Mulher que acusa de abuso sexual o nomeado de Trump para o Supremo quebra o anonimato

Christine Blasey Ford, uma professora universitária da Califórnia, diz ter sido vítima de uma tentativa de violação por parte de Brett Kavanaugh, o juiz indicado por Trump para o Supremo Tribunal dos EUA.

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Reuters/Chris Wattie

Brett Kavanaugh, o juiz nomeado pelo Presidente Donald Trump para ocupar o lugar de Anthony Kennedy no Supremo Tribunal dos Estados Unidos, parecia ter o caminho livre para a mais alta instância judicial do país até uma denúncia anónima de abuso sexual, ocorrido há mais de três décadas, ter chegado às mãos de uma senadora democrata.

Agora, a autora da carta rompe o anonimato e revela a sua identidade: trata-se de Christine Blasey Ford, professora de Psicologia na Universidade de Palo Alto, na Califórnia, que falou este domingo ao Washington Post e revelou novos detalhes sobre o que diz ter sido uma tentativa de violação.

Perante a "bomba", os republicanos no comité judicial do Senado insistem em votar a nomeação de Kavanaugh na próxima quinta-feira, enquanto o Partido Democrata apela à suspensão do processo. Dianne Feinstein, a senadora democrata que recebeu a denúncia e que é a mais alta representante do seu partido naquele comité, reagiu através de um comunicado: "Apoio a decisão de Ford de partilhar a sua história, e agora que o fez, está nas mãos do FBI a abertura de uma investigação. Isso deveria acontecer antes de o Senado avançar com esta nomeação".

Tentativa de violação em festa de estudantes

Ao falar publicamente pela primeira vez, a autora da denúncia veio reforçar o teor da acusação e revelar mais detalhes ao Washington Post. De acordo com o seu relato — salvaguardando que há pormenores dos quais não se recorda com exactidão — o incidente em causa terá acontecido no Verão de 1982, quando Ford tinha 15 anos e Kavanaugh 17. Ambos eram estudantes do ensino secundário: ela num colégio para raparigas, a  Holton-Arms School; ele na Escola Preparatória de Georgetown, ambas no estado do Maryland.

Os dois estariam numa festa de estudantes numa habitação privada. Ford diz que não se recorda do motivo da festa, nem a quem pertencia a casa, mas lembra-se que os adolescentes presentes estavam a beber cerveja. E que Kavanaugh e um amigo, Mark Judge, já tinham estado a beber antes do encontro e que por isso estavam mais embriagados do que o resto dos presentes.

Ao Washington Post, Ford detalha que Kavanaugh e Judge a encurralaram num quarto, e que Kavanaugh se colocou sobre ela, forçando-a a deitar-se com o peso do corpo. Judge também estava no quarto e não interveio. Ambos estavam a rir-se alto. Kavanaugh apalpou-a por cima das roupas e esfregou-se contra ela, tentando, de forma trôpega, tirar-lhe o fato de banho que vestia e a roupa que trazia por cima. Quando Ford tentou gritar, Kavanaugh terá colocado a mão sobre a boca da vítima com tanta força que a rapariga temeu que o rapaz poderia, “de forma inadvertida”, matá-la.

A dado momento, Judge saltou para cima de Kavanaugh e Ford, tendo a rapariga tentado escapar sem sucesso. Judge saltou uma segunda vez e é então que a vítima consegue libertar-se. Trancou-se numa casa de banho durante “cinco ou dez minutos” e acabou por fugir do local.

Danos psicológicos de longo prazo

Ford nunca mais falou com Kavanaugh depois do suposto ataque e não denunciou o incidente por temer que os pais descobrissem que a filha tinha estado numa festa onde se consumia álcool.

Só décadas depois, em 2012, é que Ford falou pela primeira vez do ataque — a um psicoterapeuta. Ford e o marido, Russell, participavam numa sessão de terapia de casal devido a problemas relacionais e emocionais que a professora universitária atribui em parte ao incidente ocorrido em 1982.

Nas notas do psicólogo, que a professora universitária deu a conhecer ao Washington Post, lê-se que Ford foi atacada por estudantes “de uma escola de elite para rapazes”, e que eventualmente se tornaram “membros respeitados da sociedade em Washington”. O nome de Kavanaugh não foi explicitamente mencionado nessa sessão de terapia de casal.

Um ano depois, numa sessão individual, Ford volta a referir o incidente. Nas notas do psicólogo, a que o Post também teve acesso, lê-se que estava a ser ser tratada devido aos efeitos de longo prazo de uma “tentativa de violação” sofrida durante a adolescência.

A nomeação de Kavanaugh e o cerco dos jornalistas

Ford só decidiu fazer outro tipo de denúncia quando, em Junho último, o juiz do Supremo Anthony M. Kennedy anunciou a sua reforma e o nome de Kavanaugh começou a ser veiculado como um possível sucessor. Em Julho, Ford contactou o Post, antes mesmo de interpelar a congressista democrata Anna G. Eshoo, através da qual fez chegar a sua denúncia à senadora Feinstein. Na altura, assinou a carta como Christine Blasey, o seu nome profissional, mas exigindo anonimato. Temia represálias, apesar de salientar que era seu "dever como cidadã" fazer a denúncia.

No início de Agosto, Ford requereu os serviços de Debra Katz, uma advogada de Washington conhecida pelo seu trabalho com casos de assédio sexual. Aconselhada por Katz, e de forma a evitar vir a ser acusada de mentir, Ford submeteu-se a um teste de polígrafo conduzido por um agente do FBI. Os resultados apontam que não está a mentir em relação à veracidade da denúncia.

Ford tentou proteger o seu anonimato até uma cadeia de acontecimentos a ter colocado sob uma pressão crescente. Na quinta-feira, o site informativo The Intercept revelou que a senadora Feinstein tinha em sua posse uma denúncia contra Kavanaugh.

“Recebi informação de uma pessoa preocupada com a nomeação de Brett Kavanaugh para o Supremo Tribunal”, disse. “Essa pessoa pediu confidencialidade de forma veemente, não quis dar a cara publicamente nem revelar mais sobre o assunto e eu honrei essa decisão. No entanto, referi o assunto às autoridades federais de investigação”, lê-se no comunicado tornado público por Feinstein, logo após a divulgação da notícia do The Intercept.

Na sexta-feira, a New Yorker acabaria por publicar o conteúdo da carta, omitindo o nome de Ford.

No mesmo dia, o presidente do comité judicial do Senado, o republicano Charles Grassley, tornava pública uma carta assinada por 65 mulheres que conheciam Kavanaugh dos tempos de liceu e que saíam em defesa do juiz nomeado para o Supremo: “Já o conhecemos há mais de 35 anos, Brett sempre se destacou pela sua amizade, carácter e integridade. (...) Em particular, sempre tratou as mulheres com decência e respeito. Era verdade quando andava no liceu e continua verdade até este dia”.

Ao mesmo tempo, apertava o cerco dos jornalistas a Ford, cujo nome já tinha começado a circular em meios restritos. Um repórter do BuzzFeed News tentou chegar à fala com a professora à porta de casa, enquanto outro jornalista telefonou a vários colegas da universidade. Terá sido nesse momento que decidiu vir a público.

“As vítimas têm todo o direito a decidir se querem chegar-se à frente, especialmente num ambiente político tão cruel como este”, disse Katz, a advogada de Ford citada pelo Post. “Ela agora terá de enfrentar ataques vingativos dos que apoiam este nomeado”.

Esta tarde, o Washington Post recebeu um comunicado da Casa Branca, em nome de Kavanaugh, onde o juiz volta a negar “categórica e inequivocamente” a acusação: “Nunca fiz isto no liceu, nem nunca”. Mark Judge, o amigo que terá inadvertidamente travado o ataque, também nega o incidente. “Isso é de loucos. Nunca vi Brett a agir dessa maneira”, disse ao New York Times, antes mesmo de ser revelado o nome da acusadora.

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