Ela tinha 13 anos, ele 40 – a memória diz-lhe que foi amor, o #MeToo deu-lhe o contexto do abuso

The Tale, de Jennifer Fox e com Laura Dern, é a história real do abuso sexual da realizadora e um filme sobre negação, aliciamento e sobre como a mente a protegeu, acha, do que não conseguiria aguentar. O momento MeToo deu-lhe um contexto acidental.

Laura Dern, Jennifer Fox, O Conto, Festival de Cinema de Sundance de 2018
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Laura Dern e Isabelle Nélisse Kyle Kaplan/HBO
O conto, Laura Dern
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Kyle Kaplan/HBO
The Tale, Jennifer Fox, diretor de cinema
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Jennifer Fox Kyle Kaplan/HBO
Jason Ritter, O Conto, Jennifer Fox, Festival De Cinema De Sundance De 2018, História Verdadeira, HBO
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Elizabeth Debicki e Jason Ritter Kyle Kaplan/HBO
O conto, Jennifer Fox, Sundance Film Festival
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Common Kyle Kaplan/HBO

“Nunca usei as palavras ‘abuso sexual’ até ter 45 anos.” The Tale é a história de uma menina de 13 anos que deu um filme – sobre o seu abuso sexual, uma história real, a da realizadora. É também uma história de como a memória de Jennifer Fox mascarou o caso como uma relação amorosa. “É sobre o desmoronar da negação”, diz a realizadora de um filme delicado e duro que entrelaça a jovem Jennifer e a actual Jennifer (interpretada por Laura Dern) à conversa entre passado e presente. The Tale, que passa este sábado no canal TVCine1, também tem tido um rótulo: o de “primeiro filme MeToo”, um contexto acidental, mas instrumental, no Festival de Sundance.

The Tale é o título do conto que Jennifer Fox escreveu aos 13 anos sobre a relação com Mrs. G (a lânguida Elizabeth Debicki) e Bill (o sorridente Jason Ritter), seus treinadores e afinal seus predadores. O conto serve de fio condutor ao filme, ipsis verbis, e as situações são as que Jenny, interpretada pela jovem actriz Isabelle Nélisse, viveu. Os nomes de todos os outros foram alterados e as cenas sexuais com Jenny foram filmadas com uma dupla adulta. Ellen Burstyn ou Common completam o elenco.

Jennifer Fox assumiu a sua experiência e nome em The Tale, porque “tinha muito medo que ninguém acreditasse na história”. “É claro que sabemos que o abuso sexual de crianças acontece, mas as pessoas não compreendem verdadeiramente que uma criança possa amar alguém que abusa delas. Senti que sem mim a dizer ‘Isto aconteceu-me mesmo’, os críticos e o público diriam que era impossível. Para proteger o filme, tive de lá deixar o meu nome”, disse ao site IndieWire.

Pelo mesmo motivo, a clareza e transparência, filmou cenas de sexo que são cenas de abuso de uma menor. “Na maior parte dos filmes quando chegamos ao acto em si, uma porta fecha-se e podemos desviar os olhos do horror. Para mim era importante mostrar quão horrível é. Precisava da minha autoridade”, explicou à Rolling Stone.

O centro de gravidade de The Tale é a mente de Jennifer Fox, ou o que pode acontecer na mente de alguém alvo de abuso sexual – “Percebi que queria fazer um filme sobre a memória e a construção de nós próprios”, disse à mesma revista, sobre como sempre enquadrou aquela relação no corpo de uma adolescente, no sabor do fruto proibido, e quando teve a transformadora percepção de que era afinal uma criança, e uma presa. A sua mente protegeu-a, acha, do que não conseguiria aguentar, do que afinal “não é aceitável”, como diz uma mulher no documentário Flying: Confessions of a Free Woman em que Fox estava a trabalhar, e que lhe serviu de epifania.

Viu um padrão, o aliciamento (grooming, como é chamado em inglês), o valor da atenção de um adulto durante a relativa invisibilidade da infância. “Obtinha outra coisa em troca – amor. Queria que alguém achasse que eu era especial”, diz Jenny no filme pela voz de Laura Dern. “Eles não aceitam que te estás a tornar uma mulher”, dizia-lhe o seu treinador, Bill. “Eu amo-o”, concluiria Jenny. “Não sou uma vítima”, “tivemos uma relação”, riposta Jennifer, aos 45 anos, quando um polícia lhe fala de ter sido alvo de abuso. Ou “eram os anos 1970, as pessoas não falavam disso dessa maneira”, um argumento de Jennifer Fox com ecos de caso Polanski.

“Claro que éramos mais permissivos na altura – éramos mais permissivos há cinco meses”, disse a actriz Laura Dern à Rolling Stone em Maio.

O contexto MeToo foi dado a The Tale no festival de cinema independente de Sundance, onde se estreou em Janeiro e foi aclamado como o primeiro filme do momento pós-Weinstein, que gerou um debate internacional sobre a realidade do assédio sexual laboral, a violência sexual, a credibilidade das vítimas e as nuances do consentimento.

Foi um contexto inesperado, posterior, para um filme que já estava a ser feito há anos – o livro ou a série de TV de Rose McGowan, actriz que diz ter sido violada por Harvey Weinstein, vivem também como produtos culturais MeToo. The Tale ganhou uma caixa de ressonância criada pela partilha pública por milhares de mulheres de histórias de assédio ou abuso sexual. Antes disso, como disse à revista Mel, Fox teve dificuldades em angariar financiamento. “[E mesmo nesse contexto] tinha uma enorme ansiedade sobre se o mundo estava pronto para esta história. O #MeToo e a [plataforma] Time’s Up falam sobre o abuso sexual, mas o abuso sexual de crianças continua a ser tabu”, lembrou a realizadora. Depois, o filme teve uma ovação em pé no festival e foi rapidamente arrebatado pela HBO.

É através do acordo da HBO com os canais portugueses TVCine que The Tale chega este sábado ao TVCine1 às 21h30 (repete no mesmo horário dia 26), como “um dos filmes mais corajosos e inteligentes” que Matt Goldberg, do site Collider, já viu. Ou como “uma história complexa de cumplicidade, negação e memória defeituosa, mas também a mais fiel descrição de abuso na infância e seus efeitos alguma vez levada ao ecrã”, como postulou April Wolfe no Washington Post.

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