Governo espanhol tenta blindar exumação de Franco
Decreto-lei deverá ser aprovado na sexta-feira e prevê garantias contra possíveis reclamações da família do antigo ditador que não quer que os restos mortais de Franco sejam retirados do monumento Vale dos Caídos.
O Governo de Pedro Sánchez deverá aprovar a exumação dos restos mortais do general Francisco Franco do Vale dos Caídos no Conselho de Ministros de sexta-feira, tendo o cuidado de introduzir na legislação uma fórmula jurídica para lhe dar a maior cobertura contra prováveis reclamações da família nos tribunais.
Pedro Sánchez, o socialista que assumiu a presidência do Governo espanhol em Junho, declarou que a exumação deve ocorrer rapidamente. Segundo disse o ministro da Cultura e Desporto, José Guirao, à Cadena Ser, o decreto fará alterações na Lei da Memória Histórica, juntando dois artigos para dar a “máxima cobertura legal” à exumação, e a votação deverá ser levada a cabo na sexta-feira, depois de definida a agenda do Conselho de Ministros, o que acontece já nesta quarta-feira.
O Governo está confiante num processo simples e rápido, e numa aprovação fácil no Congresso. A Igreja, que seria outro opositor provável, já disse que não vai bloquear a trasladação dos restos mortais do antigo ditador do imponente memorial franquista, cujo complexo inclui também uma basílica.
Assim, são as potenciais acções judiciais da família Franco o maior obstáculo. Por isso, o Governo está a querer evitar a todo o custo um processo que possa acabar com uma decisão judicial desfavorável à iniciativa, que seria um golpe muito duro, diz o El País – a trasladação de Franco é uma das decisões mais importantes do novo Governo.
Mas, explica este jornal espanhol, não há qualquer hipótese de a família aceitar a iniciativa, apesar de semanas de tentativas levadas a cabo pelo Executivo e a uma aparente divisão, a certa altura, de opiniões entre os sete netos. No final de Julho, estes recusaram, numa carta dirigida ao Governo, qualquer exumação.
O Governo avançou então para a solução de alterar a legislação, já que particulares não podem reclamar contra uma lei – seria preciso que um grupo parlamentar o fizesse e o Governo não acredita que o Partido Popular (PP, direita) o faça.
O PP poderá mesmo abster-se. O seu líder, Pablo Casado, defende que “Espanha tem de olhar para o futuro”, mas “como neto de vítima do regime franquista”, “não vou nunca defender esse edifício nem quem está lá enterrado”.
A Lei da Memória Histórica, que agora será alterada, foi aprovada em 2007, pelo Governo de José Luis Rodríguez Zapatero. A lei previa “reconhecer e ampliar os direitos a favor de quem sofreu de perseguição ou violência, por razões políticas, ideológicas, ou de crença religiosa, durante a Guerra Civil e a ditadura, promover a sua reparação moral e a recuperação da sua memória pessoal e familiar”.
A lei nunca foi aplicada, apesar de várias recomendações (de uma comissão de especialistas e mesmo das Nações Unidas) para, no seu âmbito, ser levada a cabo a trasladação do corpo do ditador.
A reforçar a posição do Governo está ainda o objectivo de tornar este um monumento de homenagem às vítimas da guerra e da ditadura.
O Vale dos Caídos foi mandado erguer pelo próprio ditador, entre 1940 e 1958, na serra de Guadarrama, a 40 quilómetros de Madrid, e era destinado aos soldados nacionalistas que morreram durante a Guerra Civil (1936-39). Cerca de 20 mil presos republicanos foram obrigados a participar na construção do monumento, em condições muito duras e em troca de reduções de pena.
Lá está sepultado Franco, que morreu em Novembro de 1975, e ainda quase 34 mil mortos na guerra civil, muitos por identificar. O Vale dos Caídos tornou-se o símbolo maior do regime franquista, e é ainda hoje um local visitado pelos admiradores de Franco. É, sublinha o Huffington Post, o único grande monumento da Europa dedicado à memória de um ditador.