Um jardim que divide dois mundos

Nos anos 50, o Jardim Botânico do Porto passou a pertencer à Universidade do Porto. Dessa altura, datam as grandes reestruturações do espaço que, em tempos, pertenceu à família de Sophia de Mello Breyner Andresen.

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É a fachada cor de vinho da casa Andresen que recebe os visitantes prestes a iniciar a visita pelo Jardim Botânico do Porto. Em tempos, no séc. XIX, pertenceu à família de Sophia de Mello Breyner Andresen, que desenvolveu o jardim e a casa que, hoje, continua a receber os visitantes.

Nesta manhã de sexta-feira, a visita é feita pelo director do jardim, Paulo Farinha Marques, arquitecto paisagista. “Cheira a Cacia”, nota e acrescenta que nos dias de maior nevoeiro, como este, o vento traz o odor da fábrica de celulose daquela vila de Aveiro alastrando-o até chegar à antiga Quinta do Campo Alegre.

O Jardim Botânico do Porto, sob a alçada da Universidade do Porto, situa-se ao lado da Faculdade de Ciências, no Campo Alegre, e estudantes de Botânica ou Arquitectura ali não faltam. Mais do que um local de estudo, namoro, meditação, escrita ou leitura, o jardim encerra um sem número de espécies de plantas. Mas, do outro lado, a Via de Cintura Interna (VCI) mostra um mundo diferente que invade aquele retiro natural. O barulho dos carros em circulação é gritante e incomodativo, “um dos grandes problemas com que nos deparamos”, assinalou o director. Esse e o vandalismo.

Por ser um jardim público e, por isso, não se cobrar entrada, está sujeito a todo o tipo de visitantes. “Temo-nos deparado com algum vandalismo, apesar de não ser um problema recorrente”, explica o professor Paulo Farinha Marques depois de encontrarmos um pedaço de muro caído no chão. As plantas, essas, seguem um ciclo de vida natural, algumas morrem, outras quase invadem a estrada com os seus ramos, algumas regeneram e ainda há as que têm que ser substituídas.

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Hoje, o Jardim Botânico do Porto enfrenta um “período diferente, com menor manutenção” do que aquilo que teve em tempos, no séc. XIX, quando era a quinta de uma família abastada. O roseiral é a primeira paragem, depois da casa Andresen. Rápido reparamos que já não faz jus ao nome, as rosas são escassas e os buxos em maior número, mas o traçado manteve-se e a beleza do local não se perdeu.

“O jardim vai-se desenvolvendo a partir dos espaços históricos, tirando partido deles com uma estrutura de sebes de camélias talhadas que se desenvolve e forma um conjunto de jardins temáticos”. Ali, no roseiral, o traçado traz à memória a época da Renascença (séculos XIV a XVI), são as influências francesas do séc. XIX, aponta Paulo Farinha Marques.

As camélias japónicas são das mais antigas de Portugal e da Europa, têm 120 anos e muita história, algumas vão morrendo e são substituídas, é o trabalho de recuperação e manutenção a que um espaço natural como este está votado. Estamos no primeiro patamar e prestes a chegar a um novo jardim, este mais intimista.

Rodeado de todos os lados por sebes de camélias o Jardim dos Jotas, em homenagem aos seus criadores (Joana e João Andresen), encerra uma beleza romântica e é um dos mais representativos da casa Andresen ao tempo da sua criação. “Uma celebração do passado”, é assim que o professor e arquitecto paisagista descreve aquele jardim ao qual se podem encontrar referências no conto O rapaz de bronze, de Sophia, sobretudo pelos buxos ali presentes.

A poente dali, que é como quem diz ao lado deste jardim, a imagem mudou. Já não se vê o espaço rural, que rodeava a quinta antes dos anos 50, repleto de estufas, eiras, campos de milho ou ramadas. As mudanças e recuperação devem-se à actuação do Professor Américo Pires de Lima com a colaboração do arquitecto paisagista alemão Franz Koepp, aquando da aquisição, em 1951, da propriedade pela Universidade do Porto ao Estado, que a tinha comprado à família Andersen em Maio de 1949.

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A mudança trouxe com ela uma recuperação dos espaços a que a quinta tinha sido votada entre os anos 30 e 50. O projecto envolveu a substituição do campo de ténis pelo conhecido como Jardim de Xisto. Modernista e aquático, com nenúfares e papiros, este jardim distingue-se dos outros, muito mais formais e românticos. Os trabalhos abarcaram também, entre 1969 e 1972, a construção, por Renato Raul Barreto, de um grande lago que serve como reservatório do jardim, onde todas as águas vão parar.

No segundo patamar, situa-se o Jardim dos Cactos e Suculentas. A estufa dos cactos alberga um dos grandes orgulhos do director: a Victoria Régia, um nenúfar com folhas que atingem o seu tamanho máximo quando chegam a um metro de diâmetro e que têm um tempo de vida de apenas um ano.

Chegamos ao patamar mais baixo e é como se estivéssemos a entrar numa floresta, para alguns, o lugar “mais exótico do jardim”. Ali encontramos o arboreto, a grande colecção de árvores do Botânico do Porto. Paulo Farinha Marques assinala que naquele “refúgio literário” se pode encontrar “uma boa colecção de coníferas, algumas espécies tropicais e subtropicais, dois sobreiros magníficos e verdadeiramente extraordinários, que são as árvores que eu mais gosto”. “Verdadeiras esculturas vivas”, remata.

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