Asia Argento, voz das denúncias MeToo, pagou a jovem actor que a acusou de violação
Jimmy Bennett acusa actriz de "agressão sexual" quando tinha 17 anos. Argento é um dos rostos do movimento de denúncia pós-Weinstein, e vê-se agora confrontada com a revelação de que terá recorrido a práticas similares às de muitos dos acusados dos últimos meses.
Uma das vozes mais proeminentes na denúncia dos actos do produtor Harvey Weinstein é acusada de “agressão sexual” e, segundo o New York Times, de ter chegado a acordo e pago ao rapaz de 17 anos que diz ter sido sua vítima para não revelar uma imagem íntima dos dois. Asia Argento, actriz e realizadora, viu-se envolvida no processo judicial pouco depois da eclosão do movimento #MeToo e percorreu parte de um caminho, embora sem tentativas de total silenciamento, similar ao que muitos dos acusados de assédio sexual fizeram: um alegado acto sexual no âmbito de uma relação de poder desequilibrada e um acordo legal posterior para tudo abafar.
Jimmy Bennett tem hoje 22 anos e é um jovem actor e músico conhecido, entre outros papéis, por ter interpretado parte da história ficcional da conturbada personagem literária JT Leroy no filme The Heart Is Deceitful Above All Things (2004), realizado, protagonizado e co-escrito por Asia Argento. Quando tinha 17 anos acabados de fazer, e Argento tinha 37 anos, envolveram-se sexualmente e, como sublinha o New York Times, a idade legal para relações sexuais consentidas na Califórnia, onde se encontraram, é de 18 anos. Bennett diz ter ficado prejudicado emocional e profissionalmente. Tinha interpretado o papel de filho da personagem de Argento no filme de 2004 e sentia que tinha "desabrochado uma relação mãe-filho da sua experiência juntos", segundo os documentos agora revelados.
A italiana, filha do cineasta de culto Dario Argento e namorada do divulgador de cozinha Anthony Bourdain, que se suicidou em Junho, é um dos rostos do momento MeToo e das suas complexas dinâmicas. O que constitui consentimento, as relações de poder entrelaçadas com questões laborais ou etárias, o género e as fronteiras da má conduta e do crime legalmente perfilado são alguns dos temas que o mundo passou a discutir. A credibilidade das vítimas também.
Em Outubro de 2017, Argento é um dos nomes que a revista New Yorker destaca na sua investigação ao padrão de alegados comportamentos de violência sexual e assédio laboral de Harvey Weinstein, alguém que diz ter sido forçada ao sexo com o produtor e depois ter mantido uma relação intermitente com ele por medo de retaliações na sua carreira. Argento tinha 21 anos e sentiu que ele podia “esmagá-la”, manteve relações esporádicas com ele porque sentia “que tinha de o fazer”. A investigação da New Yorker, que sucede à do New York Times que tudo desencadeou a 5 de Outubro de 2017, focava-se no padrão de “acordos judiciais de sigilo, pagamentos e ameaças legais” que Weinstein, o rosto do que viria a ser um padrão generalizável a outras figuras e indústrias, aplicava depois de cometer os alegados actos de assédio.
Vinte e um anos depois, Argento tornou-se uma voz bem audível do momento de ajuste de contas sobre as violentas relações de poder entre géneros na sua indústria, e também uma figura vilipendiada na opinião pública do seu país natal, por exemplo. Em Maio, no Festival de Cannes, fez um inflamado discurso contra o assédio e recordou que fora ali que o seu caso tinha começado. Agora, a própria surge como agressora quando Jimmy Bennett relata, em documentos legais enviados por fonte anónima ao New York Times, ter sido violentado num quarto de hotel em 2013 pela realizadora a quem chamava “mamã” nas redes sociais.
Depois de ver como “Argento se tornou central como uma das muitas vítimas de Harvey Weinstein”, diz o seu advogado Gordon K. Sattro, os seus sentimentos quanto a um encontro que o deixou “extremamente confuso, mortificado e enojado” emergiram e decidiu agir. Inicialmente ia processá-la, depois chegaram a acordo. Que implica que ele não pode processá-la, mas que pode falar sobre o caso.
O caso terminou com um acordo judicial que não se perfila como um “non-disclosure agreement”, que silencia as partes envolvidas, mas que impede a divulgação de uma de vária selfies em tronco nu do par deitado na data da alegada agressão sexual – e que o New York Times recebeu juntamente com a documentação legal agora vinda a público – e que Bennett processe Argento. “No fim de contas, você decidiu não usar a linguagem de acordos de sigilo porque sentia que era inconsistente com as mensagens públicas que tem transmitido sobre os danos sociais dos acordos de não-divulgação”, escreveu Carrie Goldberg, a advogada da própria Argento, numa carta à actriz em que discutiam os termos do acordo.
Jimmy Bennett, que tal como Argento não comentou a notícia do New York Times, receberá 332 mil euros da actriz e realizadora, 175 mil euros dos quais já foram pagos em Abril. O actor e músico pedia inicialmente 3 milhões de euros de compensação por danos emocionais intencionalmente infligidos, agressão e perda de oportunidades profissionais. Segundo o New York Times, o jovem actor e músico tinha acumulado 2,3 milhões de euros de rendimentos nos cinco anos anteriores ao encontro sexual com Argento e desde então os seus rendimentos baixaram para cerca de 52 mil euros por ano.
A verba paga é descrita pela advogada como destinando-se a “ajudar Bennett”. Dirigindo-se ao actor e músico, a carta indica ainda: “Esperamos que nada como isto te volte a acontecer. És um criador poderoso e inspirador e é uma miserável condição da vida que se viva entre pessoas merdosas que atacam tanto os teus pontos fortes quanto as tuas fraquezas”.
O encontro sexual terá ocorrido em Maio de 2013, no quarto de hotel de Argento na Califórnia, onde Bennett chegou com um familiar que foi convidado a sair para que os dois ficassem a sós. O New York Times relata, a partir de documentos que confirmou serem verdadeiros, que Argento deu bebidas alcoólicas a Bennett e que lhe mostrou algumas notas sobre um trabalho futuro para o qual iria convidá-lo, segundo indiciam posts nas redes sociais de ambos. “Depois beijou-o, empurrou-o para a cama, retirou-lhe as calças e efectuou sexo oral. Subiu para cima dele e os dois tiveram relações sexuais, diz o documento”, citado pelo New York Times.
Entretanto, dois momentos judiciais pós-MeToo terão lugar em Setembro, quando Harvey Weinstein começar a ser julgado por seis crimes sexuais de que é acusado por três mulheres. Outro dos símbolos indirectos do momento MeToo, Bill Cosby, cujo padrão de alegadas agressões sexuais tinha sido exposto nos media sem consequências legais, tornou-se em Abril no primeiro caso de justiça revista no clima MeToo, quando foi condenado por drogar e violar Andrea Constand depois de a mesma acusação ter terminado sem veredicto meses antes do caso Weinstein. A sua sentença será lida a 24 de Setembro.