As três deputadas cujas vidas “o professor Marcelo” marcou

Marcelo Rebelo de Sousa dá nesta quinta-feira a sua última aula de Direito. O PÚBLICO falou com três antigas alunas que, como ele, tiveram sucesso na vida profissional e política. Mulheres em quem “o professor” deixou marcas positivas profundas.

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Marcelo, já Presidente, conversa com alunos do Liceu Pedro Nunes Rui Gaudencio

Chegou o dia. O professor Marcelo Rebelo de Sousa vai dar nesta quinta-feira a última aula. Será na sua Faculdade de Direito e marcará a abertura do ano lectivo da Universidade de Lisboa, onde foi aluno e docente.

O anúncio foi feito a 17 de Agosto. A cerca de dois meses de completar 70 anos, o actual Presidente da República aceitou o convite do reitor para colocar fim à sua longa carreira docente.

Não será um dia fácil para Marcelo, pois nunca escondeu que o seu amor pelo ensino esteve sempre acima de tudo o resto, mesmo da política. Mas Marcelo, já depois de eleito Presidente, nunca deixou de dar “aulas”, agora para auditórios mais vastos e de matérias variadas. E mesmo colocando fim à sua carreira oficial, vai, por certo, continuar a faze-lo. “O professor”, como muitos ainda lhe chamam de norte a sul do país, continuará sempre a ser “o professor”.

Pelas suas mãos enquanto docente passaram milhares de jovens. Alguns são caras conhecidas da política, ou do mundo empresarial, mas a maioria são anónimos cidadãos. O PÚBLICO falou com três mulheres que foram suas alunas e que, como ele, tiveram êxito profissional, mas que optaram também por uma carreira política. Mulheres a quem este professor marcou as vidas para sempre.

“Gratidão para a vida”

A constitucionalista e deputada do PS Isabel Moreira não teve propriamente Marcelo Rebelo de Sousa como professor de Direito, mas teve-o como orientador de tese, há 14 anos. E desse tempo ficou “uma dívida de gratidão para a vida toda”.

Moreira tinha as ideias para a tese “todas arrumadas na cabeça”, mas “passava por uma altura complicada em termos pessoais” e achava que “não ia ser capaz de a escrever” nos três meses que faltavam para a entregar. Foi falar com o seu orientador para lhe dar conta desse seu dilema e para o colocar à vontade, caso Marcelo quisesse deixar a orientação.

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“Ele fez exactamente o contrário. Afirmou que eu ia ser capaz, que, como tinha tudo na cabeça, iria escrever muito rapidamente e até me disse que iria ter 18, a nota máxima. Mais, mandou-me tirar um mês de férias, porque sabia que eu sou como ele, gosto de dar mergulhos no mar mesmo de Inverno”.

Isabel Moreira acabou por entregar a tese um dia antes do final do prazo. “O professor leu-a rapidamente – como todos sabemos que ele é capaz de fazer – e telefonou-me muito satisfeito. Voltou a dizer-me que eu ia ter 18.”

E foi exactamente isso que aconteceu: Isabel Moreira teve mesmo o 18 que Marcelo previu. “Quando nós não acreditamos em nós, é preciso alguém que acredite por nós. Deu-me um grande, grande apoio moral e fiquei-lhe grata para a vida inteira”, acrescenta.

Um “professor galvanizante”

Teresa Caeiro tinha 18 anos quando, em 1988, entrou pela primeira vez na Faculdade de Direito de Lisboa. Logo no primeiro ano teve como professor de Introdução ao Direito Marcelo Rebelo de Sousa.

“Não podia ter tido melhor professor para Introdução ao Direito. Foi um excelente professor. Ele gosta mesmo de dar aulas, é uma vocação. Fá-lo com entusiasmo e passa esse entusiasmo aos alunos, fazendo com que as aulas sejam sempre interessantes e fantásticas”, diz a deputada do CDS.

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Fala mesmo de um “professor galvanizante” que, ao contrário dos outros, “levava os alunos a ver os órgãos de soberania e Justiça a funcionarem” e “organizava jantares de turma que eram sempre muito divertidos. “O professor Marcelo sempre foi assim, atira os foguetes e ainda apanha as canas.”

“Ele era diferente, quando, no meu tempo na faculdade, havia quase a tradição de os professores de Direito serem pessoas inalcançáveis, ele era o contrário, estava sempre próximo de nós. Até nas notas era diferente. Há 30 anos ter um 14 no primeiro ano era extraordinário, Marcelo era muito mais generoso do que os outros”, conta.

Depois acabaram ambos na política, mas em campos diferentes. Teresa Caeiro nunca deixou de ter “grande estima” pelo professor. “Houve momentos difíceis no CDS com Marcelo Rebelo de Sousa, ainda no tempo de Paulo Portas, em que as coisas estiveram mesmo muito esquinadas, mas nunca deixei de ter consideração e carinho por ele”, garante. 

A principal lição que diz ter aprendido com Marcelo Rebelo de Sousa é que “as pessoas só conseguem ser muito boas quando gostam daquilo que fazem”.

E na hora de o actual Presidente dar a última aula, Teresa Caeiro gostaria de lhe dizer: “Tenho pena que não se possa perpetuar como professor, porque é excelente.”

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“Uma inteligência superior”

Teresa Morais fala com entusiasmo do segundo ano de Direito no ano lectivo de 1979/80. E ainda com mais entusiasmo do professor da cadeira de Direito Constitucional. “É o melhor professor que um aluno pode ter. As suas aulas eram um gosto. Há aulas das quais se foge e outras a que se vai com alegria. Era o caso das aulas do professor Marcelo. Ia-se com vontade, porque sabíamos que a aula seria, mais uma vez, estimulante e útil em termos de aprendizagem. Além de serem, ao mesmo tempo, muito divertidas”, afirma a hoje deputada do PSD.

Teresa Morais recorda um professor “com uma inteligência superior”, “muito bem-disposto", que “fazia a presentação das matérias de forma muito preparada e clara” e que era um homem “extremamente acessível”. “Podia-se falar com ele nos corredores ou no bar da faculdade. E até nisso ele fazia a diferença, porque a maioria dos professores, quase por tradição, eram muito distantes dos alunos. Marcelo não, estava sempre disponível. Se havia alguma dúvida, era clarificada ali, não ficava para outra altura ou para outra aula”, acrescenta.

Quando ensinou Teresa Morais, Marcelo Rebelo de Sousa ainda não era doutorado. O actual Presidente da República só se doutorou em 1984, estava Morais no último ano do curso. Um momento vivido na faculdade com “grande burburinho”. “Foi um acontecimento, quase não se falava noutra coisa. O professor Marcelo já era muito conhecido, por ter sido jornalista do Expresso e de outras publicações, era muito querido na faculdade e o seu doutoramento gerou grande agitação.”

No final desse segundo ano de curso, houve um episódio que envolveu o actual chefe de Estado e que Teresa Morais recorda especialmente. A aluna incompatibilizou-se com um dos monitores do curso e recusou a nota de 12 que lhe tinha sido atribuída, o que a obrigou a ir a exame oral final. Quando chegou à prova, esse monitor estava no júri e a aluna recusou que ele a avaliasse, o que causou embaraço na sala. “Marcelo, muito bem-disposto, levantou-se e disse: ‘Quem lhe faz a prova sou eu.’ E assim aconteceu.” Morais passou de ano e com uma nota que, embora não se recorde bem, terá sido de 14 ou 15.

No ano em que o teve como docente, e nos muitos outros em que foi sua colega como professora na Faculdade de Direito, até 2009, Marcelo inspirou-a para a vida. “Um modelo”, diz, que tem “sempre tentado imitar”: “Ser muito competente, transmitir conhecimento de forma muito efectiva e clara e, ao mesmo tempo, ser muito acessível e cordial para com os alunos. Nisto, Marcelo foi sempre um modelo para mim. Uma inspiração.”

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