Prémios Gazeta para Joana Gorjão Henriques, Adriano Miranda e Margarida David Cardoso
Os três jornalistas do PÚBLICO foram distinguido com três Prémios Gazeta, galardão atribuído pelo Clube de Jornalistas.
A jornalista do PÚBLICO Joana Gorjão Henriques é a vencedora do Prémio Gazeta de Imprensa 2017 pela série de seis reportagens "Racismo à Portuguesa", divulgou esta terça-feira o Clube de Jornalistas. "Espero que o prémio signifique que há mais gente a reconhecer que há uma grande falha na sociedade portuguesa", disse a jornalista. "Espero também que a série desperte mais gente — porque este processo para chegar à justiça social é um caminho árduo e longo".
Adriano Miranda é distinguido com o Prémio Gazeta de Fotografia pelo retrato de Manuel Francisco publicado na primeira página do PÚBLICO de 17 de Outubro de 2017, e que se tornou num dos símbolos das populações atingidas pelos incêndios florestais do ano passado.
O Prémio Gazeta Revelação é atribuído à jornalista Margarida David Cardoso pela reportagem "A noite do fim do mundo", sobre as cheias de 1967, publicada no P2.
Ao jornalista Luís Filipe Costa, com percurso ligado à RTP e ao extinto Rádio Clube Português, é atribuído o Prémio Gazeta de Mérito. O prémio para trabalhos multimédia vai para João Santos Duarte e Tiago Miranda (Expresso). Cláudia Arsénio (TSF) é distinguida com o Gazeta de Rádio, enquanto Pedro Coelho (SIC) recebe o prémio de televisão. A Gazeta de Imprensa Regional vai este ano para o Correio da Feira, semanário de Santa Maria da Feira.
O júri dos Prémios Gazeta 2017 é constituído por Eugénio Alves, Cesário Borga, Eva Henningsen, Fernanda Bizarro, Fernando Correia, Elizabete Caramelo, Fernando Cascais, Jorge Leitão Ramos, José Rebelo e Paulo Martins.
"[Fotografar-me] a mim? Mas eu sou tão feio"
Ao PÚBLICO, depois de saber da distinção pela fotografia de Outubro de 2017, o fotojornalista Adriano Miranda recordou o momento em que a imagem foi registada no lugar de Covelo, freguesia de Ventosa, concelho de Vouzela. “Saímos do carro e vejo o senhor Francisco no meio do fumo, com o seu cajado, com um ar muito perdido”, disse. Manuel Francisco procurava ali um dos amigos, dado como desaparecido e que acabaria por ser encontrado carbonizado no interior de casa dele.
“Olhei para aquela figura e meti conversa com ele. Recordo-me perfeitamente que ia fazer 82 anos no dia seguinte. E perguntei-lhe se o podia fotografar. Ele disse-me muito admirado: ‘Eu? A mim? Mas eu sou tão feio.’ Nunca mais me esqueci desta frase. ‘Não é nada feio’, respondi-lhe logo. E ele lá se colocou imediatamente naquela pose. Não lhe disse nada, não lhe dei orientação nenhuma. E eu fiz umas cinco ou seis fotografias. Quando estava a editar liguei para o jornal e disse ‘escolham a que entenderem, mas eu apostava nesta fotografia’. No outro dia, o telefone não parou de tocar.”
“O enquadramento era banalíssimo. É a substância da fotografia. O ar de abandono, de exclusão, o retrato do Portugal pobre e rural. O cajado, as mãos. Vemos tudo”, interpreta Adriano Miranda. “E depois há também o próprio olhar dele, que é essencial. Não olha directamente para a câmara. Está a olhar para o vazio. Está a olhar o horizonte.”
A imagem correu o país e o mundo. Manuel Francisco tornou-se ali um ícone da tragédia de 15 de Outubro. Foi mostrada numa faculdade de jornalismo londrina e gerou uma onda de solidariedade às vítimas daquela localidade. Curiosamente, todos viram a fotografia menos o próprio Manuel Francisco. Seria só pelo Natal que, quando Adriano Miranda regressou a Ventosa, acompanhado pela mulher e filhos, voltou a encontrar Francisco e lhe ofereceu a edição do PÚBLICO de dia 17 de Outubro de 2017.
“Levei-lhe o jornal. Ele não o tinha. Ninguém lhe ofereceu um jornal. Toda a gente falava da fotografia e ele nunca a tinha visto. Foram lá as televisões e tudo e mesmo assim ele não tinha olhado para a fotografia.” Hoje, Francisco, “que viveu uma vida muito dura”, continua “apegado à terra”, mas está “bem de saúde”, conta Adriano Miranda.
Para Adriano Miranda, a imagem “foi um marco” no seu trabalho de fotojornalista. “É quase como estar a fazer pães todos os dias. E depois tens uma imagem no meio de milhares que tem o reconhecimento das pessoas que pode ajudar uma comunidade. Olhas para aquela imagem e pensas ‘isto não pode voltar a acontecer’.” A fotografia, que chegou a ser usada como imagem de cartaz de protesto em algumas manifestações, “extravasa os olhares dos fotógrafos, a própria notícia. Tem asas, voa. Vai para onde quer. A prova é este reconhecimento”, conclui.
Em 2017, o Prémio Gazeta de Fotografia foi também para uma imagem que fez primeira página do PÚBLICO, da autoria do fotojornalista Enric Vives-Rubio.
"Morreram pobres"
Ao PÚBLICO, Margarida David Cardoso, vencedora do Prémio Gazeta Revelação, recorda como nasceu a reportagem sobre as cheias de 1967. "Resulta de um desafio lançado pela Paula Barreiros, enquanto editora do P2, que foi uma grande máquina por detrás disto", começa por contar. "Foi ela que andou a vasculhar na Torre do Tombo fotografias de 1967 e desencantou imagens incríveis que desmascaram aquela que foi uma das três grandes catástrofes em Portugal desde que há registo (juntamente com o terramoto de Lisboa de 1755 e o aluvião do Funchal de 1803) que parecia ter sido coberta por uma qualquer capa de esquecimento", continua a jornalista de 23 anos.
"O que pretendemos com este trabalho – a que se juntou o Rui Gaudêncio com a reportagem em Quintas – foi precisamente resgatar essa memória, ainda muito fresca no seio das famílias afectadas. Basta ver que aqueles que eram crianças na noite das cheias têm hoje 50 e tais, 60 anos. São pessoas profundamente marcadas por uma catástrofe natural. Morreram os pobres que viviam em habitações precárias nos leitos de cheia, construídas ilegalmente nos arrabaldes de Lisboa à medida que esta crescia. Aqueles cuja existência era praticamente ignorada pela capital – os estudantes do Instituto Superior Técnico, que foram para as zonas mais afectadas como voluntários, reconheceram isso mesmo."
"A contagem dos mortos nunca chegou a ser certa – há investigadores que dizem que é seguro falar em 500 mortos, jornalistas contaram à época perto de 700. Entre as vítimas mortais estava metade da população do lugar de Quintas, em Castanheira do Ribatejo, onde encontramos essa ferida ainda aberta", continua.
"Uma das coisas que mais me surpreendeu foi a forma como os incêndios do ano passado (quando fizemos a reportagem tinham passado poucos meses) estavam presentes nos discursos de todos aqueles com quem falamos", recorda Margarida David Cardoso.
"Alice Vieira dizia que teve a 'mesma sensação de ver o mundo a acabar'. 'Era quase palpável em nós o medo que aquelas pessoas sentiram', tinha-me dito a Luísa Fajardo, que perdeu a irmã nas cheias. Foi uma das frases que se perderam durante a escrita, como outras histórias que tiveram que ficar de fora", assinala. "Felizmente uma boa parte delas foram contadas pela Ana Paula Torres no livro que publicou no ano passado, As ‘gotas de ar frio’ que inundaram a Grande Lisboa".
Em 2016, o Prémio Revelação foi atribuído também a uma jornalista do PÚBLICO, Sibila Lind, pelo seu trabalho "Anatomia de uma Ópera". Sibila é co-autora, com Liliana Valente, do documentário "Eis que fazem novas todas as coisas", sobre o ano que se seguiu ao incêndio de Pedrógão Grande.