“As exposições de arte não carecem de classificação etária”

Sem que exista legislação específica, dois constitucionalistas têm posições opostas sobre a possibilidade de aplicar uma classificação etária à exposição de Robert Mapplethorpe.

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Aviso à entrada da exposição Robert Mapplethorpe: Pictures Nelson Garrido
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O aviso que estava à entrada das duas salas com as imagens com práticas sexuais explícitas e alusões a parafilias várias e que entretanto foi mudado Nelson Garrido

Não há nenhuma legislação que regule a classificação etária de uma exposição, nem mesmo o Decreto-lei nº 23/2014, de 14 de Fevereiro, que a Fundação de Serralves invocou para justificar ter condicionado a entrada de menores de 18 anos na exposição dedicada a Robert Mapplethorpe ao acompanhamento de um adulto.

“As exposições de arte não carecem de classificação etária”, respondeu ao PÚBLICO Luís Silveira Botelho, inspector-geral da Inspecção-Geral das Actividades Culturais (IGAC), sobre o aviso que o Museu de Arte Contemporânea de Serralves colocou à entrada da exposição dedicada às fotografias do norte-americano que contém nudez e algum conteúdo sexualmente explícito, nomeadamente sadomasoquista. “Algumas obras da exposição Robert Mapplethorpe: Pictures contêm imagens de natureza explicitamente sexual. A admissão de menores de 18 anos está condicionada à companhia de um adulto”.

O Decreto-lei  nº 23/2014 “está direccionado para espectáculos de natureza artística”, designadamente, “nas áreas do teatro, da música, da dança, do circo, da tauromaquia e de cruzamento artístico”, “bem como a exibição pública de obras cinematográficas e audiovisuais”. O inspector-geral não conhece outra legislação que se possa aplicar às exposições: “Não conheço outra legislação que aborde a classificação etária de outros conteúdos culturais que não a legislação para espectáculos.” Se há outra hipótese a considerar, acrescenta Luís Silveira Botelho, é a nível constitucional.

O constitucionalista Jorge Reis Novais é da opinião que a Fundação de Serralves, enquanto entidade privada apoiada por fundos públicos – 4,27 milhões de euros em 2018, apurou o PÚBLICO junto do Ministério da Cultura – tem uma obrigação de respeito das liberdades fundamentais, como as liberdades comunicativas, de criação artística ou de acesso à cultura. “Não significa que essas liberdades sejam absolutas, que não possa haver limitações, mas as limitações têm que ter um enquadramento legal. Se esse enquadramento legal não existir, é complicado.” Um menor de 16 anos pode, então, exigir ver a exposição de Mapplethorpe sem ser acompanhado por um adulto? – perguntamos a Reis Novais. “O que lhe posso dizer é que Serralves precisava de um apoio legal para fazer essa limitação.”

No fim-de-semana, a fundação já tinha recuado na decisão de interditar a visita a menores de 18 anos de idade, mesmo acompanhados por adultos, às duas salas reservadas que há na exposição Robert Mapplethorpe: Pictures. É aí que estão cerca de 30 fotografias com imagens de práticas sexuais explícitas e alusões a parafilias várias. Mesmo a legislação para espectáculos, como explicou o responsável pela IGAC ao PÚBLICO, já não tem há alguns anos uma interdição absoluta, “uma vez que é um mecanismo de aconselhamento que pode ser suprido desde que esteja acompanhado pelos pais ou por um adulto devidamente identificado”.

O aviso “Alertamos para a dimensão provocatória e o carácter eventualmente chocante da sexualidade contida em algumas obras expostas. A admissão nesta sala está reservada a maiores de 18 anos” foi entretanto substituído e surgiu um menos restritivo: “Dado o carácter sexualmente explícito de obras expostas nesta área, o acesso à mesma é reservado a maiores de 18 anos e a menores acompanhados dos respectivos representantes legais". 

Jorge Bacelar Gouveia, outro constitucionalista, lamenta que não haja um diploma legislativo que se aplique às exposições. “A arte em geral, e não só os espectáculos, pode ter esses conteúdos mais violentos ou mais inadequados para a maturidade de uma criança que os está a ver.” Mas se não há legislação, nem tudo é permitido e a Constituição pode servir para ultrapassar essa ausência.

“Se há o reconhecimento da liberdade artística, também é verdade que as crianças têm o direito a ser protegidas daquilo que possa ferir a sua consciência, através dos pais ou dos tutores, mas também das instituições, sejam públicas ou privadas, que organizam essas manifestações culturais", considera Bacelar Gouveia. "Decorre da Constituição esse dever de protecção. Estamos a limitar na medida do que é proporcional o acesso de categorias de pessoas que, pela sua condição etária, merecem ser protegidas do visionamento desses conteúdos.”

O PÚBLICO não conseguiu apurar junto de Serralves se há nova argumentação jurídica.

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