustentável - que inclui os modos suaves de deslocação, a pé ou de bicicleta - já estava nas respectivas agendas e ganhou força com percepção do papel fulcros das cidades no cumprimento dos compromissos de redução de emissões assumidos em Paris pela maior parte dos países do globo.
Essa correlação entre mobilidade (in)sustentável e a agenda climática entra também na equação das duas áreas metropolitanas, e o autarca de Gondomar, Marco Martins, não tem dúvidas de que os recentes investimentos em curso no sector e a abertura do Governo ao passe único derivam da entrega da pasta dos transportes urbanos ao Ministério do Ambiente, que tem utilizado, aliás, o Fundo Ambiental para financiar alguns destes investimentos, como a expansão das redes de metro ou a renovação das frotas da STCP e da Carris.
Quanto ao passe único, se o Governo contrariar a descrença dos operadores e decidir avançar com o apoio à medida neste que será o último orçamento desta legislatura, é bem possível que os descontos avancem primeiro no Porto que em Lisboa, assumiu o autarca da capital. E o motivo é bastante simples. Com uma parte da rede de transportes sustentado num tarifário e bilhética únicos, o Andante, esta região pode mais facilmente acomodar uma mudança deste calibre, ao contrário do que acontece era torno da capital, onde, lembrou Medina, subsistem 2300 títulos de transporte distintos.
Esta questão é um quebra-cabeças não apenas para os utilizadores mas também para a área metropolitana, que, enquanto autoridade de transportes, quer aproveitar o passe único para começar um trabalho de simplificação e eliminação de muitos destes títulos. Na expectativa de que isso também ajudará a ganhar novos clientes para o sector.